31 de dezembro de 2008

Cuba elevada a 50! / Novo Jornal / Luanda 31-12-08



No recente festival de cinema de Havana, um dos mais prestigiados eventos culturais da América latina, os filmes de Steven Sordebergh, “Che, el argentino” e “El guerrillero”, em que o actor porto-riquenho Benicio del Toro protagonizou a figura de Che Guevara, e em que Rodrigo Santoro faz de Raul de Castro, foram vibrantemente aplaudidos por uma assistência que durante cinco horas viu os filmes em exibição.
Estes dois filmes, tem um particular significado neste cinquentenário do fim da ditadura de Fulgencio Batista, pois conseguem fazer uma abordagem de Che Guevara, num contexto fora da iconografia do regime, e também distante da diabolização que os cubanos exilados nos EUA fazem de Ernesto, Fidel ou Raul. O Granma, jornal cubano, faz um elogio ao filme, o que de certa forma surpreende quem sempre se habituou à imagem estereotipada das figuras da revolução, “deificadas” nas paginas do diário controlado pelo Partido Comunista Cubano.
Ao invés, estes filmes foram objecto de repudio, assumindo alguma violência, por parte dos cubanos de Miami, que viram estas produções como uma “encomenda” por parte do regime para “branquear” estes 50 anos de poder dos “barbudos”.
Quando nasci, já Fidel de Castro lutava contra a ditadura cubana, um Fidel que poderia ter sido um brilhante advogado, idolatrado pelos cubanos como basquetebolista de eleição, educado em colégios de jesuítas, e filho de um galego com algum património, que contrastava com a maioria da população da ilha, miseravelmente paga numa agricultura que beneficiava as grandes companhias açucareiras estado-unidenses.
Para além das fotografias brilhantes da agencia Magnum, e de muitos filmes de televisões americanas, é na saga do Padrinho de Coppola, que ganhou o Óscar na sua versão I e II, que o projectado fim de ano de 1958, ganha uma dimensão universal, e que dá a imagem fiel do que era Cuba nessa altura, um prostíbulo e um casino gigante dos EUA, lugar onde se cruzavam todas as jogadas torpes do crime e do lucro fácil.
Em 1990, num filme de Sidney Pollack, “Havana”, Robert Redford, Lena Olin, Alan Arkin, recria-se a atmosfera desse “reveillon” estragado pela fuga de Batista e a consequente entrada dos “sobreviventes da Sierra Maestra” em Cuba, lideradas por Camilo Cienfuegos, que abre assim caminho à entrada triunfal de Che e Fidel em Havana, em 8 de Janeiro de 1959.
Pela generosidade dos seus protagonistas, pela afronta aos valores de uma América profundamente anti-comunista, muito marcada pela paranóia do Maccartismo, associadas às propostas inovadoras de democratização social e melhoria das condições de vida do povo cubano, a revolução cubana afirmou-se como o período mais marcante para as gerações do pós-guerra no mundo.
Ao longo de todo o meu processo de maturação política, os valores saídos da revolução cubana sempre me foram caros, embora pontualmente discorde de algumas decisões, que abastardaram motivações que na sua essência eram marcadamente solidárias e progressistas.
Não foi a revolução cubana, a aldeia gaulesa criada por Goscinny e Urdezo, nem Fidel e Che foram o Ásterix e Obélix das Caraíbas, porque a realidade é que os guerrilheiros que entraram em Havana naquele longínquo 1958/59, não estavam determinados a mais que devolverem dignidade a seu povo, como até confirmam os seus detratores como Arrabal, Rsendo Canto Hernandez, Guillermo Cabrera Infante, Zoé Valdés e outros.
Cuba foi o primeiro país no mundo que levou a cabo uma campanha de alfabetização generalizada, e conseguiu em cinquenta anos inverter as estatísticas de 87% de analfabetos, para uns residuais 5%, numero só possível em países com economia estabilizada. Desenvolveu um grande programa de saúde, o que lhe permite responder cabalmente à sua população, conseguindo também dar resposta a um numero crescente de solicitações de diferentes países, alguns dos quais a cantarem loas ao seu progresso continuado.
A “ operação Carlota”, que vai caindo no esquecimento dos angolanos, que convenhamos nunca foram muito pródigos em memória colectiva, foi um factor determinante para a independência da então Republica Popular de Angola, e consequente inversão de valores na parte austral do continente. Foi o início de uma ajuda massiva, que já vinha do tempo da luta armada, mas que alguns sectores da nossa sociedade vão desdenhando. Não defendo contudo, a presença cubana na Etiópia, já que a prática do regime de Hailé Mariam foi reprovável em todos os domínios.
Cinquenta anos depois, e socorrendo-me do livro de Ignacio Ramonet,” Fidel de Castro- Biografia a duas vozes”, editado pelo Campo das Letras, só me resta também ficar com as entrelinhas numa frase de Fidel: “ Será que as revoluções estão condenadas a afundarem-se ou será que os homens poderão fazer com que as revoluções se afundem?”
Se me perguntarem se Cuba foi o que sonhava ser algo tipo Utopia de “Thomas Morus”, acho que não, até porque há questões para que nunca obtive respostas óbvias como a existência da a pena de morte, o cercear das liberdades individuais, as prisões discricionárias, e fundamentalmente que me façam sustentar com objectividade a alegada irreversibilidade do socialismo.
Ao fim deste tempo, mantenho pela Cuba revolucionária um grande respeito, como também continuo a defender determinados valores que tem sido mote da revolução cubana, e quando recentemente a especulativa revista americana Forbes, disse que Fidel era a décima fortuna do mundo, e justificava tudo isso com os resultados das empresas estaduais cubanas, ele indignou-se e pediu provas, e nunca mais se falou no assunto, o que prova que Fidel ainda vai tendo a sua importância para os EUA. É algo incrível pois a dimensão, o estado de desenvolvimento, o circunstancialismo social deve ser pesado não numa comparação com os poderosos Estados Unidos, mas com o Haiti, Salvador, Costa Rica, Nicarágua, Panamá e por aí fora num mesmo contexto geográfico e económico.
Neste reveillon de 2008/9 digo que estes cinquenta anos valeram a pena, mesmo que Cuba entre em breve numa nova ordem de economia de mercado e também só mesmo de mercadoria, o que não é o melhor!

Fernando Pereira
29/12/08

24 de dezembro de 2008

Angola, os Brancos e a Independência/ Ágora/ Novo Jornal-Luanda 23/12/08



Desde há um mês que sabia, que o trabalho académico, de alguns anos, de Fernando Tavares Pimenta estava disponível nas livrarias, numa edição da magnífica “Biblioteca das Ciências Sociais”, da Editora Afrontamento.
A obra, “ Angola, os Brancos e a Independência” é o trabalho de tese de doutoramento em História e Civilização, apresentada em Florença em 2007, e surge no contexto de outros trabalhos, já aqui referidos, como os “Brancos de Angola- Autonomismo e Nacionalismo 1900/1961”, editado em 2005 pela Minerva /Coimbra, e outro em que revela a probidade intelectual de Adolfo Maria, no livro da Afrontamento “Angola no percurso de um Nacionalista” (2006).
Esta trabalho recente de Fernando Pimenta, é de um enorme rigor, numa bem conseguida recolha no campo documental e com recurso a muitos depoimentos de pessoas ideologicamente matizadas de forma diferenciada, o que lhe confere uma extraordinária verosimilhança.
Percorre todas as múltiplas tentativas emancipalistas ao longo do século XX, desde as que foram ocorrendo nos primeiros vinte anos do século, particularmente nas disputas entre as proeminentes associações corporativas de colonos de Luanda e do Sul de Angola, onde se destaca a de Benguela, situação que vai sendo repetida ao longo do século até ao eclodir da luta armada.
O colonialismo de Norton de Matos (sobre este assunto, saiu um recomendável livro de Maria Alexandre Dáskalos, editado pela Minerva, muito recentemente), a presença das lojas Maçónicas, as associações comerciais e industriais em determinados contextos de colonos mais arreigados a lutarem por um certo autonomismo, as relações com o clero, nomeadamente Manuel Alves da Cunha e o Cónego Manuel das Neves, a “fermentação” da FUA, a Sociedade Cultural de Angola, a Liga Africana, as edições Imbondeiro, foi tudo escalpelizado neste brilhante trabalho.
A presença de brancos, no contexto dos movimentos de libertação, onde a versão “comicieira” não coincidia com a praxis quotidiana na fase de luta, ou na fase de transição para a independência, merecem uma reflexão cuidada por parte do autor. Não deixa Fernando Pimenta de contextualizar alguns movimentos de brancos, que se foram sucedendo visando a rodezialização de Angola em diversos períodos, nomeadamente nos anos 60, e particularmente nos meses que se seguiram à eclosão do 25 de Abril de 1974 em Portugal.
Seria fastidioso, e provavelmente fautor de opiniões dispares, se viesse para aqui comentar o livro, como uma obra política de circunstancia. A realidade é que estamos perante uma obra académica, de um assunto que merece cuidado, e hoje com cada vez mais actualidade e necessidade de discussão, sustentada por factos concretos, e não por arrufos, êxtases ou oportunismos pontuais.
Este livro não especula, assenta em factos e não será alheio a circunstancia do autor, ser um jovem académico brilhante, nascido em 1980, português, sem relação alguma com África, e que fez uma opção clara no seu percurso de investigação.
Este caso, não é virgem no domínio da história e ciências sociais da língua portuguesa, onde encontramos jovens doutorados, ou investigadores como Cláudia Castelo., Valentim Alexandre e Margarida Calafate Ribeiro entre outros, que com a introdução de novas tecnologias na investigação, com a reabertura de arquivos diversos, e com a distancia física e emocional de acontecimentos, permitem dar-nos um olhar novo, e mais realista de um tempo que vivemos com muito entusiasmo, mas também por vezes com diminuída clarividência.
Ao Fernando Tavares Pimenta, como angolano, tenho de lhe agradecer este excelente contributo que dá ao meu País, porque de facto vem ajudar-nos a discutir identidades e olhares, que por vezes não estamos muito habituados, talvez por força de algo de extraordinário que temos, que é o de sermos sempre desenrascados perante o enrascanço quase permanente, mesmo no nosso convívio quotidiano “amargo e doce”.
Um livro a adquirir com carácter de prioridade.

