29 de dezembro de 2011

THE NEXT / Novo Jornal 206/ Luanda 30/1/2011







No fim deste 2011, ano de muitas mudanças, algumas imperceptíveis no contexto geopolítico regional e mundial o que se nos oferece pensar é que anda demasiada indefinição no quadro da economia e um lodaçal autêntico no plano da ideologia.
Vinte anos depois de Gorbatchev ter feito o discurso de renúncia da presidência da URSS, o seu consequente colapso, onde simultaneamente todas as repúblicas ascenderam ou retomaram a sua independência, olhamos para o mundo de uma forma mais apreensiva, mau grado os dias de esperança que marcaram o fim da burocracia soviética, verdadeira causa do estertor final da grande revolução socialista na história mundial.
Como não sou economista e também tenho pouca queda para a tarologia admito com alguma dose de leviandade que acho ambiciosa a meta apontada para o crescimento económico de Angola no próximo ano, num cenário de aparente retracção da economia mundial e onde o nosso único produto de exportação estará exposto às contingências das alterações que se perspectivam.
Logo se vê o que acontece, porque mesmo para fracassar é preciso talento, e nisso ainda estamos longe do aceitável, mesmo no nosso modesto padrão de desenvolvimento.
Como sempre defendi que o pessimista é um optimista com experiencia, talvez eu não esteja a ver o quadro correctamente e vou-me limitar a esperar ver na imprensa notícias que há muito me desabituei e nalguns casos não me lembro de haver nada publicado.
Nunca consegui perceber como é que em Luanda se constroem novos bairros, se estruturam novas urbanizações e não se consegue ver um sistema aceitável de esgotos e estações de tratamentos de águas residuais. Acho que é quase o mesmo que mudar a fralda a um bebé sem lhe limpar o rabo.
Continuo a desperceber porque é que os colectores de águas pluviais, as suas bocas de drenagem estão sistematicamente obstruídos para além de estarem obsoletas e desadequadas do anárquico crescimento da urbe.
Recordo-me das grandes chuvadas em 1963, e lembro-me de ver o estado geral da cidade, com os alicerces do Colégio de S. José de Cluny completamente à mostra e em risco de derrocada para a rua do SANA. A cidade era um pandemónio, com a baixa inundada de lama, as ruas com crateras onde os velhos autocarros azuis estavam “afocinhados”. A Samba na altura ainda com pouca construção clandestina viu as areias dos seus morros depositarem-se na velha estrada da Corimba e a Praia do Bispo, com as casas da marginal cheias de lodo. Só víamos lodo, água e muita destruição um pouco por toda a cidade ao tempo com um perímetro urbano pequenino em relação ao de hoje.
Iniciaram-se de imediato toda uma série de trabalhos, nomeadamente muros de suporte, canais de escoamento de água (o Rio Seco) e melhoria do colector central da parte baixa da cidade para conseguir suster as chuvas que em Março caiam pouco mas bem!
O que vamos assistindo é que basta um borrifo e o caos na cidade generaliza-se, e não se consegue vislumbrar um projecto coerente que consiga acabar com uma das causas da vivibilidade de Luanda ser tão má. Era capaz de ser uma aposta interessante para uma cidade capital que quer ter sapatos de verniz mas tem que os ter a chafurdar no lodaçal!
Gostava de ver as grandes cidades de Angola criar nos seus arrabaldes uma estação de resíduos sólidos urbanos, vulgo lixo, já que amontoado e queimado de forma desordenada é dramático para a salubridade, e nem vale a pena repetirmo-nos sobre as consequências da inexistência de um sistema coerente para melhorar o quotidiano de vida dos cidadãos.
Era capaz de querer mais coisas em 2012, como por exemplo aproveitar a nova onda de envidraçar edifícios, espelhá-los, e sendo assustadores no aspecto e inadequados ao clima de Luanda, mas pudessem aproveitá-los para instalar um sistema em que esses vidros pudessem converter em energia a ser usado no prédio dispensando a electricidade dos geradores, mais uma chaga no ambiente urbano onde o luandense vive.
Sou capaz de querer ver mais coisas em 2012, mas vou ficando atento para ver se as coisas acontecem.
Um bom ano de 2012 e nunca esqueçam que Ernest Hemingway dizia: “O mundo anda três whiskies atrasado!”.
Fernando Pereira
26/12/2011

