18 de julho de 2008

Nem cântaro, nem fonte, nem sequer Maria!/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18/07/08







No dia 1 de Setembro de 1935, inaugurava-se a estátua evocativa dos mortos portugueses nas “campanhas africanas” da Grande Guerra Mundial de 1914-1918, na luta contra os alemães.
Num largo poeirento, com a pompa e circunstancia adaptada ao evento, alinharam-se as autoridades, civis, militares e eclesiásticas da cidade de Luanda, um tal almirante Afonso Cerqueira, e um jovem professor de direito, que chefiava uma missão de estudantes “metropolitanos” às colónias, de seu nome Marcelo das Neves Alves Caetano, que trinta e nove anos depois seria apeado do governo de Portugal, por um golpe de estado, que derrubou a ditadura, e donde emergiram governantes que promoveram negociações, que levaram à independência as ex-colónias portuguesas.
Este evocativo, que depois da independência esteve tapado com um plástico cor de rosa, depois dinamitado em circunstancias pouco claras foi depois local de “pousio” de um carro de combate.
Foi construído com a contribuição do comércio e industria de Luanda, numa campanha que teve em Alves da Cunha o seu maior dinamizador, e foi colocado numa margem da lagoa do Kinaxixe, lugar de brincadeiras, de pescarias e também sítio de histórias de Kianda, uma personagem mítica e reverencial do imaginário angolano. Luandino Vieira, Tomaz Jorge, e outros tentaram em prosa ou em verso falar dessa figura mítica que cruza Luanda desde tempos imorredoiros: Na “ Casa velha das margens” de Arnaldo Santos, Luanda e o Kinaxixe misturam-se numa obra, que considero de excelência na escrita angolana.
No léxico colonial, recordo-me sempre daquele largo, que tinha um magnífico edifício dos Serviços de Agricultura, que foi demolido em meados dos anos 60, ser conhecido pelo Largo da Maria da Fonte, e nunca por Kinaxixe, e tampouco por largo dos Lusíadas, que era o nome do largo na toponímia colonial. Sempre despercebi quais as bastas razões, para que a minhota Maria da Fonte de Arcada fosse o nome “apopularizado” do referido largo.
Maria da Fonte, foi a líder de um grupo de sete mulheres do Minho que em meados do sec. XIX, comandaram um conjunto de sublevados contra o 1º ministro do reino de Portugal, Costa Cabral, levando ao seu recuo num vasto pacote de impostos e à consequente demissão, muito bem descrito em alguns livros na extensa obra de Camilo Castelo Branco, também ele um minhoto.
Acho uma excelente ideia perpetuarem-se em estátuas, ou de outra forma com igual dignidade, os heróis nacionais de Angola, e Nzinga Mbandi merecia este lugar, pela sua relevância na história de Angola, consubstanciada na importância que teve na luta contra os portugueses, e acima de tudo na forma como uniu reinos desavindos, em torno de um projecto comum, que era lutar contra o ocupante.
È uma opinião meramente subjectiva, mas acho que a peanha onde está a Nzinga Mbandi, é desproporcionadamente grande em relação à estátua, o que lhe retira alguma beleza e quiçá alguma importância em termos de visibilidade. Parece-me esteticamente pouco conseguido o “monumento”, mas pelos vistos os noivos que lá tiram as suas fotos não partilham da opinião..
Passados uns anos de lá ter sido colocado o carro de combate, recebi em Luanda o falecido Dr. Aníbal Costa, ao tempo presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva, que vinha a Luanda a convite do Centro de Medicina Desportiva de Luanda, e quando passou no Kinaxixe, voltou-se para mim e diz-me:”Fernando Pereira, aquele carro ali em cima está a mudar o óleo?” .Confesso, que foi a melhor observação que alguma vez ouvi, sobre o carro que fez parte do quotidiano visual dos luandenses durante quase vinte anos.

