3 de maio de 2009

CRÓNICA PREGUIÇOSA/ Ágora / Novo Jornal / Luanda / 30-4-09


Em 28 de Abril de 1889, nascia o ditador António de Oliveira Salazar, figura sinistra que governou Portugal durante quarenta anos, e perpetuou a ultima “impotência” colonial da história.
Porque vem a talhe de foice, prefiro falar de Jorge de Sena que observou um dia, algo adaptado ao nosso quotidiano de angolano: “O nosso mal, entre nós, não é sabermos pouco; estarmos todos convencidos de que sabemos muito. Não é sermos pouco inteligentes; é andarmos convencidos que o somos muito.”
Engenheiro civil e escritor de fim-de-semana, primeiro, depois no exílio voluntário, professor, na área das humanidades e escritor a tempo inteiro. Como tantos outros, recusou viver numa sacristia de 92.391 Km2, a que se acrescentavam outras quintas, umas maiores que outras da Europa à Oceânia, numa imitação em versão miniatura do império Vitoriano, “Onde o sol nunca se punha”!
Abdicou de viver numa pátria povoada de sombrios contentinhos suficientemente «reaccionários» e suficientemente «dos nossos». Partiu com apoquentação, de não poder pensar e dizer livremente. Leccionou, escreveu muito, imenso e fabulosamente. Viveu nos Estados Unidos até ao epílogo de 1978.
Homem atento, conheceu e pensou maduramente os americanos. Porque estou preguiçoso a escrever, roubo-lhe um poema lucidamente recidivo.

Ray Charles

Cego e negro, quem mais americano?
Com drogas, mulheres e pederastas,
a esposa e os filhos, rouco e gutural,
canta em grasnidos suaves pelo mundo
a doce escravidão do dólar e da vida.

Na voz, há sangue de presidentes assassinados,
as bofetadas e o chicote, os desembarques
de «marines» na China ou no Caribe, a Aliança
para o Progresso da Coreia e do Viet-Nam,
e o plasma sanguíneo com etiquetas de blak e white
por causa das confusões.
E há as Filhas da Liberdade, todas virgens e córneas,
de lunetas. E o assalto ao México e às Filipinas,
e a mística do povo eleito por Jeová e por Calvino
para instituir o Fundo Monetário dos brancos e dos louros,
a cadeira eléctrica, e a câmara de gás. Será que ele sabe?

Os corais melosos e castrados titirilam contracantos
ao canto que ele canta em sábias agonias
aprendidas pelos avós ao peso do algodão.
É cego como todos os que cegaram nas notícias da United Press,
nos programas de televisão, nos filmes de Holywood,
nos discursos dos políticos cheirando a Aqua Velva e a petróleo,
nos relatórios das comissões parlamentares de inquérito,
e da CIA, do FBI, ou da polícia de Dallas.
E é negro por fora como isso por dentro.

Cego e negro, uivando ricamente
(enquanto as cidades ardem e os «snipers» crepitam»
sob a chuva de dólares e drogas
as dores da vida ao som da bateria,
quem mais americano?

Jorge de Sena
1964

Portugal foi governado pela demência durante quase quarenta anos!
Salazar era um rato de sacristia, provavelmente a cheirar a uma explosiva mistura de incenso e mirra, e ouro aferrolhado, com uma governanta que vendia ovos de um galinheiro no quintal da residência oficial de S. Bento, marcou a mentalidade de gerações, que de certa forma se perpetuam no tempo.
Em Angola e em Portugal temos os resquícios mentais, e materiais do que foi a insanidade de tanta letargia, e água benta na resolução dos problemas políticos. Num século, quarenta anos de governo intolerante, num país que já era atrasado em relação à Europa, deixou marcas profundas na sociedade e nas pessoas.
Fernando Pessoa, Um dos maiores da língua portuguesa, fica o poema, neste lembrar para nunca esquecer, os 120 anos de um nascimento, que não deveria ter havido.


SALAZAR

António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular...
António é António
Oliveira é uma árvore
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.

Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal
E sob o céu
Fica só azar, é natural.

Oh, c'os diabos!
Parece que já choveu...


Fernando Pereira
28/04/09
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