Crepúsculo do Mundial!
Até ver, e estou a escrever este
artigo antes das meias-finais, este Mundial de 2018 na Rússia tem sido um
verdadeiro êxito a todos os níveis.
A
organização tem sido competente, e conseguiu transformar o Mundial numa clara
mostra de uma Rússia que se pretende modernizada e uma potencia no contexto das
economias mais desenvolvidas do mundo.
Senti
nos dias que estive na Rússia, que este Mundial era uma afirmação de vontade
por parte de todos de recolocar o País num enquadramento inovador num quadro de
respeitabilidade, e de certa forma fazer esquecer o envolvimento na Síria, as
relações tensas com a Ucrânia e a ocupação da Crimeia, para além de outras
“novelas” muitas vezes artificiais, empoladas inevitavelmente por interesses de
grupos económicos.
O
próprio campeonato tem sido marcado por ausência de violência, fora ou dentro
do campo (a título de exemplo há até agora quatro cartões vermelhos exibidos,
dois deles por acumulação de amarelos e outros dois para evitar ilegalmente
golo eminente do adversário). O jogo tem tido pouca espetacularidade, isso tem
a ver sobretudo com as táticas do futebol moderno, mas convenhamos que a
incerteza do resultado na maior parte dos jogos, a ausência de favoritos depois
de uma primeira fase em que vimos poucas equipas a sobressair, tem trazido a
este campeonato uma matriz completamente diferente do que temos assistido nos anteriores.
Não
consigo perceber se os russos se entusiasmam com o campeonato, mas de facto
assistimos em todo o lado a uma envolvência discreta por parte dos locais, que
não sendo particularmente exuberantes conseguem ser simpáticos e atenciosos
mesmo com as dificuldades inerentes á falta de articulação entre alfabetos, e
onde apenas uns poucos falam inglês.
Não
acho que seja coincidência, mas nos jogos em que jogou Portugal e o Brasil em
Moscovo o “speaker” de português nos altifalantes do estádio tinha um sotaque
angolano bem pronunciado, facto que não deixa de ser particularmente
interessante.
Voltando
ao futebol, receio que cada vez se vá assistindo mais à degradação do
espetáculo, pois tornou-se muito tático e poucos ousam arriscar. Privilegia-se a
defesa, na base de que o 0-0 está garantido, e o golo logo aparecerá. As estatísticas
confirmam até agora que a maioria dos golos são de bola parada, ou resultado de
lances do tipo; os que são de bola corrida normalmente resultam de
contra-ataque.
Perde-se o futebol espetáculo e
ganha o pragmatismo e o cinismo no jogo. Com toda a envolvência económica em
volta do futebol, a continuar assim as pessoas terão tendência a afastar-se e a
industria ressentir-se-á se, entretanto não se alterarem algumas regras que
condicionam o jogo. Começa a haver um cada vez maior numero de vozes a rejeitar
o “futebol-Valium”, e a pedir novas medidas para privilegiar o futebol de
ataque.
A Liga Inglesa é a que mais
dinheiro e espectadores movimenta em todo o mundo e consegue-o fruto da sua
organização é claro, mas sobretudo pela excelência do espetáculo que são os
seus jogos. Essa referencia tem que ser replicada para os campeonatos entre
seleções, pois são importantes para que a atratividade do futebol tenha uma
cada vez maior adesão, e que através do futebol se consigam incutir valores
importantes como o respeito pela diferença, o antirracismo e a anti xenofobia.
O futebol é uma indústria, mas
acima de tudo é um lugar de solidariedade e de afirmação de uma vontade
coletiva em torno de algo que noutras circunstancias eram de difícil
mobilização, como por exemplo a identidade de nação.
Nem sempre foi assim e o caso
mais grave, entre os muitos conhecidos, aconteceu numa guerra entre El Salvador
e Honduras, por causa do apuramento para a Copa do Mundo de 1970. Foi a “guerra
das 100 horas” e correu entre 14 e 18 de Julho de 1969. A guerra começou depois
de um corte de relações entre os dois países, que durante as eliminatórias em
jogos disputados houve de tudo quer em El Salvador, quer em Tegucigalpa.
Perseguições, atentados, violações e mortes acenderam o rastilho que só a
intervenção da OEA impediu que assumisse maiores proporções, apesar da morte de
2100 pessoas nos confrontos de uma guerra declarada.
O Mundial 2018 aproxima-se do
fim, mas se assim continuar tudo, independentemente do vencedor, a Rússia
merece os parabéns por uma organização de que muitos temiam o pior.
Fernando Pereira
10/7/2018