Fernando Pereira
24/12/08

Ouvi dizer, que há países onde se gasta dinheiro para emagrecer!


Fazer um artigo sobre o ano que passou, por muito mau que o ano tivesse sido, é significativamente melhor que fazer um artigo sobre o ano que aí vem.
O ano de que estamos prestes a ver como passado, vai ser um ano cheio de efemérides daqui por uns anos, e cá estarei seguramente, para as referir se acaso algumas confirmarem, as mudanças prováveis de um futuro próximo.
Dando uma volta por Luanda, continuamos a assistir a mais um ano em que se fala de muita construção civil, mas não se consegue ler, ver ou ouvir em algum lado gente a falar de esgotos, seu tratamento e conservação. Sobre isto lembro-me da irritação de um amigo meu, que era presidente de câmara de uma cidade , que dizia que os “presidentes de junta só falam em enterrar dinheiro, pois pedem sempre esgotos”, ao que ele respondia, “peçam coisas cá para cima, coisas que se vejam, agora esgotos ninguém vê nem dá votos!”
Se conseguirmos que uma pequena parte dos projectos de arquitetura ousem ser construídos, a cidade só conseguirá ser mais feia e insalubre para a vista, e para o habitar das gentes. Continuou-se a imitar o desordenamento urbano colonial, construindo megatéreos envidraçados, verdadeiros atentados ao ambiente, já que nada tem a ver com as características do clima, e com a prodigalidade da exposição solar.
A manter-se o quadro de crise internacional dos fundos, algo que me faz sorrir, pois a maior parte da população mundial viveu sempre com os fundos das panelas vazios, vamos assistir a uma crise sem precedentes, pois tudo o que sucedeu, não foi nada que já nem tivesse acontecido noutras alturas, e sempre Angola se saiu mal desses períodos.
Se fosse nos tempos do “caminhar seguro para o socialismo”, teríamos que arranjar a sigla anual que emulasse as pessoas na “vitória na batalha da produção”, e atrever-me-ia a colocar o “Ano em que estivemos em parte nenhuma”, título de uma obra sobre a experiencia africana de Che Guevara, que poderá ser o que acontecerá a nível mundial no ano de 2009.
A eleição de Barak Obama nos EUAs, tem uma marca de extraordinária relevância no quadro das referencias para o futuro, num mundo onde o racismo tenderá a esbater-se, e a ser cada vez mais desejavelmente uma coisa para a antropologia estudar. Quanto à sua política tenho naturais reservas, pois apesar de algumas boas intenções não vejo meios e condições objectivas para alterar muito nuns EUA, que procuram com políticas diferenciadas, reabilitar a sua imagem de liberdade e de defesa dos direitos do homem, características basilares do seu quadro constitucional.
Vamos deixar 2008, com eleições feitas e em 2009 lá virão outras, que julgo não irão alterar o quadro geral da orientação política do País, e qualquer alteração a nível económico, será sempre ditada pelas vagas sucessivas da maré vazante das economias mundiais.
Escolhi para vos dizer até para o ano a foto do final de “Tempos Modernos”, um filme de Charlie Chaplin, que pode ser premonitório de alguns tempos que aí vem, e que é sobre tempos seguintes ao crash de 1929. Esta cena de Charlie Chaplin e Paulette Goddard no filme de 1936 (Modern Times) é uma das mais emblemáticas da história do cinema.

Fernando Pereira

17/12/08

Quando chegam os reis Magos?



Foi há uns anos na LAC que o meu amigo Orlando Rodrigues, quando confrontado com a pergunta sacramental, sobre o que desejava para os angolanos no Natal, ele terá dito que com os números alarmantes de HIV /SIDA, com a quantidade de desnutridos, com a insegurança, enfim com tudo que eram desgraças era difícil desejar um bom Natal às pessoas.
Óbviamente que o tempo passou, já que isto foi dito num contexto em que já se tinha medo do dia seguinte, em tempos que se dizia que a “Angola de hoje é melhor que a de amanhã e a de depois de amanhã será bem melhor que a de ontem”, mas prevalecem algumas realidades confrangedoras, que me inibem de ser um “natalista” optimista.
Eu não gosto do Natal, melhor não gosto do que comummente é designado pelo “espírito natalício”, um estado de espírito algo esquisito, em que todos sentem que devem fazer uma boa acção, ou um conjunto de boas acções, assim como os seguidores de Baden Powell vão tentando fazer uma vez por dia, como forma de catarse para expiar pecadilhos diversos, feitos durante o ano.
Sinceramente, eu gostava muito mais do “Dia da Família”, dos tempos de um socialismo a caminhar pesadamente para o científico, do que gosto da época do Natal, destes tempos de capitalismo emergentemente pujante e criativamente hipócrita.
Ver uma árvore decorada com enfeites na Assembleia Nacional, é o topo do kitsch que tem sido o quotidiano da Luanda actual, que curiosamente me mereciam comentários do mesmo tipo, que o escritor português António Lobo Antunes fez da sociedade luandense na antecâmara do finar do colonialismo, em livros como “Os cus de Judas”, “ as Naus” ou nas suas cartas de guerra no “D’ este viver aqui neste papel descripto”.
Lembro-me do Natal no Uíge, onde vivi a minha meninice, e recordo-me de ter em casa uma árvore de folhas postiças de plástico, polvilhada de algodão hidrófilo, a tentar ilustrar uma coisa que só muito mais tarde vi, que era a neve, com uma série de penduricalhos a imitarem anjos, camelos e reis magos. Parece que era hábito as coisas postiças, pois nos anos sessenta, uma das coisas que muito dinheiro deu a ganhar a Horácio Roque foram as cabeleiras, com que se passeavam as senhoras da burguesia colonial, nos sítios in da cidade ao tempo, o Clube Naval ou o Clube de Caçadores entre outros lugares badalados.
Podia mesmo continuar aqui a debitar mais um conjunto de argumentos, para mostrar que esta festa de solidariedade tem muito pouco, e que nem a figura do Pai-Natal obeso, com destacada proeminência ventral, contrariando todas as recomendações de nutricionistas e endocrinologistas, consegue transmitir a bonomia generalizada que se pretende da época.
O Pai-Natal, que secundarizou o vetusto “menino Jesus das palhinhas”, foi “usurpado” com grande eficácia para todas as partes envolvidas, a uma globalizada marca de refrigerantes e acabou por fazer entrar o “espírito de Natal” entre judeus, muçulmanos, budistas, agnósticos e por aí fora, ficando apenas para os católicos como S. Nicolau. Um bom negócio para todos!
Como indefectível adepto do FC do Porto e do 1º de Agosto, ouso encerrar um artigo sobre o Natal, com a provocação de que a semelhança entre o Benfica e o Pai Natal é que ambos são vermelhos, aparecem uma vez no ano e só os parvos acreditam neles.
Um Bom Natal a todos que gosto todos os dias!