23 de dezembro de 2011

Bom dia da Família / Ágora / Novo Jornal 205 / Luanda 23/12/2011





Cem mil mortos depois as ultimas tropas americanas abandonam o Iraque.
Deixam um simulacro de País onde as instituições não funcionam, as tensões sociais, religiosas e políticas se mantém num quadro de perigosidade permanente para o quotidiano dos cidadãos iraquianos, que eram governados por um tirano acolitado por um bando de tiranetes, mas que apesar de tudo conseguia ser mais tolerante que a maioria das oligarquias dependentes das receitas do petróleo que enxameiam a região, mas “bons” já que indispensáveis para a “economia de mercado”.
As “primaveras árabes” da Tunísia, Egipto, Líbia e as que se avizinham, Síria e Irão, vão “legitimar” um novo conceito de democracia, e eis-nos perante um difuso quadro de relações internacionais em que o despudor passa a ser quotidiano.
O mundo não se consegue livrar da sórdida aliança entre os mercados e “West Point” onde se começa a perceber que cada vez se constrói relações cada vez mais obscuras e imperfeitas.
A TV mostra em directo a “inevitabilidade” das acções para que a” liberdade” prevaleça no mundo. Como dizia o insigne e mal amado poeta português Jorge de Sena (1919-1978) – “De cada vez que há um governo”: “De cada vez que um governo necessita de segredos, /por segurança do Estado, ou para melhor êxito das negociações internacionais, / é o mesmo que negar, como negaram sempre desde que o mundo é mundo, /a liberdade. /
Sempre que um povo aceita que o seu governo, /ainda que eleito com quantas tricas já se sabe, /invoque a lei e a ordem para calar alguém, /como fizeram sempre desde que o mundo é mundo, nega-se/a liberdade. /
Porque, se há algum segredo na vida pública, /que todos não podem saber, é porque alguém, /sem saber, é o preço do negócio feito./E, se há uma ordem e uma lei que não inclua/mesmo que seja o último dos asnos e dos pulhas /e o seu direito a ser como nasceu ou fizeram, / a liberdade.”.
Esta semana fez cinquenta anos em que o som do “Angola é Nossa”, onde cronicava de Luanda, Ferreira da Costa para a Emissora Nacional de Portugal, foi substituído pelo enfático: “os sinos da Velha Goa e as bombardas de Diu serão sempre portugueses”, uma resposta retórica à invasão dos territórios incrustados na União Indiana de Goa Damão e Diu. A um exército de opereta mal equipado e sem estímulo para o que quer que fosse, Salazar, que apenas saiu de Portugal duas vezes (uma a Paris enquanto estudante, e duas a cidades fronteiriças com Espanha para falar com o ditador Franco), que nunca fez serviço militar, exigia que em nome das “pedras das fortalezas de Damão e Diu e das Igrejas de Goa” que os soldados resistissem até ao limite saindo “vitoriosos ou mortos”. Nem uma coisa nem outra porque prevaleceram o bom senso do governador da então província que num gesto de grande dignidade aceitou uma rendição honrosa, que lhe valeu o opróbrio aos olhos do regime. O que não deixa de assumir contornos de alguma bizarrice é que Luanda, tão ciosa nas suas mudanças de toponímia e alterações administrativas, ainda prevalece uma Rua da Índia, e em baixo uma referência ao Estado Português da Índia, próximo do Largo do Cruzeiro, paredes meias com o cemitério do Alto das Cruzes!
Morreu o filho do outro, que vai deixar o filho como sucessor. Isto vem a propósito da morte do Kim Jong-Il, filho e herdeiro da ideia Juche do grande líder Kim-Il-Sung. As relações visíveis com Angola estão no quotidiano urbano da cidade de Luanda onde as estátuas horríveis acabam por menorizar a imagem das figuras referentes da nossa história recente.
Há trinta anos a embaixada da RDP da Coreia resolveu promover um concurso literário alusivo ao trabalho do “Grande líder Kim-Il-Sung” na liderança do País. Em Angola ganhou o concurso o falecido Ricardo Manuel com um livro de poemas que julgo que se chamava “Coreia, meu amor”. O Ricardo ganhou o prémio e lá foi até à Coreia onde andou e recebeu todos os encómios pela obra publicada, “um enorme êxito em Angola” e outros elogios do tipo. O Ricardo Manuel era gerente da Lelo e em Luanda durante uns meses a montra central foi ornada com todo um conjunto de livros do “Grande Líder”, fotos das homenagens ao poeta e entre dois naperons de renda uma enorme fotografia do pai deste que morreu e portanto avô do que aí vem, numa perfeita estultice de um socialismo que talvez nunca o tenha sido.
Como não sou muito de Natais, e gosto mesmo é do Dia da Família, quero mesmo é que o passem bem!
Fernando Pereira
19/12/2012

