11 de julho de 2008

A Epidemia da Fome/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda /11-07-08



A Etiópia foi sempre um lugar de caminhos entrecruzados, alguns deles a revelarem-se muito maus, e a engrossarem os exercícios de expiação, que de quando em vez, temos de ir fazendo quando somos confrontados com realidades objectivas.
Exultei quando Mengistu Haillé Mariam, em 1974, ascendeu ao poder, e acreditei que o sofrido povo etíope, podia ter direito a uma maior dignidade, assente num quotidiano diferente do que prevalecia no “Império” do Negus..
A Etiópia era um dos poucos países que apenas episodicamente foram colónia, concretamente com aquele devaneio de Mussolini, que revelou um Hailé Salassié com enorme diplomacia, mas sobretudo com um forte fervor patriótico e determinado a manter uma Etiópia independente e herdeira de uma das grandes civilizações africanas.
De 1930 a 1974, o “Rei dos Reis”,”Eleito de Deus”, “Soberano Todo Poderoso”, “Imperador da Etiópia”, Hailé Salassié governou-a, mantendo a fome onde lhe convinha, matando a fome quando lhe agradava e interessava.
Era o “Imperador” que dava os empregos aos vulgares cidadãos, o mesmo que nomeava e destituía ministros; O comandante militar determinava quem era a chefia das forças armadas, mas também o vulgar comandante da polícia de uma obscura esquadra do Ogaden; Designava quem era reitor da Universidade e os alunos que tinham direito a frequentá-la, enfim um Império feito de alguém que nunca se deu conta que as pessoas passavam fome, mas que alertava quando um dos leões do seu jardim podia ficar enjoado com o excesso de carne! Uma bizarria governativa que custou cara!
Equilibrista na política externa, instrumento dos EUA na sua luta contra a “comunista”Somália de Siade Barre, foi o anfitrião da constituição da OUA em 25 de Maio de 1963, disponibilizando Addis-Abeba para sua sede, era este mesmo homem que tinha de tomar banho numa banheira de sangue de bebés de uma determinada tribo que episodicamente se lhe opunha, para ser “purificado”.
Quando em 1974, o então capitão Mengistu toma o poder, deixa Haillé Salassié no seu palácio quase completamente sozinho, prisioneiríssimo das suas megalomanias e também das suas quimeras diabólicas, e os seus últimos tempos de vida são um definhamento total não só em termos físicos, mas o seu brando enlouquecer, aliás muito explorado em termos de imagem.
Mengistu surge como um verdadeiro libertador, mas a realidade vem mostrar num curto prazo, que a Etiópia, apesar de berço da OUA, se mantinha completamente distante, de um quadro de respeitabilidade que era exigível a um dos mais antigos países independentes de toda a África.
A guerra permanente com a Somália por causa do Ogaden, a perseguição aos Eritreus, como aliás já fazia Salassié, e a eliminação física em massa dos que contestavam o “todo poderoso” Mengistu Halé Mariam, levaram a Etiópia a primeira notícia em todo o mundo, pelas piores razões: a epidemia de “fome”.
Indiferente a tudo isso, no meio de enormes desfiles militares, de grande ofensiva em termos militares e propagandísticos, Mengistu ignorava a maior catástrofe dos anos 80, quiçá mesmo uma das piores da história contemporânea. Os seus detractores levavam com uma bala na cabeça, e a sua família era obrigada a pagar a bala, porque “ a revolução não podia perder dinheiro de balas com contra-revolucionários”, servindo o recibo de certidão de óbito.
Quando se soube do reiterar da sua condenação à morte, bem como de alguns dos seus colaboradores mais próximos, resta a consolação dos familiares de mortos, que foi feita justiça, e que em lado algum estes crimes deixaram de ser impunes.
Cabe aqui uma referencia em termos bibliográficos a Ryzard Kapucinski, que no seu livro “O Imperador” coloca as palavras de muitos que viveram e serviram Salassié e também os que se entusiasmaram com Mengistu, pelo menos por terem a sorte de ter sobrevivido para contar o que hoje sabemos!

Fernando Pereira
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