Fernando Pereira

19 de dezembro de 2008

Jean Depara, percurso de um fotógrafo angolano./ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 19-12-08





Bilbao é provavelmente uma cidade que fica fora de quase todos os circuitos de referencia, para gentes com grande dinamismo para o negócio, para o ócio e acima de tudo para fazerem de beócios.
Faz agora um aninho, que aproveitei um périplo pelo País Basco, e tive oportunidade, melhor dizendo, criei a oportunidade, de ir ver a exposição 100% África no museu Guggenheim, essa verdadeira obra prima de Frank Gehry, que transformou a degradada zona, da decrépita industria metalo-mecânica de Bilbau, num espaço apelativa à modernidade e á fruição dos bilbaínos, em torno de um edificio que será uma obra imorredoira.
Durante seis meses, essa museu acolheu uma exposição de trinta e cinco artistas da África subsaariana que mostraram numa colectiva de artes-plásticas e fotografia, argumentos artísticos que os europeus nunca tinham visto em termos de um conjunto tão diversificado.
Neste edifício, onde acaba por ser difícil as pessoas alhearem-se do espaço criado, por muito que o revisitem, todo o 3º piso foi ocupado por esta exposição, que se deveu a Jean Pigozzi, um suíço, herdeiro dos patrões da Simca, com um misto de profissional e de diletante como fotógrafo, riquíssimo, e que desde 1989 com a colaboração do seu conservador André Magnin, tem adquirido em África tudo o que acha que valorize a sua colecção, que é já a maior colecção de arte contemporânea africana com um acervo de milhares de obras diversas.
Nesta exposição de 25 artistas, que a CAACART da Pigozzi Colection e o Guugenheim de Bilbao deram a conhecer, releva-se o facto de entre algumas obras de alguns desconhecidos, ou menos conhecidos, estarem trabalhos de Abu Bakarr Mansaray, (1970), da Serra Leoa, e Pascale Marthine Tayou (1967) dos Camarões e de Pathy Tshindele (1976) de Kinshasa. Notou-se contudo algum desiquilíbrio pois de Moçambique estava apenas Titos Mabota(1963), da África do Sul apenas Esther Mahlangu (1935) e ninguém de Angola.
Se nas artes plásticas não encontrámos nenhum angolano, já na fotografia encontrámos Jean Depara, que nasceu em 1928 em Kboklolo no norte de Angola, e chega a Kinshasa em 1951, cidade onde acidentalmente pega numa Adox e começa a fotografar, tendo deixado de o fazer apenas quando da sua morte em 1997, na cidade onde se casou e viveu desde o dealbar dos anos 50.
Depara nos trabalhos expostos, mostra a noite em Kinshasa e noutras cidades da RDC, onde há fotos notáveis das rumbas, cha-cha-chas, bem como muitos testemunhos de night-clubs, principalmente onde actuava o cantor “zairense” Franco, tendo nessa altura aberto o estúdio Jean Whisky Depara, onde até ao seu encerramento em 1989, a fotografia a preto e branco testemunhou três décadas da noite congolesa.
Paradoxalmente, as suas fotos só começaram a ser expostas na Europa e em África, depois da sua morte, quando Pigozzi comprou todo o seu acervo.
Era bom que em Angola pudessem ver uma exposição de Jean Depara, nem que fosse só com as fotos que vi no Guggenheim, pelo que creio que há-de haver vontade bastante, para que isso possa ser uma realidade em breve.
Para já o que posso dizer é que na Tate Modern em Londres, e até 31/3/09, Seydou Keitha do Mali tem uma exposição de fotos, que mostram um quotidiano interessante, polvilhado de gentes de Bamako.
Confesso que fiquei maravilhado com o que vi, naquela visita à referencia maior de Bilbao, que é uma das cidades europeias mais equilibradas arquitetónicamente dentro de um conceito de cidade de vale e montanha, e onde se tem desenvolvido ao longo de décadas propostas de urbanismo interessantíssimas.


Fernando Pereira
10/12/08

12 de dezembro de 2008

Cidadão de Luanda / Novo Jornal / Ágora / Luanda 12-12-08





Restam em Luanda muito poucas estátuas, peanhas ou bustos do tempo colonial, teimosamente permanece a de Manuel Alves da Cunha, no jardim fronteiro ao edifício onde funciona a Universidade Católica de Angola.
Monsenhor Alves da Cunha foi uma figura incontornável na sociedade angolana desde que desembarcou nas Portas do Mar em Dezembro de 1901. As Portas do Mar eram o local onde as barcaças atracavam, com os passageiros que vinham em navios que ficavam fundeados na baía, e que era precisamente em frente ao Rialto, ali no largo dos Correios.
Tendo falecido em 1947, Alves da Cunha foi bem a imagem das relações estreitas entre a política e a religião, nos primeiros cinquenta anos do século passado. O Dr. Cunha veio para Luanda como vigário geral de um bispo de nome António Gomes Cardoso, e à morte deste em 1904, foi sendo sucessivamente nomeado pelos bispos que se seguiram, que por contingências diversas permaneciam pouco tempo no lugar, já que quase todos iam morrendo, pois a cidade era lugubremente doentia para certas pessoas que vinham da então metrópole.
Monsenhor Alves da Cunha foi durante 46 anos, um verdadeiro florentino. Contava-se em Luanda, aí pelos anos 30 uma história em que o monsenhor saindo do Paço episcopal, na cidade alta, passava pela estátua de Salvador Correia e parava, olhava para o alto da peanha e dizia: “Oh, Salvador Correia, aqui em Angola só os dois é que não comemos!”.
Alves da Cunha combateu tenazmente a “escravatura”, e foi o dinamizador da presença de Angola, com uma representação valorosa na “ Exposição colonial do Porto” em 1935, onde expôs a sua valiosa exposição etnográfica.
A sua actividade mais relevante foi a criação do Liceu em 1919, uma velha aspiração das forças vivas da colónia, tendo movimentado muitos esforços para se iniciar nesse mesmo ano as aulas, tendo sido ele um dos professores iniciais, não exigindo qualquer contrapartida do seu trabalho.
Foi vereador e vogal da Comissão administrativa de Luanda, entre 1914 e 1936, uma vezes de forma mais ou menos participada, mas sempre empenhado. Foi com Alves da Cunha que se urbanizou a zona do Maculusso e se ordenaram alguns bairros operários, obviamente com a inerente estratificação racial, que o colonialismo sempre desenvolveu como forma de domínio. Foi nessa altura que se começaram a criar estruturas para a municipalização das águas, a construção do matadouro, que era no Kinaxixe, ao lado de um belo edifício dos serviços pecuários, que foi vítima da sanha do camartelo, algo que acontece de tempos a tempos na “nossa cidade capital”, como dizia o saudoso Francisco Simons.
No domínio do saneamento, começou a exigir a construção de fossas sépticas e começou a estrada que ligava junto ao mar, a Samba à baía. Equilibrou as finanças municipais e criou códigos de regulamentos, posturas e emolumentos exigentes.
Foi ele que dinamizou a construção da Igreja e missão de S. Paulo, e era provavelmente a pessoa com maior importância na cidade, a quem muitos se dirigiam para ver satisfeitas algumas das suas pretensões.
Obviamente, que uma personagem deste quilate, na Luanda eternamente mesquinha e nalguns aspectos pacóvia, as histórias sobre Manuel Alves da Cunha abundavam, e esta reflecte bem a importância e a bonomia do homem.: Um rapaz chega a Luanda sem recomendações, e em vão vai procurando emprego.Cansado senta-se na peanha do Salvador Correia, em frente ao Paço Episcopal, e passa um indivíduo que lhe pergunta de onde era; Ele disse que era perto de Aveiro e que queria um emprego, ao que o outro disse, a gozar, para escrever uma carta ao Salvador Correia. O rapaz assim fez, mas lembrou-se que não tinha pedido a direcção e resolveu ir ao sítio onde tinha estado, para perguntar a alguém a direcção da pessoa, que pelos vistos era muito conhecida na terra. Perguntou ao primeiro que viu, a direcção, ao que o interpelado, respondeu que era um tipo de barbas compridas e brancas, que todos os dias passava ali. Apareceu o sacerdote, que coincidia com a descrição, ao que o rapaz perguntou, se ele era Salvador Correia, a que Alves da Cunha disse, que sim, e depois de ler a carta, mandou-o ir no dia seguinte ao Paço, onde lhe indicou o governo geral, onde o empregaram como jardineiro, e lhe disseram que quem ele andava à procura tinha morrido há 360 anos.
Já agora, a estátua está sem algumas letras, pelo que se pede que coloquem as que faltam, ou se tiram as que estão, para que não seja a actual situação motivo de dichotes.
Fernando Pereira 12/12/08