15 de dezembro de 2011

AMNÉSIA REVIGORADA / Ágora / Novo Jornal nº204/ Luanda 16-12-2012





Adriano Moreira foi agraciado com o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Mindelo, em Cabo Verde.
Germano de Almeida insigne escritor cabo-verdiano é o seu padrinho, o que de facto me deixa perplexo pelo muito respeito que tenho pelo poeta e pelo nenhum que tenho pelo homenageado.
Adriano Moreira é um verdadeiro sibilino na política, onde paira há mais de cinquenta anos, mesmo que mudem regimes, primeiros-ministros, presidentes da república em Portugal e alterações sociológicas e políticas no mundo.
Recentemente a jornalista angolana, Diana Andringa fez um documentário interessantíssimo sobre a Colónia Penal de Cabo Verde, “Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta”, onde conseguiu reunir dois sobreviventes portugueses e umas dezenas de cabo-verdianos, guineenses, angolanos que por lá passaram, e onde morreram 32 portugueses, 2 angolanos e 2 guineenses.
“Ainda vivemos à conta de uma memória salazarenta que nos puseram na cabeça e não corresponde à verdade", disse Diana Andringa, razão por que considera sua obrigação "desmontar" o que foi a "propaganda do fascismo e mostrar o lado que não interessava mostrar" antes da revolução de 1974."É que muita juventude continua a desconhecer que tivemos 48 anos de fascismo, muita gente morta e ainda hoje temos muita gente marcada pela tortura", argumenta."E um país não cresce sem a memória do passado", sublinha a jornalista, que conhece bem a realidade do campo do Tarrafal e da prisão antes do 25 de Abril de 1974 uma vez que ela própria esteve detida em Caxias ao abrigo de um processo ligado a movimentos pró independentistas.
Recorde-se que o Campo de Concentração do Tarrafal foi criado em Abril de 1936, e inaugurado em Setembro do mesmo ano, essencialmente com presos da revolta da Marinha Grande e da revolta dos Marinheiros. Foi encerrado em 1954.
Adriano Moreira reabre-o em 1961 com o nome de “Colónia Penal de Chão Bom”, para onde enviou os condenados de “delito de opinião” das colónias, donde foram libertados em Maio de 1974. Muito indignado ficou quando alguém o confrontou com essa abertura, tendo dito que não reabriu nada, criou uma estrutura nova. Essa estrutura era a mesma que «Quem vem para o Tarrafal vem para morrer» como diziam os directores do Campo, Manuel dos Reis e João da Silva ou «Eu não estou aqui para curar doentes, mas para passar certidões de óbito», dizia o médico do Campo, Esmeraldo Pais Prata.
Ministro do Ultramar que Salazar nomeia na esteira dos acontecimentos de 15 de Março de 1961 em Angola, Adriano Moreira supôs que seria o delfim do regime, e ei-lo a tentar pelos meios mais sórdidos abafar todos os seus potenciais adversários. Marcelo Caetano e Venancio Deslandes foram dos seus alvos com o beneplácito do sardónico primeiro-ministro português. Foi o homem adequado para que Salazar se visse livre de certa gente, e quando tudo serenou, o seminarista de Santa Comba despachou-o mais ou menos ao estilo que já tinha feito com outros.
Adriano Moreira era um jovem professor do ISCPU, cultor e divulgador do luso-tropicalismo do brasileiro Gilberto Freyre, portador da ideologia que enfatizava as qualidades do português enquanto homem de grande humanismo e enorme espírito de promoção civilizacional dos negros africanos.
Chegou a Angola cheio de reformas que no essencial era mudar tudo para que tudo ficasse na mesma. Claro que tudo ruiu como um castelo de cartas, porque a partida já tinha passado para a sua fase de confronto decisiva.
Voltando ao Honoris Causa condenado por todas as associações de ex-presos políticos da lusofonia, nomeadamente a cabo-verdiana pela voz do seu presidente Pedro Martins que considera isto um “insulto” e que a «a distinção é contra tudo o que lutámos para pôr fim ao regime colonial fascista».“Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos.” A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974, no documentário de Andringa.
Adriano Moreira tentou sempre ser equidistante de tudo, mas a realidade é que foi estando em tudo que ao colonialismo diz respeito (Sei que há muitos na terra que não gostam do termo, apesar de noutras alturas berrarem bem alto contra ele, e alguns arvorarem-se em combatentes de primeira água).
Como já fui vendo tanta coisa, espero que Angola não faça o que já fez com outros de igual jaez, e premiarem-no “por razões de ordem científica” como estão a fazer no Mindelo.
A memória tem que estar presente para que a dignidade de angolanos não seja violentada por uns basbaques, que ainda não conseguiram acertar a sua consciência com a história.
Já agora perto da fábrica da Cuca havia um bairro com o nome dele, e felizmente que a toponímia em certos casos foi mesmo bem mudada na nossa cidade!
DesaTARRAFALem-se deste tipo de gente!

