7 de outubro de 2011

DE MAO A PIAO / Ágora / Novo Jornal nº 194/ Luanda 7-10-2011






Quando cheguei aos cinquenta e cinco comecei a dar-me conta que não terei tantos cacimbos como os que já tive e dificilmente tornarei a ter tempos tão bons, por mais estabilidade que tenha na minha vida pessoal, profissional, e situação económico.
"Se há coisa de que tenho pena é o cinismo que traz a idade. Tenho saudades do tempo em que acreditava que tudo era possível, que podia mudar o mundo, que não havia limites para o meu engenho e perseverança. Ganha-se em maturidade o que se perde em sonho".
Mudando de assunto, porque não é absolutamente nada importante estar a fazer exercício catártico, acabei de me lembrar que faz este mês trinta e cinco anos que morreu Rex Stout, o criador do Nero Wolf, detective obeso, amante das orquídeas e da boa mesa e que na obra completa editada pela saudosa “Colecção Vampiro” , apenas saiu de casa uma vez num total de quarenta e seis livros. Sem acabar por ser o meu herói, esse é mesmo Philip Marlowe de Raymond Chandler, o Nero Wolf e o seu ajudante Archie Goodwin eram os que me ajudavam a descobrir prazeres, hoje corriqueiramente designados de gourmet, no meio de absurdos enredos policiais. Era um Sherlok Holmes com mais requinte e menos cabotino na acção.
Em Setembro comemorou-se o trigésimo quinto aniversário do falecimento de Mao Tsé-Tung, provavelmente a figura política mais controversa e “omitica” de todo o século XX.
Aqui há uns anos fiquei entusiasmado com a leitura dos “Cisnes Selvagens”, de Jung Chang, uma professora doutorada no Reino Unido em York em 1982, depois de um percurso que passou desde guarda vermelha, agricultora, metalúrgica e electricista, tendo estudado inglês o que lhe valeu tornar-se leitora assistente na Universidade de Sichuan.
Há cerca de quatro anos, num fôlego li um “tijolo” de oitocentas e cinquenta páginas do livro “Mao, a História Desconhecida” de Jung Chang em colaboração com o seu marido Jon Halliday, especialista na história da União Soviética. Este livro é uma pungente descrição do que foi a ascensão do Maoismo na China, em que autora viveu, conviveu, partilhou e apoiou muitas das situações que hoje parecem-se no mínimo do domínio de um quase estado de catatonia colectiva.
Nunca partilhei ideias maoistas, mesmo num tempo em que começaram a ser moda em universidades na Europa nos anos sessenta e setenta, um pouco para combater algum imobilismo em que tinha caído o movimento comunista internacional após as sucessivas subidas ao poder de Krutschev e Brejnev na União Soviética. O “aburguesamento” e a “burocracia” eram as acusações que o maoísmo fazia ao período post-Staline em relação aos partidos comunistas alinhados com o PCUS.
Este livro é uma história terrível de um mundo que urge ser expurgado de determinadas mentalidades que não permitam desmandos que a coberto de uma “revolução cultural” se desprezaram valores caros ao marxismo e à construção de uma mentalidade de homem solidário e participativo numa sociedade onde as diferenças de classes se esbatessem.
Mao foi um sátrapa, e é assim que a história tem que ser reescrita.
Para não ser tudo mau conto-vos a história de um quadro dirigente angolano numa visita à China num contexto de uma visita de “Amizade e Estado”. Iam num comboio visitar uma cidade onde havia um centro siderúrgico importante, e depois de algumas horas de viagem, o homem diz: “Estes tipos ainda falam mal de nós, há duas horas que só vejo capim”; Escusado será dizer que estava a falar de campos de trigo! Quando se começou a aproximar da cidade, que me deslembro o nome, e era de noite, virou-se para o resto da comitiva e disse: “Uma cidade como o Uije”.; A cidade tinha uma população de setecentos mil habitantes e era só um dos maiores centros de industria pesada do País. Nalguns detalhes somos inultrapassáveis.
Sem querer alimentar discussão estéril, começo a achar que o José Agualusa usa a questão da poesia do Agostinho Neto como marketing, pois faz coincidir esta polémica normalmente quando tem um novo livro para apresentar. Tem sido recorrente nos últimos tempos isso acontecer, mas acho que é completamente desnecessário esse recurso já que escreve magnificamente e tem um publico fiel que o aprecia, onde me incluo. Li “A educação sentimental dos pássaros”, um conjunto de onze contos, e apesar de não ter sido o melhor “Agualusa” é um livro interessante que destoa positivamente da vulgaridade. Desprecisa mesmo de procurar chamar a atenção com outras coisas. Basta escrever!

Fernando Pereira
4-9-2011
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