5 de dezembro de 2008

História cruzada/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 5-12-08



Tem sido recorrentes as queixas, principalmente de sectores desafectos ao MPLA , de serem relegadas para um quase anonimato, ou deturpações premeditadas, a participação de alguns elementos na luta de libertação de Angola, contra o colonialismo português.
Numa leitura cuidada do livro de Samuel Chiwale, “Cruzei-me com a história”, editado pela Sextante em Lisboa (Julho de 2008), fico com a ideia que estou perante o relato, de alguém que poderia dar uma contribuição significativa à luta armada, mas o que se vai revelando na autobiografia, é que há omissões, que talvez pudessem esclarecer “pecadilhos” do movimento/ partido de que o autor foi seu fundador.
“Cruzei-me com a história”, talvez seja um título demasiado pretensioso, tendo em conta o conteúdo do livro, em que o autor quer dar uma imagem de grande seriedade, e não duvido dela em qualquer circunstancia, mas que faz uma descrição de determinados factos, com uma enorme ingenuidade, que só se me ocorre dizer que há um grande “estampanço com a história em certos cruzamentos”.
Para além do que Samuel Chiwale manifesta do movimento anti-colonial em Angola e em África, associada ás circunstancias que o levaram com Savimbi à fundação da UNITA, mostra que não se conta tudo, pois com a difusão da informação, a abertura de processos confidenciais na PIDE e no Departamento de Estado Americano, levam a concluir que há algumas arestas que não são coincidentes.
Há uns tempos atrás li o livro de Alcides Sakala Simões, “Memórias de um guerrilheiro”, editado em 2006, pela D. Quixote, e achei um livro interessante, aqui e ali polvilhado com alguma imprecisão em termos de datas e que em circunstancia alguma põe em causa as decisões controversas de Savimbi, ao longo do tempo em que estiveram juntos.
Aqui estes livros coincidem, e Chivwale, que acompanhou Savimbi desde a fundação da UNITA, é pouco preciso na complacência como o movimento de Savimbi era visto pelas autoridades portuguesas, algumas cumplicidades que surgem referidas por generais portuguesas de ideologia radicalmente diferente, e também relatórios da PIDE /DGS, hoje tornados públicos, que só reafirma o que se vai sabendo há 35 anos pelo menos.
O autor omite alguns fuzilamentos, nomeadamente Tito Chigunji e Wilson Santos, os “autos de fé” e consequentes rituais sórdidos de queima de pessoas em fogueiras e até mesmo castigos corporais exercidos por Savimbi sobre proeminentes dirigentes da UNITA, alguns hoje referentes na estrutura política, militar e empresarial da Republica de Angola,.O próprio Chiwale, explica ainda que utilizando alguma condescendência, a forma como a BRINDE, lhe terá quase preparada a tumba, para além de outras formas ignóbeis com que foi tratado e que o levaram a um estado de degradação física e emocional a raiar o quase suicídio.
Por tudo isto, acho que se quiserem ser protagonistas da história de Angola, ou se querem que o líder, que revelava um indiscutível ascendente sobre os seus companheiros, passe a figurar nessa história com alguma relevância, devem em todas as circunstancias contar as verdades sobre omissões que se vão perpetuando, avolumando-se com o decorrer do tempo, e a ganharem contornos de exageros com o desaparecimento das testemunhas desses momentos.
Quando assim acontecer, então sim podem dizer e escrever:”Cruzei-me com a história”!

Fernando Pereira 1/12/08

Morreu Michel Laban – importante estudioso da literatura lusófona/ Novo Jornal/ Luanda 5/12/08






Há algum tempo que se aguardava este infeliz desenlace, pois Michel Laban já se encontrava doente há uns tempos, pelo que o seu falecimento em 25 de Novembro, não foi surpresa para ninguém.
Aos 62 anos, Michel Laban deixa a literatura africana de expressão oficial portuguesa mais pobre, com a sua morte em Paris.
Nascido na Argélia, em Constantine, formado pela universidade de Argel em literatura geral, e em Paris em espanhol e português. Foi professor de francês em Lima no Peru, de espanhol no Norte de França e a partir de 1974 é professor de português num liceu de Paris. A partir daí, começa a dar aulas de tradução na escola onde faz todo o seu percurso académico como professor de literatura africana de Expressão Portuguesa, na Universidade de Paris III.
Numa equipa da UNESCO, desloca-se a Angola inserido num programa de formação de professores do ensino secundário em Luanda e no Huambo, em 1977 e 1978.
Foi através de Luandino Vieira, que Michel Laban se começou a interessar e a divulgar a literatura africana de expressão portuguesa, pois em 1979 apresentou na Universidade de Paris IV, uma tese sobre “A obra literária de Luandino Vieira”, tendo traduzido para francês algumas das suas obras, iniciando-se com o “No Antigamente na Vida”, para a reputada editora Gallimard.
A primeira vez que tive contacto com ML, foi através de um trabalho das edições 70, de Maio de 1980, com o título “Luandino- José Luandino Vieira e a sua obra”, em que faz uma entrevista excelente, e que dá a conhecer facetas do Luandino que pouca gente conhecia, e através dele percursos de pessoas, que não aparecendo na primeira fila da historiografia presente de Angola, foram determinantes no êxito da sua luta, e irão certamente ter o lugar merecido, num contexto histórico futuro da independência do País.
Numa iniciativa notável, a Fundação Engº António Almeida, com a colaboração da Elf, da embaixada angolana na UNESCO, ao tempo como embaixador, o saudoso Domingos Van-Dunem e da UEA, sairam dois volumes com o título “Angola, Encontro com Escritores” (1991), em que Michel Laban faz uma entrevista ao conjunto dos mais importantes escritores angolanos, nascidos em toda a primeira metade do século XX.
Esta obra, há muito esgotada, é indispensavelmente uma das melhores fontes para todos os que se interessem pela literatura e história contemporânea de Angola, feita com uma seriedade partilhada entre Laban e os seus entrevistados.
A partir desta obra,ML partiu para outras obras do tipo “Encontro com escritores” englobando autores de Moçambique e Cabo Verde, trabalhos feitos entre 1991 e 1998.Atrevo-me a dizer que Michel Laban com este trabalho ombreia com o “Reino de Caliban” de Manuel Ferreira e “A Noite grávida dos punhais” de Mário Pinto de Andrade, que são as “selectas literárias” de dimensão maior da poesia africana de expressão oficial portuguesa.
Para além da direcção do departamento de literaturas africanas de expressão portuguesa na universidade de Paris III, Laban era tradutor de muito escritor lusófono, entre eles José Cardoso Pires, Germano de Almeida, Pepetela, Luis Bernardo Howana, Graciliano Ramos, para além do já citado Luandino.
A melhor homenagem que lhe pode ser feita nesta hora de desenlace, é esperar que se veja continuado o seu trabalho.

Fernando Pereira 1/12/08

29 de novembro de 2008

Adivinha quem vem jantar/Ágora/ Novo Jornal / Luanda 28-11-08



Muito antes de os EUA sonharem sequer que teriam um presidente mestiço, um actor negro nascido nas Bahamas( 20 de Fevereiro de 1927), conseguiu uma proeza impressionante: um Óscar de Hollywood pelo melhor desempenho masculino em Lírios do Campo (1963). Precisamente no ano em que Martin Luther King fazia um dos mais belos discursos de todos os tempos, declarando em Washington que sonhava com um mundo onde os homens não pudessem ser julgados pela cor da pele.
Sidney Poitier estava então para o cinema como Barack Obama está hoje para a política. Impôs-se desde muito jovem em filmes como No Way Out (Joseph L. Mankiewicz, 1950), Sementes de Violência (Richard Brooks, 1955) e Um Homem tem Dez Metros de Altura (Martin Ritt, 1957). Contracenou com Paul Newman, Tony Curtis, Glenn Ford, Richard Widmark - todas as vedetas da época. E continuou a romper barreiras raciais em filmes como Adivinha Quem Vem Jantar e No Calor da Noite, ambos de 1967. Neste, ficou célebre uma réplica sua a Rod Steiger, que fazia de polícia racista: "Chamam-me Mister Tibbs." Uma das frases mais memoráveis do cinema, pronunciadas pelo senhor Poitier. Antes dele, os negros em Hollywood apenas podiam ser mordomos, porteiros de hotel ou pianistas de bar. Depois dele, puderam ser tudo.
Convém também recordar que o filme de 1967 Guess Who’s Coming to Dinner /Adivinha quem vem jantar, de Stanley Kramer, só conseguiu ser estreado em Portugal já durante o ano de 1969, pois Sidney fazia de Dr. Prentice, o noivo de Joey, uma jovem WASP, com uns pais conservadores que rejeitavam o seu amor. Ver um negro e uma branca beijando-se no grande ecran, foi para muitos algo que não dá hoje muito para acreditar, foi um acto quase de militância anti-racista e anticolonialista.
Nasceu a 20 de Fevereiro de 1927 (tem 81 anos).
Já que estamos a “efemerizar”, convém lembrar que se comemoraram em 22 de Novembro de 08, os quarenta anos da publicação do “Álbum Branco” dos Beatles, e não gostaria de deixar de relevar uma efeméride, que até o Vaticano se associou quando “despenalizou” John Lennon, por ele ter dito ao tempo que “ Os Beatles eram mais importantes que Jesus Cristo”, o que lhe valeu a ira dos cristãos e ameaças do Ku-Klux-Klan, para além de manifestações publicas de partir discos ao que o baterista Ringo Starr, terá dito:” Partam mais, porque quanto mais partirem mais tem que comprar”, (pragmatismo q.b..
Porque era importante ouvir um depoimento, resolvi aproveitar o de Rui Pato, que acompanhou todos os álbuns de Zeca Afonso, exceptuando dois já aqui referidos noutra Ágora: “É complicado contribuir para esta efeméride com um qualquer depoimento, porque só muito tarde descobri o valor musical dos Beatles, assim como o papel relevante que eles tiveram na mudança dos estilos musicais da época, até na mudança das mentalidades.
E porquê? Porque eu fiz parte daqueles que, na altura, desprezavam toda a cultura artística anglo-saxónica, virando-nos apenas para os que faziam da arte uma arma de contestação ao poder "imperialista", tal como os músicos e poetas franceses, italianos, espanhóis, cubanos e alguns poucos americanos.
Ensaiavam-se os primeiros passos da música de intervenção, em confronto com o nacional cançonetismo, com o Zeca, o Cília o Adriano, o Sérgio Godinho, etc, etc.
O planeta estava repleto de injustiça social e de conflitos graves; estávamos no rescaldo da guerra civil espanhola, começara há pouco a guerra colonial, o Vietname, a Índia tinha-se revoltado contra os colonialismos, Fidel e Guevara eram os heróis da altura.
O aparecimento dos Beatles, não foi apreciado nos primeiros tempos, já que aparentava, numa análise que então fazíamos, reconheço agora, preconceituosa e um pouco dogmática, ser um produto da cultura urbana de jovens ingleses sem qualquer preocupação social.
Só mais tarde, eu e todo esse "cluster" de músicos contestatários nos viemos a aperceber da verdadeira dimensão musical, também social e política, desses meninos de Liverpool”.
Vale apenas dizer que em 1963 (22 de Novembro) foi assassinado em Dallas, o presidente americano John F. Kennedy, e recordo-me da minha professora da 2ª classe na escola, chorar copiosamente, e eu ter-lhe perguntado porque chorava e ela me ter dito que “morreu um homem que gostava muito de Angola”! Na altura fiquei na mesma!
Em nota de rodapé resolvi aqui colocar a capa do livro editado pela Minerva em Luanda (1961) porque o achei graficamente patusco, apenas por isso, e agradeço ao Pedro Correia a ajuda que me deu neste preguiçoso artigo.

