26 de agosto de 2017

DO ANTIGAMENTE NA VIDA! /Novo Jornal/ Luanda 25-08-2017




DO ANTIGAMENTE NA VIDA!


Não consigo calar a minha perplexidade, quando sou confrontado com a alteração do nome de Namibe para Moçâmedes.
                Segundo julgo saber, foi uma decisão ponderada, depois de ouvir a população (finalmente alguém ouve a população para alguma coisa!), autoridades tradicionais e locais, empreendedores e o tecido associativo da cidade.
                Não sei o porquê, mas esta mudança fez-me lembrar o “engano ledo e cego” que foi a mudança súbita de Novo Redondo para N’Gunza, em homenagem ao soberano da região, N’ Gunza Kabolo, que ao invés de ter sido um defensor dos interesses dos seus súbditos tinha sido um “colaboracionista” com as autoridades coloniais. Para remediar a situação surgiu então Sumbe, a atual designação, que é uma corruptela do quimbundo “Kussumba”, que significa “comprar”. Era um lugar de compra e vende de produtos e assim permanece como capital da província do Kwanza-Sul, quase junto à foz do rio Ngunza.
                Moçâmedes deve o seu nome a João de Almeida Vasconcelos Soveral e Carvalho, governador de Angola (1782-1790), décimo segundo senhor de Mossamedes, de que seria 1º barão. A terra de que era donatário fica na freguesia de S. Miguel do Mato, Vouzela, Beira Alta, Portugal, e enviou uma expedição militar ao sul do território chefiada por Luis Cândido Pinheiro Furtado em 1785 para debelar algumas rebeliões dos “mocubaes”,”modumbes” e os “bacuissas”no lugar de Bissongo Bittoto, conhecido por navegadores por Angra do Negro e em cartas inglesas por Little Fish Bay. A enseada recebeu o nome da Lapa em homenagem ao Conde da Lapa, Manuel, filho do Barão, nascido em Luanda em 1784.
                Mossamedes era uma baia de corsários e local de tráfico de escravos, sendo a primeira feitoria do ano de 1840 de Guimarães Júnior e Jácome Filipe Torres, que tinha o exclusivo do comércio da cera e dos escravos.
                O grande impulso é dado por 140 colonos portugueses que desembarcaram na baia em 4 de Agosto de 1849, depois de perseguidos no Brasil. Viveram agruras imensas só minoradas pelo desembarque de novo contingente de colonos a 26 de Novembro de 1850.
                Nas margens do rio Bero, que o tenente-coronel Pinheiro Furtado chamou “rio das mortes” por terem sido chacinados pelos locais, dois oficiais da companhia para ali enviada pelo Barão de Mossamedes. Os que ali tinham a sua atividade, são substituídos pelos colonos que instalam os primeiros engenhos de açúcar no Vale dos Cavaleiros e assim Mossamedes chega a 1974 como uma das únicas cidades em África com mais brancos que negros (A outra é Sá da Bandeira, Lubango até ver)
                Mossamedes foi elevada a vila a 7 de Maio de 1855, e recebeu a categoria de cidade em 1907, quando o Príncipe Luis Filipe visitou Angola.
                Já agora despercebe-se porque é que o antigo Porto Alexandre, hoje Tombwa, não se chama “Porto de Pinda” como ainda era chamado em documentos de 1846, colonizado por pescadores de Olhão que já vinham em busca de porto seguro desde o Gabão e S. Tomé. Mais abaixo aparece a inóspita Baia dos Tigres, que nunca teve esses felinos. O nome deve-se basear no curioso espetáculo que ali oferecem as areias quando o vento as move em desenhos caprichosos, o que, com efeitos de luz e sombra, visto à distancia, dá a ideia duma colossal pele de tigre estendida ao longo da grande baía.
                Em 1929, reflexo da crise global, o sul de Angola vivia a pior das suas crises. A produção de peixe seco excedia a procura e grande parte do pescado que apodrecia nos armazéns era deitado ao mar. Toneladas de peixe, resultado do trabalho das gentes perdiam-se e a miséria grassava na cidade.
                Neste período um alemão que geria a casa Weermonn, Brock &Cª solicitou licença para exportar para Hamburgo, peixe seco sem sal e com cabeça, que se destinava a fins industriais. Não havia legislação que impedisse e foi autorizada a exportação de farinha que passou a servir de alimentação dos animais. Foi sendo sucessivamente melhorada a qualidade, e a verdade é que foi esta circunstancia que salvou economicamente a cidade e dinamizou uma industria pioneira em África, que se revelou florescente e interessante no quadro global das exportações da então colónia de Angola.
                Não sei porque se escolheu Namibe, ou melhor talvez tivesse sido uma parte da deriva de um tempo em que se decidiu mexer em tudo o que era toponímia colonial, onde se fizeram asneiras colossais, substituindo-se nomes que mereceria um maior destaque pelo que representaram no desenvolvimento do País, no domínio económico, social e cultural.
                Surpreende-me que se volte a dar o nome de Moçâmedes, que é uma homenagem a um alto dignitário da administração colonial. Talvez haja razões ponderáveis que justifiquem esta decisão, mas não as conheço.
                Só espero que seja uma infeliz exceção e que não se comece com uma deriva de “toponimiar” de novo com nomes do antanho, num momento em que há uma vontade de recuperar coisas do passado recente do território, algumas perfeitamente dispensáveis.

Fernando Pereira
22/8/2017
                 

                  
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