Fernando Pereira
13/12/2011

12 de dezembro de 2011

MPLA MOVIMENTO/ MPLA-PT/ MPLA PARTIDO / Ágora / Novo Jornal 203 / Luanda 8-12-2011







“Os capitalistas têm dinheiro e compram tudo: justiça, polícia, padres, governo, tudo. A gente só tem um capital: os companheiros.
Jorge Amado, in “S. Jorge dos Ilhéus”
À evolução sempre necessária, e neste momento histórico exigido pela transformação social e pela maturidade da grei, para um mais amplo sistema de direito publico, substitui-se tragicamente e de uma forma apressada o sistema, levando à quebra de tradições e à divisão dos homens em vencedores e vencidas.
A ausência de cultura, aliada à falta de consciência política global, gera a bastardia irremediável do voto, e a organização dos partidos não como expressões tendenciais dos grandes rumos de opinião publica, mas sim como simples associações utentes do poder, assentes na importância social da licenciatura e gerando uma nova forma de privilégio parasitário.
Os sistemas políticos nunca são perfeitos e a democracia só o será quando um grau de preparação económica, social e cultural do povo for determinante de uma consciência do direito político individual, e que no momento de acção resulte em vontade colectiva.
Cada novo messianismo na acção política, cada nova ideologia redentora, enche o povo de promessas e mesmo de realizações. Por um momento efémero domina a prole e arrasta os homens na sedução do novo ideal colectivo. A pouco e pouco porém, a vida reflexiva e consciente retoma os seus direitos, a inteligência renova as suas perguntas, e os problemas renascem para a diversidade discutível das várias soluções.
E como o homem angolano nesta fase só concebe a política em termos de ideal absoluto e redentor, e existe na forçosa circunstância de vencido ou de vencedor, a acção pública situa-se em coordenadas de “guerra”, de sentido de revolta ou de defesa a todo o custo.
Ser adversário político é sinónimo de inimigo pessoal. O partidário do poder, olha para os adversários como uma raça diferente, uma espécie de monstros capazes de todos os “crimes”. O adversário do poder, pelo seu lado, olha para os outros como uma tribo estranha, que se apoderou do mando ou de desmando nalguns casos.
O sentimento comum da existência colectiva o conceito de solidariedade, o ideal de uma vida comunitária e irmanada numa obra comum a construir em cada hora, são tropos literários, cuja verdade profunda jaz moribunda.
Até quando poderemos resistir à trágica divisão das pessoas, à triste dialéctica, à partilha do destino humano, na injusta base do vencido e do vencedor?
Este texto é alusivo ao 10 de Dezembro de 2011, num muito MPLA –PT que gosto, mas que tem demasiado MPLA que me desgosta!
À margem disto tudo, só aqui fica o meu derradeiro abraço ao meu amigo e camarada Helder Moura (Dédé) com quem partilhei muita coisa boa em quase quarenta anos . Homem de grande carácter, cultor de amigos, pessoa que se habituou a reagir às adversidades que a doença lhe ia trazendo, com enorme força de vontade e com a calma só possível nas pessoas que sempre estão bem consigo. Vais-nos fazer falta, mesmo que às vezes estivéssemos tempos sem nos encontrarmos, mas quando isso acontecia era sempre um excelente reencontro. À Ana e aos seus filhos os meus sentimentos e orgulhem-se no marido e pai que tão cedo nos deixou a todos.
Fernando Pereira
6/12/2011