Fernando Pereira
23/11/08

26 de novembro de 2008

Obituário quase avulso!


O artigo de hoje é quase uma pagina de obituário, quer pela ocorrência de mortes de gente, que foi marcando individualmente cada um de nós, ou acontecimentos que iniciaram milhões de mortes, o que exige de nós uma continuada militância no reforço da liberdade individual e colectiva.
Premonitória a frase de Miriam Makeba, “I will sing until the last day of my life”, pois foi na realidade o que aconteceu na noite de do pretérito 9 de Novembro em Nápoles, onde depois de cantar mais uma vez o “Pata-a-Pata”, num espectáculo de solidariedade para com Roberto Saviano, escritor italiano autor do livro “Gomorra”, e alvo de perseguição e ameaças por parte da Máfia napolitana.
Aos 76 anos, apaga-se o coração de uma mulher que vi actuar algumas vezes, e sempre em locais onde a solidariedade e a luta pela liberdade eram bandeiras. O desaparecimento da “Mamã África”, deixa-nos angustiados, porque esta mulher ao longo de décadas, constituiu na cena artística mundial um símbolo inesquecível da dor, do exílio forçado, do sofrimento e da luta contra o «apartheid» no seu país e do combate pela liberdade dos povos de África.
No dia 10 de Novembro, comemoraram-se setenta anos da Noite de Cristal (Reichskristallnacht), a noite em que por toda a Alemanha e Áustria dominada pelo nazismo, foram incendiadas sinagogas, lojas, onde foram presos milhares de judeus, para além de umas centenas de mortes, que depois se transformaram em milhões, no afã de eliminar todos os judeus de solo alemão ou por si ocupado, numa operação que se chamou de “Solução final”.
Lembrei-me disto neste 11 de Novembro de 2008, noventa anos depois do dia que marcou o fim da 1ª Guerra Mundial, porque na República Democrática do Congo o general Laurent Nkunda, e seus sequazes, vem novamente semear a devastação e a morte, com os argumentos torpes de que as milícias tutsis se estarão a defender de hutus que se movimentam na RDC, com a complacência das autoridades do Rwanda. Mais um episódio serôdio, na procura de autoridade e riqueza fácil, à frente de uma legião de maltrapilhos, com a utilização, já em “reprise”, de apelos a messianices e recurso a cultos esotéricos com rituais macabros.
Normalmente a comunidade internacional, olha para estes casos com a confrangedora calma quiçá com algum indisfarçável cinismo, e mantendo a eterna distancia, que a consciência só lhes dita quando algo mexe nos seus interesses próximos.
O que se passa no Kivu, não é diferente do que se passa no Curdistão, no Kosovo, ou na Geórgia, o que acontece é que os interesses sejam diferentes, e daí o assobiar para o lado.
Para finalizar um artigo, que vai longo, só me resta lamentar a morte do Almarjão, que era o cognome de José Maria da Ponte e Horta Gavazzo do Rego Barreto da Fonseca Magalhães da Costa e Silva.
Quem me lê, pergunta naturalmente quem era este tal Almarjão? Posso dizer que este senhor, quase nonagenário, era um dos melhores alfarrabistas de Lisboa em edições coloniais, de uma loja que é um verdadeiro tesouro, para todos os que se interessam por obras para que o futuro seja o passado estudado.
A livraria Histórica e Ultramarina ficou com o seu sócio Fritz Bekermeier, e as suas tertúlias, ali no Bairro Alto. Qualquer livro, documento, ilustração de Angola, esta casa sabe onde encontrar em qualquer parte do mundo, pelo que seria um acto de profunda injustiça não dar aqui uma nota sobre o falecimento deste ilustre homem da cultura, e publicitar aos académicos angolanos este espaço.
Uma vez na sua labiríntica loja, alguém perguntou o preço de um determinado conjunto de obras raras sobre Angola, e ele disse: "Isto é para Angola"!
- "Para um angolano ou um português?" -
- "Não, para a República Popular" - respondeu com um sorriso revelador da enorme bonomia.

Fernando Pereira
11/11/08

21 de novembro de 2008

HOLOCAUSTICAMENTE / ÁGORA / NOVO JORNAL / Luanda 21-11-09





Nas páginas deste jornal, aparece neste caderno, um pequeno espaço em que são referenciados semanalmente os livros mais vendidos na vetusta Lelo em Luanda.
No que toca a autores angolanos, penso não oferece qualquer dúvida quanto ao critério dos leitores, já nos autores estrangeiros, confesso que me confunde um pouco o facto do livro, que há várias semanas está no top de vendas, ser o “Holocausto em Angola” do Américo Cardoso Botelho.
Logo que saiu o livro editado pela Vega, li-o e sem duvidar da verosimilhança de algumas das descrições, feitas pelo autor, sobre factos ocorridos e por si presenciados, o máximo que consegui ficar foi com uma visão muito negativa da obra e talvez, com alguma benevolência, alguma pouca de comiseração pelo Américo Botelho, pelo que viveu e pela provecta idade.
Não conheço o autor, e do que fui ouvindo, resumiam-se a poucos detalhes do que se ia dizendo em Luanda nos tempos em que esteve intramuros de S. Paulo, onde a sua importância no exterior era em termos de tema de conversa praticamente nula, ao contrário de outros prisioneiros de então.
Reconheço, que para além da descrição das sevícias, do uso discricionário do poder, por guardas e agentes perante os presos e de algum “laxismo” por parte das estruturas do poder político da R.P. Angola, pouco mais se aproveita do livro, já que a análise é eivada de uma linguagem a raiar o proto fascista.
A ideia que vai prevalecendo desde a apresentação do livro, onde muitos dos lá citados foram convidados a aparecer, rejeitaram, é que o Américo Botelho terá aspirado a ser um Caryl Chessman (2455 Cela da Morte), Alexandre Soljenitzin (arquipélago Gulag) ou o Bill Hayes do “Expresso da Meia Noite.
Fiquei perplexo com a ligeireza de algumas das suas opiniões e o que transparece dos anos de prisão do Américo Botelho, é que tudo que esteve preso era inocente, e que a sociedade que os lá colocou era uma cambada de ladrões, torcionários contrabandistas e camanguistas, e por aí fora.
Poderá A. B. ter razões de queixa, por ter permanecido preso tanto tempo sem culpa formada, ou melhor dizendo sem culpa formalizada, e aí tem a minha solidariedade, mas tem que admitir que o seu percurso ao chegar a Angola em 9 de Novembro de 1975, suscita questões, dúvidas e demasiadas desconfianças, que mesmo de forma esforçada no livro, continua a manter áreas de enorme penumbra nas respostas, que continua a ter uma questão essencial: Que foi fazer para Angola Américo Cardoso Botelho?
Nascido no seio da média burguesia portuguesa há noventa anos, licenciado em engenharia civil na década de 40, Américo Botelho, foi militar nos Açores no departamento de cifra, depois presidente da Câmara Municipal da Azambuja, com muitas ligações a empresários e meios políticos estado-unidenses, depois administrador do Hospital do Restelo, hoje S. Francisco Xavier, que era propriedade do grupo CUF, e aos 55 anos vem para Angola, para dirigir a frota da Diamang, ligação que segundo ele provem do seu interesse pelo museu do Dundo.
Convenhamos que não era fácil em 9 de Novembro de 1975, embarcar num 747 da TAP com destino a Luanda, vazio, para “encarar com grande optimismo o nascimento de um Novo País”!!! O seu trabalho na Diamang, as suas frequentes viagens e outras coisas, que talvez não passassem de “mujimbos”, mas que ao tempo traziam problemas, a que não eram alheias as circunstancias do processo de independência da RP Angola, e alguns excessos ideológicos e de oportunismo, o que levou a muitas situações de flagrante e irreparável injustiça.
Américo Botelho não explica porque é que a Embaixada de Portugal não o apoiou, nem porque não foram utilizados outros canais, que às vezes de forma sub-reptícia, resolvem este tipo de questões.
Apesar de tudo isso, não devemos desculpar que o autor tenha colocado documentos forjados, dando-lhe credibilidade total, nomeadamente a célebre carta de 1976 divulgada pelo “Século” de Joanesburgo, da suposta autoria do almirante Rosa Coutinho ao Dr. Agostinho Neto, então presidente do MPLA, com um texto torpe de acerto de estratégias tendente a transformar Angola num pasto de chamas e assim levar à saída dos portugueses. Este caso já levou a que o articulista português, António Barreto tivesse que pedir desculpas publicas a Rosa Coutinho, e seus familiares, por ter utilizado o depoimento e o documento de Américo Cardos Botelho.
Talvez esteja a fazer involuntariamente publicidade ao livro, mas há tanto e tão bom para ler em português que é despiciendo perder-se tempo a comprar um livro destes.
Vocês dirão: Mas tu leste-o!!!!

