3 de abril de 2009

II Jogos da África Central, um modo de estar!/ Ágora / Novo Jornal /Angola /3-04-09




Ao recuarmos a 1981, a maior preocupação foi fazer lembrar acontecimentos que tiveram êxito, e protagonistas que merecem ser recordados, porque há prodigalidade a mais em muita coisa em Angola, mas pouca na memória colectiva.
A publicidade nos diferentes palcos dos IIºs Jogos da África Central, era fundamentalmente de empresas estatais, e lá tínhamos o “Café de Angola, Um gosto de liberdade”, “Os diamantes de Angola são mais brilhantes/ Estão agora ao serviço do povo e da reconstrução nacional”, a” TAAG/ Asas de Angola rumo ao progresso”, a Cimangola U.E.M. com o “Cimento Portland Artificial”, “ Sonangol / nosso petróleo onde é necessário”, e mais uns poucos, que invariavelmente apoiavam estes eventos.
Houve uma bebida oficial, “APPIA”, que trazia três sabores, qual deles o mais intragável, que mesmo com a mingua da Luanda de então, era quase ofensivo oferecer tal “drinkpack” a quem quer que fosse!
Foi entregue a sponsorização dos jogos a uma empresa denominada Panafrica Sports Promotian, que numa das primeiras reuniões com o seu representante, e julgo que único membro, pois nunca vi mais ninguém, o Ibrahim Sumaré, propôs mudar Luanda com outdoors, bandeiras, tarjas, enfim uma panóplia de soluções, que quase fazia lembrar a estátua do Kinaxixe, quando foi embrulhada com o plástico cor de rosa, antes de ser dinamitada nos anos 70.
Era um indivíduo culto, educadíssimo, mas a realidade é que foi sempre uma figura demasiado nebulosa, ligado ao Jeux d’ Afrique, revista mensal de desportos africanos, que foi aliás quem terá feito a pior cobertura dos evento. Acho que foi uma revista de vida efémera!
Porque que talvez tenha o direito de ser mauzinho, julgo que devo revelar, que num determinado grupo de línguas viperinas, o Sumaré era só um Kilandamoko mais elegante, pois prosápia não faltava nem a nem a outro, e ambos cultivavam a simpatia e insinuavam-se bem quando julgavam necessário aos seus projectos.
Histórias nestes jogos foram muitas, e na comissão desportiva éramos surpreendidos com situações bizarras, como por exemplo quando um dirigente de um país participante se lembrou de lavrar um protesto, porque o seu “homólogo”, de outro país, ia num Mercedes preto, e a ele tinha-lhe sido atribuído um Mercedes amarelo.
Situações por causa de “falta de providências tomadas pela organização”, no domínio da satisfação sexual dos agentes desportivos estrangeiros eram frequentes, porque Luanda ao tempo era uma cidade “rigorosamente vigiada”.
Na questão das provas, houve situações caricatas, como por exemplo termos de improvisar iluminação na Cidadela, para aguardar os retardatários da prova da maratona, em que estoicamente os últimos acabaram a prova, já que nos locais de apoio a líquidos e sólidos, já tinham saído os colaboradores, já que julgavam que tudo tinha passado e quem não passara teria desistido. Dois atletas entraram com uma hora de diferença em relação ao primeiro, e tiveram de se ligar de novo os focos improvisados para cronometrar a sua chegada
Os prédios contíguos à Cidadela, eram o local de alojamento de todas as delegações, e era um verdadeiro arraial, tendo por vezes a polícia de intervir para poder acalmar os atletas, principalmente os que já tinham acabado a competição.
Ocasionalmente, acontecia não comermos as refeições no refeitório instalado junto ao pavilhão da Cidadela, e íamos a alguns restaurantes da cidade, onde encontrávamos alguns dirigentes de delegações estrangeiras, com exigências que nos deixavam perplexos, pois alguns de nós tínhamos ido em missões preparatórias dos jogos aos seus países, e fomos recebidos com alguma indelicadeza, curiosamente por parte dos que víamos mais recalcitrantes!
No entanto estes II Jogos da África Central foram muito bons para todos, e a verdade é que hoje, quase trinta anos depois, os laços de amizade e solidariedade mantiveram-se, porque vivemos juntos um projecto que foi muito bonito, com gente muito boa, e que merece muitas páginas no desporto angolano, porque foram os cabouqueiros de tudo o que de bom sucedeu daí para a frente.
A título de nota de rodapé, gostava que a edição angolana da Bola, colocasse num contexto de memória, a entrevista dada por Rui Mingas ao saudoso Carlos Pinhão, na edição de 3 de Setembro de 1981, porque é um documento de inegável qualidade e importância, para quem procure compreender os caminhos do desporto angolano.
Fernando Pereira
21/03/09
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