8 de dezembro de 2011

Os três efes da má memória! / O Interior / 8-12-2012


Começo pelo fim, pode ser que a crónica seja mais curta: A quem me lê, aos que dizem que lêem e aos que nunca me lerão, só quero mesmo que todos se aNATALem uns aos outros.
Desvou andar por aqui a dizer das razões porque inaprecio a época, mas são suficientemente convincentes para desejar que passe “rapidamente e em força”, recuperando um velho slogan do “Botas” de má catadura.
Confesso que não sou um apreciador de fado, embora haja um conjunto de fadistas que gosto de ouvir numa ou noutra interpretação. Também partilho a ideia que a Amália é indiscutivelmente a melhor de todas, e ouvi-la em determinadas canções, com poemas de gente notável é quase uma das raras “liturgias” que faço sem reservas.
Isto vem a propósito do fado ter sido muito justamente elevado a património imaterial da humanidade pela UNESCO. Tenho a convicção que foi um bom esforço, revelou trabalho e sensatez por parte dos que muito se envolveram, e passada a euforiazinha continuamos na mossa modorra quotidiana em que “tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado”, e rapidamente nos vamos esquecer, como aliás acontece com todas as distinções que nos fazem um pouco menos infelizes.
Voltamos aos famigerados três Fs (efes) que foram os pilares onde assentou toda a ideologia corporativista em Portugal, depois de se ter estafado até à medula, os Afonsos, os Henriques, Gamas, Cabrais, Albuquerques e um conjunto de gente que de vela içada e brandindo a espada decepavam os infiéis desde a Europa aos confins do oriente.
Fátima continua com o monopólio das peregrinações na Europa do Sul, e com Lourdes tão longe e Santiago de Compostela para outra categoria de peregrinos, não temerá certamente concorrência nos tempos mais próximos, apesar de no quadro da economia da ICAR, “as velas derretem e a massa fica”, que talvez posa indiciar alterações.
O Fado ao alcandorar-se a este patamar vai com toda a certeza melhorar a sua qualidade, proporcionar o aparecimento de um maior número de intérpretes, músicos e compositores. Que não volte o “ O faduncho choradinho/de tabernas e salões semeia só desalento /misticismo e ilusões /canto mole em letra dura /nunca fez revoluções” (GAC- Vozes na Luta ) .
O Futebol pelos dinheiros que envolve, o protagonismo de muitos agentes que em circunstâncias normais ninguém descobria o mínimo de talento ou quiçá alento, os espaços importantes em toda a imprensa e o “arreganho” dos adeptos e sócios permite ao sistema político apaparicar este F (efe) de uma forma enfática.
Só há um detalhe neste F(efe) que ainda não está ao nível do período que antecedeu o 25 de Abril de 1974, e tem a ver com o fim da “combinação” do antanho, o famoso BSB (Benfica, Sporting e Belenenses), superada pela supremacia incontestada da brilhante organização do Futebol Clube do Porto no quadro desportivo nacional e internacional. Demonstra acima de tudo que mesmo com o espoliar por parte de Lisboa do que foi a economia florescente do norte do País, para entregar à especulação financeira e imobiliária de arrivistas de má índole da capital, o Futebol Clube do Porto faz com que de facto o terceiro F não tresande a um regime quase maurrasiano.
Aproveitem e tentem ver o Natal através de um tablet!
Talvez até para o ano!