Fernando Pereira
17/11/08

14 de novembro de 2008

Pateo das Cantigas/ Texto que fiz em 5-2004/ Fernando Pereira



De facto, houve uma imagem que na Angola colonial nunca mais me saiu da retina..
Creio que no Lobito, numa viagem presidencial do cabeça de tarro, na altura o Deus Tomás, (que felizmente para o Mark Twain nada tinha a ver com a figura do Pai Tomás, o da Cabana)...Mas dizia eu, o Tomás que ia no Príncipe Perfeito foi recebido no cais por um rancho folclórico com os pretos todos vestidos como se na praia da Nazaré estivessem, e curiosamente a dançarem o vira do Minho...Enfim uma imagem de facto no mínimo degradante quando o mais alto dignitário do País, que descolonizou mal tinha estas aberrações no tempo em que colonizava bem. O "cabeça de tarro" deve ter dito á chegada o que dizia das outras vezes, ´"esta é a primeira vez em que estou aqui desde a ultima em que cá tinha estado". O caricato dessa situação foi mesmo quando à noite lhe foi oferecido um sarau de ginástica num clube do Lobito, onde a plurriacilidade era evidente, mas com o pequeno senão de não deixarem entrar pretos nas suas instalações...Refiro-me ao" Lobito Sports Clube", que a par do Tamariz, imitavam o Flórida no Lubango, o Clube dos Caçadores e o Clube Naval em Luanda, o Recreativo no Uige, o Clube dos Caçadores em Benguela e tantos outros por Angola na restrição à entrada de pretos...Mas isso não era só em clubes pelo que isto sucedia e posso lembrar que a Paris, a Versalles e a Royal, em Luanda, só depois da liberdade começaram a tolerar a entrada de miscigenados e pretos.
De facto Portugal era do Minho a Timor um verdadeiro " Pateo das Cantigas", ou melhor muita gente acreditava que sim!!! Poupem-me, ou então o único que estava certo naquele filme era mesmo o Vasco Santana, enquanto andava atrás do candeeiro. Para os portugueses que viviam em Angola, ou luso-descendentes, na quase generalidade vivia-se em Angola um pouco a situação do "pateo das cantigas"...tudo se resumia ao arco...daí para fora era perfídia, era o demo, era o escuro dos muitos que queriam só destruir aquele lugar de paz, cantigas, harmonias e alguns amores trocados. A loja do Evaristo era bem a síntese do fubeiro do mato, onde se vendia desde óleo de linhaça a linhaça para óleo, discos do Teixeirinha, Gabriel Cardoso, Rui de Mascarenhas e outros, açúcar mascavado e sarro de pipa com água, que toda a gente se atrevia a chamar vinho...
Era essa a imagem do que nós vivíamos e não temos de nos envergonhar e assumir que vivíamos iludidos no meio de tanto odor e também algum torpor. Colocavam-se capelinhas a santos e santas devotas, faziam-se corridas de motas e automóveis de voltas, concursos de misses, escolhidas entre brancas mais ao menos ao jeito da costureira do quadro da "Canção de Lisboa", enfim muita graça no meio de tanta desgraça. Sei que quem me está a ler, está danado comigo, mas também sei que sabem que eu sei que tenho a razão toda do meu lado. Por tudo isto continua a subsistir uma pergunta??? Era fácil fazer a descolonização??' Talvez fosse porque 96% da população do ultimo senso colonial era analfabeta, população branca incluída.82% viviam abaixo do limiar da pobreza, para além de outras referencias que poderia aqui dar, mas só dourariam a pílula da colonização que envergonha os governantes de Portugal de antes de Abril de 1974, os generais da "brigada do reumático" e os farsantes que eram ilibados em tribunais de "ballett roses" e outras bem mais graves...
Neste páteo a partir de certa altura deixei de gostar de estar, mesmo com sapatos polidos por engraxadores descalços, andrajosos e famintos, curiosamente pretos numa sociedade que se dizia multirracial...E nisso não mentiam, sapato para o branco, e pé descalço para o preto..Estranha forma de multiracialidade, educação cristã e são convívio entre as populações...

Fernando Pereira

7 de novembro de 2008

LUUANDA, finalmente! /Ágora/ Novo Jornal / Luanda 7-11-08



Vou falar de várias coisas, que pouco terão umas a ver com as outras!
Saiu recentemente, editado pela D. Quixote, um livro interessante, de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá, “Carlucci vs. Kissinger – Os EUA e a Revolução portuguesa”, em que são reproduzidos memorandos das conversas, mantidas entre Mário Soares, Carlucci e Kissinger, sobre as vicissitudes que rodearam o reconhecimento, da então República Popular de Angola, por parte do governo português.
Obviamente, que muitos de nós sabíamos os esforços do ex-presidente português Mário Soares, na tentativa de bloquear o processo no período do antes e do pós 11 de Novembro de 1975, fazendo-o de uma forma tão pertinaz, que sempre foi motivo de inúmeras especulações, e trinta e três anos depois pouco interessam para a generalidade da opinião publica, mas que releva importância nos meios académicos.
Este livro, para além de ser uma investigação interessante, com uma linguagem muito escorreita, tem a vantagem de ter anexos onde constam documentos secretos, entretanto desclassificados, e acessível aos dos investigadores que são autores deste trabalho, onde se esclarecem algumas posições que permaneceram omissas.
Como Luandino Vieira foi galardoado, finalmente, com o Prémio Nacional de Cultura e Artes, uma distinção que convenhamos peca por ser demasiado tardia, eu aproveito para divulgar, com um ano de atraso, a saída da “Edição comemorativa dos 35 anos da publicação do Luuanda”, editado pelas edições 70, e apenas disponíveis 1000 exemplares assinados pelo autor e pelo escultor José Rodrigues. Esta edição é magnífica pela qualidade do grafismo, pelo excelente papel, e acima de tudo pelas ilustrações do José Rodrigues, um homem, de quem os angolanos, deviam ouvir um testemunho sobre o seu papel na luta da independência do País, se ele alguma vez assim o quiser, pois sei que por excesso de humildade não o faz com facilidade.
Obviamente que não vou falar do Luuanda, porque talvez já tenha tudo sido dito e escrito, e continua-se a exigir a cada angolano que o leia, e o obrigue a ler, mas acho que esta edição, deve ser adquirida como objecto de valorização, já que hoje há tanta coisa em moda, nesta sociedade de mercadoria, que ainda não se percebeu se é mesmo de mercado; A verdade é que esta é valiosa!
Num programa sobre o “Portugal dos anos 60”, tive o privilégio de ver o célebre debate que a RTP em 1965, fez sobre o Luuanda, e a atribuição do grande prémio de novelística da Sociedade Portuguesa de Autores, a este livro, já que o autor estava preso no Tarrafal, com a acusação de “delito de opinião e incitamento à subversão”. Nessa mesa redonda estava um Amândio César, que tem um conjunto de livros sobre literatura “ultramarina” publicada, de facto com poetas que viviam esporadicamente no “ultramar”, o Geraldo Bessa Victor, deputado de Angola pela União Nacional de Salazar, o etnólogo José Redinha e Mário António Fernandes de Oliveira. O moderador era o José Mensurado, que havendo pouco para moderar, conseguiu obrigar a calar um “intrépido” Mário António, que achava que o exagero também devia ser comedido, tal a forma como a obra e o autor eram vilipendiados. Mais cedo que tarde, voltarei a este tema, já que prevejo fazer neste espaço, uma retrospectiva da vida e obra de Mário António de Oliveira.
Ainda sobre o Luuanda é de lembrar que a PIDE encerrou a Sociedade Portuguesa de Autores, depois desta ter sido vandalizada por uns legionários, milícia do regime de Salazar. “O Jornal do Fundão” foi o único que divulgou a entrega do prémio e por isso foi encerrado seis meses, e o seu director Fernando Palouro detido.
O júri do prémio era constituído por João Gaspar Simões, que votou contra, Augusto Abelaira, Alexandre Pinheiro Torres, Fernanda Botelho e Manuel da Fonseca.
Por tudo isto, e nesta hora em que Luandino Vieira recebe o PNCA, só fica a solidariedade, o agradecimento, e dizer que vale sempre mais tarde que nunca!

