2 de julho de 2011

DA PANELA AO UGANDA! / Ágora/ Novo Jornal nº 180/ Luanda 30-6-2011





DA PANELA AO UGANDA!
As modernidades não param de me surpreender.
Fui recentemente convidado por uma amiga para comer um fungi e naturalmente não recusei, pois sei que normalmente fá-la sempre bem, sendo até demasiado escrupulosa na escolha dos ingredientes.
Naturalmente cheguei a sua casa no quarto de hora seguinte à hora previamente marcada, e curiosamente não a vi afogueada como das outras vezes em que fui presenteado com uma opípara muambada.
Fui à cozinha colocar o vinho branco na geleira e não vi a desarrumação habitual que um repasto destes costuma proporcionar.
Sentados à mesa reparei que o sabor não era exactamente o mesmo, mas há dias em que as coisas na cozinha não correm bem e o único comentário que fiz foi um desengraçado: “já comi pior e gostei”!
A surpresa estava guardada para o fim, quando essa minha amiga me disse que tinha sido cozinhada numa “Bimby”, a “Barbie” das cozinhas modernas e que pelos vistos dá para fazer tudo. Mercado muito, criatividade cada vez menos!
Em Luanda na segunda metade dos anos setenta levantou-se um coro de protestos em torno da exibição do filme a “Vitória em Entebbe” no Cine Atlantico. Uma parada de estrelas liderada pelo judeu Marvin Chomsky resolveu fazer uma recriação do resgate de um avião da Air-France, sequestrado por um comando palestiniano que exigia a libertação de presos em Israel. O filme era uma adaptação moderna do Weissmuler e a sua racista pose de Tarzan, num misto de qualquer coisa como “O ultimo comboio do Katanga” ou o “Africa Adeus”, filmes que recorrentemente passavam no Colonial, N’gola e S. João na primeira metade dos anos 60.
O filme era vexatório e nem os que se opunham a Idi Amin em África toleraram tamanha dose de arrogância sionista e racismo, daí os protestos no “Jornal de Angola” ao tempo o único jornal do País. Trinta anos depois a extraordinária interpretação do tranquilo Forest Whitaker no papel de Idi Amin, James McAvoy na pele de Dr. Nicolas Gerringan, numa realização superior de Kevin Macdonald do filme “ O Ultimo Rei da Escócia”, trata de forma fidedigna os tempos de crueldade num dos mais prósperos países agrícolas de África.
Idi Amin era presidente do Uganda e da OUA quando a Republica Popular de Angola se tornou independente e houve acordos com Nixon tendentes a que a UNITA fosse privilegiada na luta pelo poder em Angola. Foi Idi Amin quem forçou o reconhecimento da UNITA como movimento de libertação com o sórdido argumento de que Àfrica devia ser para os negros, como Deus lhe havia confidenciado a seguir ao golpe de Estado que depôs em 1971 Milton Obote.
Os britânicos apoiaram este antigo boxeur, sargento dos King’s African Riffles, na expectativa de terem alguém mais brando para defender os seus interesses. As elites africanas adaptaram-se a ele durante longo tempo, visto que aquele que afirmava que “nunca se chega tão depressa como uma bala de espingarda” foi eleito em 1975 para a presidência da OUA, e nessa qualidade recebido por Paulo VI. Nyerere em vão protestava:” Um assassino, um opressor, um fascista negro e um admirador confesso do fascismo”, e a realidade é que para além de cem mil mortos no seu consulado (1971-1979), o corte de relações com o Reino Unido, a sua promoção a marechal com toda a parafernália de pechisbeque e trajes, a expulsão de 90.000 indo paquistaneses, indispensáveis à economia do Uganda e deixou o País à beira da fome e a população no estado mais desesperado de indigência.
Idi Amin, o “Big Daddy”como gostava de ser chamado fazia parte dos 7% de muçulmanos dos vinte milhões de habitantes do Uganda e foi deposto por Yusuf Lule em 1979, que numa entrevista à Afrique-Asie de 16 de Abril desse ano disse que “ O Islão nunca foi tão terrivelmente caricaturado como por Idi Amin Dada, que acabará no caixote do lixo da história…”.
Ainda não andava a “Bimby” por perto!

Fernando Pereira
27/6/2011
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