4 de fevereiro de 2008

Ágora/A insustentável ideia do merecer!






A insustentável ideia do merecer!

Com a chancela da “Afrontamento”, surgiu já há algum tempo nos escaparates das livrarias, uma obra que será inevitavelmente um documento relevante na história contemporânea de Angola.
O autor, Fernando Tavares Pimenta para além de investigador universitário em Ferrara e Coimbra, é um jovem, já nascido depois de Novembro de 1975, e sem qualquer ligação a África nem tampouco por parte dos seus familiares directos. Aliás do mesmo autor deixo aqui a referencia para o seu primeiro livro “Brancos de Angola. Autonomismo e Nacionalismo (1900-1961)” , que oportunamente aqui terá o seu comentário com maior detalhe. São trabalhos científicos e podendo ser referenciável o distanciamento do autor a África, pode haver algum descomprometimento na análise do século XX angolano.
O livro, como aliás o nome sugere, “ Angola no percurso de um nacionalista. Conversas com Adolfo Maria” é uma longa entrevista, que começa de uma forma reservada, mas que ao longo do livro Adolfo Maria, vai entrecortando as suas experiências pessoais e o seu percurso político, analisando com natural subjectivismo o seu enquadramento na luta de libertação nacional e a sua limitada e sofrida participação no quotidiano político da Angola independente, nomeadamente na sua fase inicial.
A argumentação de Adolfo Maria, que é reveladora de uma enorme capacidade de organização, é ilustrada por muitos documentos e fotos. Ao longo de trezentas e cinquenta páginas, passamos pela adesão nos anos 50 ao emergente movimento nacionalista urbano, centrado no Liceu Salvador Correia e na Sociedade Cultural de Angola (1957). Continuou pela FUA, e a forma como foi a sua entrada no MPLA, as influências que recebeu, e aqui não deixa de ser curiosa a cumplicidade enorme entre A.M. e Gentil Viana, que já vem dos tempos do Liceu.
Surpreende em todo o livro, a fluência do “entrevistado”, e fundamentalmente de uma forma que se percebe ser sofrida, Adolfo Maria “desmistifica” de certa forma a guerrilha, onde contrariando a imagem de solidariedade, respeito hierárquico, sentido de justiça e acima de tudo partilha, o que transparece das suas palavras é precisamente o contrário, em que se vai vivendo inúmeras situações de racismo, tribalismo, amiguismo, apego despudorado ao poder, e outros condimentos que levam a manifestações deploráveis de irracionalidade, que segundo o autor se perpetuaram no MPLA ao longo de décadas. È uma fase particularmente interessante do livro, pois algumas personagens são colocadas na guerrilha ou no exílio, e depois compara-se a postura dessas pessoas no novo País libertado do colonialismo.
Há acusações que a serem comprovadamente verdadeiras, podem trazer um olhar diferente na vida política de Angola da ultima metade do século XX.
Adolfo Maria assume claramente a defesa da “Revolta Activa”, e diz claramente que Viriato da Cruz foi o verdadeiro pai do nacionalismo angolano. Partilha, no seu discurso, o que tantos já disseram e escreveram sobre a autofagia no MPLA, e a máxima que as revoluções começam por se alimentar dos seus próprios filhos.
Não deixa de ser rocambolesco, as aventuras do seu período de “clandestinidade” no centro da cidade de Luanda, o que não deixa de ser curioso, tendo em conta as características das forças policiais nessa altura em Luanda (1975-1979).
Há no entanto um detalhe não negligenciável na entrevista, que é o facto do autor em circunstância alguma abjurar algo sobre o seu percurso, sem que isso retire qualidade e importância ao livro de Fernando Tavares Pimenta.

Fernando Pereira


“Angola no percurso de um nacionalista, conversas com Adolfo Maria”, Fernando Tavares Pimenta, Edições Afrontamento.

Participação do autor no Novo Jornal/ Ágora




Quando se discutiu a minha participação regular neste novo projecto, uma das primeiras questões que se colocaram tinha a ver com o contexto dos textos que iria aqui colocar, e concomitantemente o problema do nome da coluna.
Surgiram-me várias hipóteses, e cada uma delas teria de ter algo a ver com as características da minha participação, num contexto de um uso responsável da liberdade na cuidada utilização da palavra .
Foi nesse cadinho de opções, que surgiu o título desta coluna regular : ÁGORA. Das razões supletivas ao que já disse, sobre o contexto do nome, tem a ver com o facto da Ágora, representar na cidade (polis) grega da antiguidade clássica, a praça que era o verdadeiro fórum da intervenção do povo na democracia das cidades-estado da sociedade helénica.
Era um espaço livre de edificações, onde ocasionalmente surgiam mercados, mas que era acima de tudo um local onde o povo discutia a política, a arte, a filosofia, o urbanismo, enfim em síntese, onde era o verdadeiro coração da democracia.
Centro do pulsar do povo, a Ágora era o fórum onde floresceram as ideias, que depois construíram um dos maiores legados da Grécia Antiga ao mundo, e que foi o início do método que levou à história do pensamento, e consequentemente ao aparecimento de uma nova disciplina do saber: a filosofia.
Daqui para a frente, tentarei que esta coluna seja simultaneamente um local de crítica, de reflexão e de informação sobre um conjunto de ideias, documentos, filmes, livros, estudos, ou até mesmo de qualquer coisa que consiga dar alguma razão a quem disse que “a maior parte do tempo passa-se a passar o tempo”.
Antes de terminar este meu reencontro, com alguns que se atreveram a ler-me noutros locais, e com outros que nunca me leram, não gostaria de deixar de prestar uma enorme homenagem a um escritor lusófono que recentemente faleceu, e por quem eu tinha grande admiração, em termos da sua escrita, pois admito que em termos pessoais ele fazia todos os possíveis e impossíveis para ser brilhantemente detestável. Estou a falar de Luiz Pacheco, um verdadeiro libertino, um dos exemplares últimos do surrealismo, e que entre muitas colaborações em diversas publicações, escreveu no semanário “Notícia”, aqui de Luanda, no dealbar da década de 70.
Um dia destes, quando tiver a certeza que Luiz Pacheco já não tem hipóteses de saber o que escrevo dele, vou fazer uma crónica, pois ele abominava quem dissesse bem , quem fizesse o contrário e provocava de forma algo desbragada os que tentavam nem se lembrar dele, que convenhamos não era fácil.
Cá estarei, ou tentarei estar nesta Ágora, a reflectir sobre o que eu quiser!

Fernando Pereira
13/01/08
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