Fernando Pereira 6/07/08

Expo-2008/ Uma exposição pedagógica/Ágora/ Novo Jornal 18-07/08





ZARAGOZA 2008

Por motivos vários, vou algumas vezes durante o ano a Aragão, e concretamente a Zaragoza. Fui assistindo ao seu crescimento, que faz que hoje esta cidade de 900.000 habitantes, capital da Comunidade de Aragão, seja um pólo de grande dinamismo industrial, comercial e científico, tendo-se afirmado como a quarta cidade espanhola, em termos de população e de criação de riqueza.
Conheço a cidade desde 1972, e para mim não foi surpresa alguma, quando a cidade de Zaragoza se candidatou à Exposição Internacional de 2008, pois o seu crescimento, e o engajar das gentes de Aragão no seu desenvolvimento, almejavam um evento internacional que colocasse a sua cidade mais importante no mapa mundial.
Fui daqueles visitantes, que chegaram à hora marcada no convite, o que de facto contraria as normas de qualquer visita, pois nunca se deve chegar antes da hora, à hora, nem muito depois da hora. Aconteceu dar-me conta, que ainda havia alguns trabalhos a realizarem-se, nomeadamente acessos, interfaces e parques de estacionamento.
Logo no início da Expo, quem entra pelo lado norte, deparamo-nos com uma ponte-pavilhão, que é esmagadora na sua concepção, desenhada pela prestigiada arquiteta iraquiana Zaha Hadid, a primeira mulher a receber um prémio importante da arquitetura mundial, o Pritzker. Este “pavilhão poente” vai ser a marca mais importante da Expo, quando se passarem uns anos do “desmontar da tenda”.
Ao entrar no espaço da Expo, fico com a sensação que é a mais pequena das que visitei nos últimos anos, mas também a que melhor se integra com o centro urbano.
Com um tema pertinente nos tempos que correm, a água é o centro de toda a Exposição Internacional. O tema é pertinente, pois a sua crescente escassez, a sua deterioração continuada e a sua distribuição irregular levam a que paire, num cada vez maior numero de pessoas, que será o motivo próximo de guerras entre povos e países na procura da primeira de todas as matérias primas.
A Torre da Água, que não me tendo surpreendido em termos de arquitetura, deixou-me maravilhado com a apresentação do conceito “água”, pois em 45m, através de recursos multimédia com a água, fica-se com a sensação exacta que é bem mais que o líquido que continuadamente desperdiçamos. Neste pavilhão tenta-se que a água e os sentidos se misturem, não sendo fácil demonstrá-lo com palavras.
O Aquário Fluvial, que segundo diz a organização é o maior aquário de água doce do mundo, e o mais diversificado em termos de espécies, é um edifício que irá ficar e foi o mais requisitado pela garotada, que deu um colorido grande ao ainda muito vazio recinto da Expo 08. Destaco ainda o pavilhão de Espanha, pelo arrojo da arquitetura, e também com interesse o da “água partihada”, o da “sede” e o da “Oikos”.
O que ressalta destes pavilhões temáticos, é que esta exposição tem uma componente pedagógica muito acentuada, mas julgo que o seu acompanhamento tenha de ser cuidado, pois pode suceder que em determinados momentos, a vontade de mostrar e reafirmar a mensagem, pode levar à desmotivação por parte de muitos visitantes, que devem sair da exposição determinados a lutarem por um equilíbrio, que passe por um futuro sustentado de recursos hídricos partilhados por toda a população mundial.
O pavilhão de Angola, mostra logo na sua apresentação exterior, um cuidado supletivo em relação a anteriores exposições, o que dá à partida uma imagem afirmativa do País. Um excelente painel, com um brilhante trabalho de excelente expressão plástica, baseada em motivos de escultura de madeira angolana que não deixa indiferente quem passa.
No interior, somos agradavelmente surpreendidos por alguns trabalhos de compatriotas nossos ainda jovens, que porventura mereceriam outro destaque, mas obviamente é muito subjectiva esta opinião, como aliás toda esta minha apreciação da Expo 2008.
O pavilhão é dividido por algumas secções, e no primeiro temos a floresta, onde se tenta retratar o Maiombe, e onde há uma curiosa cortina de vapor, que não sendo inovadora, é no mínimo curiosa vê-la tão bem enquadrada na entrada da exposição. Nas secções seguintes, é interessante a sequencia dos modelos encontrados, de forma a tentar elucidar o visitante da forma como se divide o território de Angola, no plano da diversidade pluviométrica, de cursos de água e características dos terrenos. Da floresta, passamos à savana, à anhara, ao aproveitamento hidro-eléctrico do Gove, a foz do Cunene e o deserto. Tudo razoavelmente documentado, embora tenha ficado desiludido pelo facto de não ter um guião, ainda que pequeno do que estava à vista no pavilhão.
Ainda não estava a funcionar a parte do pavilhão reservada às actividades económicas, e a justificação dos atrasos foi a greve dos camionistas espanhóis, na semana que antecedeu a abertura da Exposição.
Houve algumas coisas que me deixaram algo desagradado, que foi o terem um crocodilo de “brincadeira”, nem se percebendo se era de plástico ou madeira, no meio de um lago, que era motivo de alguma chacota por parte das pessoas que passavam. A Welbitchia estilizada também não me pareceu uma ideia feliz, mas tolerava-se. Outra coisa que achei demonstrar pouca sensibilidade, tem a ver com os filmes apresentados pela Endiama, o que me parece algo paradoxal, pois é uma empresa que se preocupa com muitas coisas importantes para além do lucro, como por exemplo a recuperação de edifícios, apoio a núcleos museológicos e preservação da fauna e da natureza, apoiando também algumas iniciativas culturais.
O artesanato ainda estava algo desarrumado, mas devo ter em conta que visitei o pavilhão no primeiro dia da sua abertura ao publico, pelo que não deixa de ser uma atenuante de tomo.
Quanto aos colaboradores presentes, julgo que começámos a ter algum cuidado na sua selecção, pois eram cordiais, simpáticos, e procuravam ser esclarecedores nas explicações; Uma excelente surpresa, o que evidencia progressos notáveis em relação a eventos anteriores, onde assistimos a atitudes pouco edificantes por parte de pessoas que não se dão conta que nestas circunstancias deveriam estar a promover a imagem do País.
Numa análise breve acho que o pavilhão de Angola está bem, e a equipa parece-me competente. Aqui e ali pode haver uma ou outra coisa a alterar, e uma proposta que faria, seria o de dar a conhecer a quem visita o nosso pavilhão os recursos que possuímos, dando um ênfase ao facto de Angola, ser o 5º país africano em termos de recursos hídricos no conjunto da suas bacias hidrográficas. Para além disso, sugeria que fosse dado a conhecer a quem visita o pavilhão alguns esforços do governo e entidades privadas no sentido de melhorar a qualidade da água nas cidades e concomitantente como se tem feito o combate às doenças provocadas pela “má água”.
Falta apenas fazer uma referencia à animação diurna e nocturna, tendo ficado estupefacto com a apresentação ao vivo do Cirque du Soleil, que já tinha visto em documentário; Um excelente espectáculo diário.
Quanto a tudo o resto: Vão lá!
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