Fernando Pereira
3/11/08

31 de outubro de 2008

Silogismo/ Opinião/ Novo Jornal 31-10-08





“Na minha biblioteca, que nem sequer é particularmente valiosa, há muitíssimo mais títulos do que em todas as livrarias angolanas juntas" – José Eduardo Agualusa


Quando li esta frase de Agualusa, confesso que não fiquei como ele, provavelmente, gostaria que toda a gente ficasse: furibunda!
Comecei logo a contar os livros da minha biblioteca, que tem piada, nem é assim tão valiosa quanto isso, e a meio da contagem percebi que eventualmente, teria mais títulos que a do Agualusa, o que me levou a concluir que metade da minha biblioteca tem mais títulos que todas as livrarias angolanas juntas!
Exultei, porque a minha biblioteca já provou que ultrapassou largamente a do Agualusa, e também a de todas as livrarias de Angola juntas, e continuei a contar, para ver que novo recorde poderia estabelecer, já que como referi estava ainda a meio da contagem.
Cansado, cheguei ao fim, e já comecei a pensar que talvez pudesse alcandorar-me a levar esta contenda ao continente, temendo alguns países nomeadamente o Senegal, Nigéria, Mali ou África do Sul, que editam muitos e bons autores!
O desafio fica aqui lançado, para que durante as próximas semanas, venha alguém desses países, ripostar com dados concretos sobre um maior numero de livros que a minha biblioteca, a sua metade, a do Agualusa, ou em situação de maior desvantagem, a de todas as livrarias angolanas juntas.
Excluo naturalmente bibliotecas, embora admita, que a do Agualusa, que não sendo valiosa, mas que tem mais livros que todas as livrarias de Angola, e quiçá menos que metade da minha biblioteca, que tal como a do Agualusa não é muito valiosa!
Creio que o Director Geral da Biblioteca de Alexandria já está a tentar montar uma estratégia, tendente a aumentar o seu acervo, de forma a não ser ultrapassado pelo numero de títulos da minha biblioteca, que tem o dobro dos títulos da do Agualusa, que segundo ele tem mais títulos que todas as livrarias angolanas juntas!
Nesta fase pede-se apenas às pessoas que não desatem a comprar livros a esmo para tentarem ter mais títulos, já que no caso de se constituir uma comissão de avaliação, o que conta é mesmo a biblioteca de José Eduardo Agualusa, que para quem não saiba tem mais títulos que todas as livrarias de Angola juntas e menos de metade que a minha própria biblioteca, o que me leva a concluir que a referência é mesmo a biblioteca do Agualusa.
Um pouco à margem disto, contaram-me certa vez uma história passada, em casa de um ilustre empresário madeirense que se afortunou na África do Sul, e que na sua casa tinha uma biblioteca razoável (não sei se ao nível da minha, se ao nível da do Agualusa, que tem metade dos títulos da minha, e mais que os de todas as livrarias de Angola), e que tinha uma das paredes forradas de lombadas em couro e madeira, com títulos de autores clássicos e que servia de porta de uma portentosa garrafeira. O curioso dessa garrafeira, é que tinha bebidas brancas de um lado, e do outro bebidas não-brancas, e em cima das correspondentes prateleiras havia duas placas, uma com os dizeres: Whites Only (Slegs Blanks) e noutra Non Whites Only ( Slegs Nie-Blanks), tiradas de um qualquer vestiário na África do Sul do tempo do apartheid. Este empresário é muito dado à cultura, o que justifica a frase: “A cultura é como a marmelada, quanto menos se tem mais se espalha”.
Não quero deixar de referir que a minha biblioteca tem provavelmente o dobro dos títulos da do Agualusa, que não sendo muito valiosa, tem mais que todas as livrarias de Angola juntas.
Disto só há a reter, que talvez eu não tenha tanto título, que muitos achem que quando não se fala deles é motivo para os pôr a falar, nem que seja mal, e já agora que a questão tem a ver com o Agualusa, faço uma pergunta inocentemente continuada: As vírgulas estão todas no sítio?

Fernando Pereira
31/10/08

Desculpem qualquer coisinha!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 31-10-08





Em 1 de Julho de 1970, o Papa Paulo VI recebe no Vaticano Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos, representantes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas.
Foi um momento marcante da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), nas já debilitadas relações com o regime colonial português, a que não eram alheias as posições de alguns clérigos, sobre a forma como se desenvolvia a repressão, a violência e a segregação racial nas colónias.
Longe iam os tempos do “Acordo Missionário” de 10 de Julho de 1940, em que o Estado português e o Vaticano celebram um acordo, que mais não é que o alijar responsabilidades por parte do Estado nas colónias, em troca da “vigilância” permanente dos dignitários da igreja e seus acólitos, sobre as populações autóctones e tentativas de rebelião.
A Itália de Mussolini, que com Pio XII assinou o Tratado de Latrão, que constituiu o Estado do Vaticano em 11 de Fevereiro de 1929, era a grande aliada da Alemanha, numa Europa varrida pela bestialidade nazi, nesses anos 40 de má memória.
Sobre isto, é interessante lembrar que numa cimeira entre Hitler e Mussolini, sobre o número de esquadrões disponíveis por parte das tropas do Eixo, o primeiro contava os países alinhados: Roménia, Croácia, Espanha, etc. O “Duce” disse que pelo seu lado podia contar com a Itália e o Vaticano. Hitler terá perguntado quantas divisões tinha esse Estado, e a resposta óbvia de Mussolini foi que não tinha divisão nenhuma. Hitler terá dito então, se não tem divisão nenhuma não serve para nada!!!
Convenhamos que esta história, ou a cena enorme da chegada de Benzine Napoloni a Berlim no “Grande Ditador”, essa obra imperdível de Chaplin, conseguem ser os poucos momentos de alguma piada, perante a vil degradação da vida humana e dum holocausto que existiu, e que alguns ineptos hoje colocam em dúvida.
O papel de Pio XII marcou a ICAR de forma perpetuamente negativa, pois nunca houve uma palavra de condenação por parte do Papa, aos crimes hediondos que o regime nazi praticou de forma sistemática de forma a erradicar judeus, ciganos, e outras raças da Europa. Tem sido discutida desde essa altura, se o papel do Papa foi o mais correcto, mantendo-se ainda hoje em aberto essa discussão, que pelos vistos está a condicionar a visita do Papa a Israel.
Tudo isto vem a propósito porque foi confirmada a visita de Bento XVI a Angola, em Março de 2009 para comemorar os 500 anos da “evangelização do território”.
Confesso que não sou grande entusiasta de religiões, embora tente respeitar quem é entusiasta e militante, mas ganho uma certa aversão quando as religiões determinam o quadro ético de um espaço civilizacional; Objectivamente, gosto mais da “separação das águas”.
Entre alguns dos meus filmes de eleição, a “Via Láctea”e a “Viridiana”, ambos de Bunuel consigo encontrar uma ironia e uma mordacidade sobre a prática das sociedades monogamicamente acoplados a uma religião.
Tenho um respeito enorme por grande parte da prelatura angolana, pois em circunstâncias difíceis, permaneceram quase isolados, na busca de soluções para que o viver conseguisse ser mais que uma fatalidade. Estas pessoas merecem o agradecimento dos angolanos e sinto-me em dívida para com eles.
A visita de João Paulo II, Papa com que antipatizei, nada trouxe na sua vinda a Angola, no fim do século passado.
Penso, e oxalá que me engane, que o seu sucessor nada de inovador vai trazer, tendo em conta os conceitos pisados e repisados que existem no Vaticano sobre a evolução da ciência, desde que Ratzinger foi nomeado por João Paulo II prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, um ministério ideológico entre a Inquisição e a Engenharia das Almas.
Importa referir que existe um livro interessantíssimo, do Instituto de Investigação Científica de Angola, editado em Luanda em 1973 de António Brásio, que se chama História e Missiologia, que é um excelente trabalho sobre quatrocentos anos da presença de católicos em Angola.
Para rematar, temos que admitir que o Vaticano tem a melhor diplomacia do mundo, e se vem a Angola, motivos sobrarão!!!

Fernando Pereira
28/10/08

Acácio Barradas (1936-2008)






Já sabia que Acácio Barradas estava doente, mas não esperava um desenlace tão célere, e a verdade é que o jornalismo lusófono ficou mais pobre.
Acácio Barradas morre aos 72 anos, mas deixa entre os seus contemporâneos uma imagem de grande seriedade, de um militante de causas solidárias, profundamente humanista e de um rigor profissional de enorme exigência.
Nascido em Gaia, Portugal em 1932, faz um percurso entre Portugal e Angola, nomeadamente no “Comércio de Angola”onde entra como repórter em 1954, tendo passado depois pelo “Jornal do Congo” no Uige, “Província de Angola”, revista “Noite e Dia”, “ABC- Diário de Angola”, tendo sido director da revista do ATCA e redactor-chefe da revista “Notícia”, acumulando como correspondente do jornal lisboeta “Diário Popular” em Luanda. Foi casado com Edite Soeiro, a primeira repórter de guerra portuguesa, também ela jornalista no “Notícia”, onde Acácio Barradas acabou depois por trabalhar em Lisboa em 1972/74.
Esteve sempre ligado a Angola, tendo colaborado em 1963 com as edições Imbondeiro do Lubango, em colaboração com Mário António de Oliveira, em textos assinados sob o pseudónimo Álvaro Reis, e em colaborações diversas com historiadores e escritores, sobre factos relevantes da história recente do País.
A sua última aparição publica, foi no documentário de Joaquim Furtado sobre a guerra colonial, que teve grande êxito na TV portuguesa este ano, sobre um tema que só agora começa a ter o seu espaço, em termos documentais e históricos.
Estive com o Acácio Barradas, há cerca de três anos na apresentação do livro do Carlos Ferreira, onde fez uma intervenção brilhante sobre os valores que sempre lhe foram queridos, a solidariedade, a defesa dos direitos e garantias dos trabalhadores e a elevação da dignificação da vida humana com Angola sempre como pano de fundo.
Um adeus angolano a Acácio Barradas!