Fernando Pereira
5/12/2011

1 de dezembro de 2011

(RE)PERCUTIDO! / Ágora / Novo Jornal nº202 / Luanda 2-12-2011





Confesso que por vezes vejo-me completamente “à rasca” para escrever esta coluna.
Não tanto porque me faltem temas, mas porque a vontade de escrever sobre eles acaba por ser pouco estimulante, arriscando-me a dar-lhe alguma visibilidade acaba por fazer subir protagonistas e casos de um medíocre menos menos, para um medíocre menos mais, como era vulgar pontuarem-me no que para mim era a “indisciplina” ciências naturais, ou físico-químicas no vetusto Salvador Correia.
Gostei de ver o excelente trabalho de recuperação dos azulejos na fortaleza de S. Miguel, o que vai mostrando que há sensibilidade para ir recuperando parte do nosso tangível património histórico. Continuo a olhar com enorme satisfação a reconstrução e adaptação da antiga fábrica de sabão (Congeral) no sopé da fortaleza, que sem dúvida vai enobrecer a cidade e devolver aos cidadãos uma parte de um dos últimos edifícios representativos da paupérrima arqueologia industrial de Luanda.
Cada vez que ali passo vem-me à lembradura o cheiro do fabrico do sabão, que pairava em todos os quarteirões à volta e que se misturava com as conversas em tom de malte altíssimo na esplanada do Baleizão, onde eu enterrava as minhas sandálias num mar de casacas de tremoços e devorava um gelado, onde pela única vez na minha vida vi um sabor de cor azul, que sabia tão bem como os outros. A fábrica de sabão passou para perto da refinaria e aquilo passou para armazém de frigoríficos, oficina do Pólo Norte do Ferrobilha Guedes, entrando em acelerado estado de degradação, até ter aparecido esta excelente ideia, materializado no que vamos vendo aparecer e crescer.
Havia no Museu Central das Forças Armadas um cartaz em que mostrava uma arma capturada ao exército colonial que dizia:” ...foi capturada na 1ª Região Politico ou Militar”. Eu sugeri que aquilo fosse alterado, mas dois anos depois numa nova visita ao museu lá estava igualzinho, como as estátuas que ornamentavam o pátio interior.
Mudando de agulha em linguagem de ferroviário, a continuada atribuição de prémios por tudo e por nada fez-me lembrar uma experiencia pessoal, que já há muito estava para aqui contar, esperando apenas o momento em que houvesse um hiato na atribuição dos prémios, de forma evitarem-se conotações despropositadas, já que nem sempre acontece o que vem a seguir.
Tenho uma pequena unidade hoteleira já há bastantes anos, e quando se aprestava para realizar a FITUR (Feira de Turismo de Madrid) recebia uma carta, cheia de dourados e letra em estilo gótico, papel couché, parabenizando-me por ter sido premiado com um troféu de “Qualidade, inovação e desenvolvimento turístico ”. Naturalmente honrado com tamanha distinção, não conseguindo esconder a perplexidade, continuei a ler a carta e dizia que eu teria que estar num dia aprazado num hotel em Madrid, perto da Praça de Espanha, para um jantar com a presença de uma série de “individualidades” e receber o prémio, uma estatueta com uma ave de rapina a encimá-la, parecia-me uma águia. Até aqui estava no limbo (entretanto fechado pela ICAR) mas tudo se desvaneceu quando me pediam cerca de oitocentos dólares. Acabou-se o meu sonho de ser premiado, e a carta foi direitinha para o lixo. Nos dois anos seguintes recebi a mesma “honorável” distinção, e como começava a ficar farto de ser “tão premiado” resolvi telefonar e fazer-me de idiota quase perfeito, dizendo a uma menina que me atendeu que lhes dava o prémio, o tal da águia, o certificado, o convite para o jantar e eles davam-me os oitocentos dólares. A menina esfalfou-se para me explicar o que eu já sabia, que quem tinha que pagar era eu, e resolveu passar a chamada a um superior que devia estar ao lado dela que quase acreditou que eu não estava a perceber nada do assunto. Com esta iniciativa de alguma estultice à mistura vi-me livre desta “off-shore” de prémios que nunca mais me distinguiu.
Vamos agora ao mais divertido! Passados uns tempos pego num jornal e vejo três insignes dirigentes de um organismo a responderem aos jornalistas sobre a festa de atribuição de um prémio “Qualidade, Inovação e desenvolvimento turístico”, sendo entregue em Madrid no mesmo hotel, a eterna águia a encimar o troféu, o diploma e uma maralha de gente numa foto colectiva. Fui ao baú ver se ainda tinha uma das muitas cartas que recebi sobre o evento, e oh surpresa das surpresas, aquele organismo iscou o prémio. Na altura calei-me porque talvez pudesse ser eu a fazer figura de parvo, mas conto hoje porque se o fizer já pouco importa, a mim ou aos galardoados.
Não tem nada a ver com prémios, mas aconselho a ler o recentemente editado “Puta que os Pariu” de João Pedro George editado pela Tinta-da-china, que é uma magnífica biografia de Luis Pacheco, antigo cronista da “Notícia”, uma das personagens mais fascinantes da literatura e da cultura em língua portuguesa, um escritor à margem e sem margem e que já aqui trouxe várias vezes e utilizei citações.
Fernando Pereira
28/11/2011
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