21 de dezembro de 2012

É mais ou menos isto! / ágora / Novo Jornal nº257/ Luanda 21/12/2012



Num tempo não muito distante aproveitava o “Dia da Família” para enviar uns postais a amigos, que raras vezes via e nessas circunstâncias aproveitava para escrever umas palavras com uma carga mais emotiva que o vulgar “boas festas” ou outras frases feitas adaptadas à época em curso.
O aparecimento do correio electrónico e as animações em diferentes formatos permitiram-me começar a escrever menos e a enviar “felicitações “ a gente que mal conheço e que em determinadas circunstâncias começando a conhece-los melhor desejo-lhes precisamente o contrário.
Aproveitei alguns artigos regulares para dar motes e remoques a algumas situações, na expectativa que o espirito nataleiro não deixasse os destinatários aborrecidos comigo, mas nem esse objetivo foi conseguido porque toda a expectativa está num tempo em que o enquadramento prandial concita a maior parte das preocupações e isto de missas do galo, árvores de Natal e outros artefactos passam para segundo plano.
Dizia com alguma piada um amigo meu que o tempo do Natal, que eu gosto mesmo de insistir dizer que é o “Dia da Família”, tem a sua atividade central de comemorações no “4 de Fevereiro”. É provavelmente a maior homenagem que a áspora, a diáspora, os patriados e os expatriados fazem à data da eclosão da luta armada em Angolano já distante 1961.
Dos idos tempos das caravelas, das missangas, tecidos, espelhos e uma cruz transportada por um missionário a prometer o céu a quem se recusasse a ser bígamo, trígamo,quadrígamo etc. , o que hoje assistimos é o pecado da gula consubstanciado no bacalhau, azeite, vinho, frutos secos, etílicos diversos, bolos e outras iguarias tão distantes dos nossos tempos das dificuldades quotidianas de todos nos primeiros tempos da independência.
Para o nosso continente a recente decisão do Bento, não o de Luanda, mas o do Vaticano, o bairro de 14ha no centro de Roma, de acabar com a vaca e o burro acabou por ser uma medida de muito bom senso, pois evitou-se um dos maiores problemas dos presépios ao vivo. De um momento para o outro começaram a proliferar em escolas, clubes, centros de convívio, e outros locais públicos presépios, o que é estranhável num país constitucionalmente consagrado como laico. Que se presepeteie nas igrejas, seminários e colégios de frades e madres nada tenho a opor, agora imporem isso na sociedade civil é um pouco de descaramento e mais um claro desrespeito à liberdade individual.
Pior que isso é mesmo destruir escolas, teatros e salas de espetáculos para construir arranha-céus para empresas majestáticas, algumas delas em que os fundadores nasceram na roda…da sorte!
Há um pedaço final do “Mayombe” do Pepetela que releio todos os anos, quase um ritual desde o dealbar dos anos 80, não sei se por catarse a algo que ainda não descobri: “….e vejo quão irrisória é a existência do indivíduo. É, no entanto, ela que marca o avanço no tempo. Penso, como ele, que a fronteira entre a verdade e a mentira é um caminho no deserto. Os homens dividem-se dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem onde se encontra esse caminho de areia no meio da areia? Existem, no entanto, e eu sou um deles. Sem Medo também o sabia. Mas insistia em que era um caminho no deserto. Por isso se ria dos que diziam que era um trilho cortando, nítido, o verde do Mayombe. Hoje sei que não há trilhos amarelos no meio do verde.”
Cada ano que leio sinto-o de forma diferente, o que de certa forma me liberta e tolhe. Porque já não sou jovem e estou livre da certeza que sei de tudo e já me vou confrontando em que antigas certezas são abaladas pela teimosia dos factos e como eles são irrefutavelmente teimosos só passo a colecionar dúvidas e sem respostas tangíveis começam a afigurar-se preocupantes.
Como é uma época de conciliação e reconciliação segundo dizem, e de facto não estou para aí virado vou-me ficar por aqui porque mais não fiz que juntar o capim seco para deitar o fósforo, mas também começo a sentir que não envelhecemos, mas sentimos passar os anos e cada vez mais a gostar dos da “Família”, dos que gostam mesmo do “Dia da Família”.
Anataliai-vos bem gente da minha terra!
Fernando Pereira
18/12/2012
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