Fernando Pereira

29/10/08

24 de outubro de 2008

Um Batalha de cem anos/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 24-10-08






Tem sido recorrente neste espaço, falar-se do património cultural edificado em Angola, ao longo dos séculos.
Do património aparecido, desaparecido, em processo de desaparecimento ou em fase de recuperação, há um nome que é transversal, que é o do arquitecto Fernando Batalha, com cem anos vividos.
Várias vezes, a sua obra tem sido aqui revelada e relevada, já que insisto na necessidade de se tentar manter, com um mínimo de dignidade, algumas edificações que são referencias de um passado da história de Angola.
Há pouco mais de quatro meses, surgiu nas livrarias o livro “Povoações Históricas de Angola”, de Fernando Batalha, editado pela Horizonte. Já em tempos se falou deste livro, a propósito da Igreja de Nossa Senhora da Muxima, ou Nossa Senhora do Coração, corruptela local de Nossa Senhora da Conceição, nome original do templo existente, edificado em 1599.
Este livro é um documento muito interessante, de uma viagem nas margens do Kwanza, e o regresso à história setecentista e oitocentista de um rio, marcante para as populações ribeirinhas e também no enquadramento económico do território.
Para além desse percurso entre a foz e as portas do Kwanza, onde hoje se localiza a barragem de Cambambe, há um trabalho fotográfico interessantíssimo sobre a primeira Igreja de Angola, construída pelos Jesuítas em 1548, e elevada à categoria de Sé pelo Papa em 1596, na localidade de Mbanza Kongo.
Não deixa de ser interessante nesta obra, o detalhe com que o arquitecto Batalha vai mostrando todas as iniciativas levadas a cabo na descoberta, requalificação, preservação e tentativas de protecção legislativa sobre todos os monumentos, ou conjuntos de património edificado, nestas “Povoações históricas de Angola”.
Mbanza Kongo, Massangano, Muxima, Cambambe, Nova Oeiras e a Vila do Dondo tem neste livro um tratamento muito peculiar, embora pontualmente, o léxico é algo desfasado, com as mutações históricas e políticas que Angola viveu nas últimas décadas, não retirando, nem desvalorizando o emérito trabalho de Fernando Batalha.
Acho que este livro é de tomo para quem se interessa pela arquitectura militar e também pelo contexto económico e social de períodos de Angola entre os meados dos séculos XVII a XIX. Acho que este livro e os três volumes da “História Geral das Guerras Angolanas” de António de Oliveira Cadornega, complementam-se e podem proporcionar, uma visão lúcida de um período pouco conhecido da história angolana, e daí permeável a muita estultice, que tem sido dita e escrita por gente, a quem se obrigou e obriga a outra honestidade intelectual.
Voltarei inevitavelmente a citar este livro, quando tiver oportunidade de me debruçar com mais detalhe na vila do Dondo e na Real Fundição de Nova Oeiras, dois lugares marcantes da “revolução” pombalina em Angola.
Dondo, a “Manaus de Angola”, por ter sido o grande entreposto do comércio da borracha, viu todo o seu esplendor de um século desaparecer, com a construção do Caminho-de-ferro de Ambaca. Manteve contudo uma traça muito característica, que pode-se dizer que será provavelmente, o ultimo exemplo edificado de uma arquitectura, e de uma estrutura de lógica urbanístico marcadamente colonial no País.
Voltando ao livro, exijam-se lê-lo.

Fernando Pereira 21/10/08

18 de outubro de 2008

Acácias que floriram em “Álamos”/ Novo Jornal / Ágora/ Luanda /17-10-08





No dia 9 de Outubro de 1978, falecia Jacques Brel, uma das muitas vozes, que acordou muita consciência, e as levou a trilhar o caminho do inconformismo.
Brel, tem temas que são intemporais, e que marcaram o canto de intervenção, numa fase primária, do tempo em que as palavras e as músicas começavam a desafiar os poderes e a ideologia instalada.
Foi um militante de causas em toda a sua vida, e apoiou muitos desconhecidos intérpretes, que na fuga à repressão nos seus países o procuravam para que os apoiasse nos seus projectos, e quiçá nalgumas utopias.
Entre os muitos que receberam esse apoio de Brel, conta-se o homem do Huambo, Luis Cília, que para a editora Chants du Monde, faz o seu trabalho Portugal-Angola: Chants de Lutte, disco esgotadíssimo, com uma capa coberta de fotos que ilustravam os desmandos do mando colonial em Angola.
Não era para vir a propósito, mas já que se falou em Brel ou Cília, lembrei-me de falar de Luis Filipe Colaço, o próprio colaborador deste jornal, que de uma forma diletante no aspecto de intervenção musical, e militante enquanto homem de causas, foi colaborador directo, de discos que assumiram um papel histórico nos desenvolvimentos políticos de Portugal na ultima trintena do pretérito XX.
Em 1969, num trabalho de grande fôlego de Adriano Correia de Oliveira, “ O Canto e As Armas”, o Phil Colaço para além de viola-solo, musicou “O canto da nossa tristeza”. Em 1970, fez com José Afonso, o “Traz outro amigo também”, onde colabora o Carlos Correia “ Boris”, que é natural do Chinguar e professor universitário em Coimbra. Já agora, convém lembrar que o Boris, é uma alcunha que ultrapassou o próprio nome, e surge tendo em conta as parecenças físicas deste com Boris Karloff, actor inglês que fazia de príncipe de Frankenstein, alcunha em que a paternidade é do seu conterrâneo Orlando Rodrigues, ilustre jurista, e contemporâneo de ambos em Coimbra.
Em 1971, Luis Filipe Colaço e Bóris, acompanham José Afonso no extraordinário “Cantigas do Maio”, onde está o célebre “Grândola Vila Morena”, musica que foi a senha para o inicio das movimentações militares que levaram ao derrube do fascismo em Portugal, e do colonialismo nos territórios por si dominados.
Há uma cena engraçada sobre a gravação desta canção, que é feita com recurso apenas à voz, e com a necessidade do acompanhamento ser apenas feito por uma marcha. Como não havia pés em numero suficiente para que o efeito fosse o desejado, o Bóris lembrou-se que tinha visto no quintal do estúdio em Paris, onde se faziam as gravações, uma quantidade de brita, e num improviso gravado às três da manhã, para evitar ruídos acessórios, todos os músicos a marcharem, e que deu o resultado desejado. Neste trabalho colaborou também José Mário Branco.
O Luis Filipe Colaço, era viola solo de um conjunto muito em voga no yé-yé português, “Os Álamos”, na esteira da globalização que os Beatles imprimiram nesses magníficos anos 60.Formado em 1963, “Os Álamos” eram requisitadíssimos por todo o lado, e o Gorduras, nome porque era conhecido o Colaço, era segundo se consta, muito requisitado por hordas de fãs que acompanhavam o conjunto.
Este conjunto, para onde entrou em 1969, o Boris, nasceu do “Conjunto de Jazz do Orfeon Académico de Coimbra”, que no dealbar dos anos 60 era o único espaço de algum interesse, na choradinha e lúgubre canção coimbrã, impropriamente chamada de fado de Coimbra.
Já que se fala do Orfeon Académico de Coimbra importa referir que Lúcio Lara, sua esposa Ruth e Carlos Mac Mahon Vitória Pereira, foram orfeonistas no início dos anos 50, tendo Lúcio e Ruth, depois cantado no Coro da Academia dos Amadores de Musica de Lisboa, dirigidos pelo maestro Lopes Graça.
Anos mais tarde, no fim dos anos 70, Lúcio e Ruth cantaram no Karl Marx, no Coro da Academia, regidos pelo maestro Lopes Graça, que pouco tempo depois falecia, provavelmente a repetir uma frase que ele adorava citar do José Gomes Ferreira: “Recuso-me a ter mais de vinte anos!”

Fernando Pereira

14 de outubro de 2008

Fotos tiradas por mim, com uma Kodak Extra 12

Já agora, as anteriores também, e quando mudar de máquina talvez avise.



Forte de S. Pedro da Barra/ Luanda 85

Luanda/1987



Já agora, as anteriores também, e quando mudar de máquina talvez avise.

11 de outubro de 2008

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