24 de julho de 2009

O Mato e o Morro /Ágora/ Novo Jornal / Luanda 24-7-09



Na Luanda colonial, ali para os lados do Prenda, havia um conjunto de ruas com uma toponímia no mínimo curiosa. Era a rua dos Funantes, que entrelaçava com a rua dos Sertanejos, e que por sua vez acabava na rua dos Empacaceiros (caçadores de pacaças).
O Funante, o Pombeiro (Pumbeiro ou Pumbuelo) e o Aviado faziam parte de uma estratificação “corporativa”, no contexto de determinado patamar da economia colonial até ao dealbar do século XX.
Conde de Ficalho sobre as relações entre o Pombeiro, o chefe de mercadores e o seu subalterno, o “Funante” dizia o seguinte: “…Outras relações mais sérias e úteis se começaram desde Noronha Montanha, montado em boi cavalo, acompanhado de intérprete, guia e carregadores logo a desenvolver… Negociantes portugueses, chamados Funantes, penetravam e penetram até ao coração de África, ou mandam ali emissários, denominados, na África Ocidental Portuguesa, aviados e Pombeiros e na oriental Moçambazes”.
O Funante estava sempre na mão do dono da feitoria, pois não tendo capital próprio, obrigava-se a aceitar as condições do dono da mercadoria, que impunha percentagens altíssimas, nada muito diferente das instituições de referência do capitalismo moderno, os Bancos.
Segundo António de Oliveira Cadornega, para “disciplinar” um comércio, que liberalizado não dava impostos ao reino de Portugal, em 1761, o governador António de Vasconcelos, obrigou-se a fazer alterações, limitando o negócio a cinco capitanias mores: Muxima, Massangano, Cambambe, Pedras de Mapungo e Ambaca.
Cresceu assim um tentacular comércio de mato, que muitos já conhecemos, e que foi a teia da perpetuação colonial em Angola, mas também foi o factor decisivo para a delimitação das actuais fronteiras do País, no âmbito da Conferencia de Berlim de !885, recomendando para o efeito uma leitura de um livro interessante, muito documentado, e com o rigor judrídico indispensável: “Aspectos da delimitação das fronteiras de Angola”, do professor da faculdade de direito da Universidade Agostinho Neto, Joaquim Dias Marques de Oliveira, editado pela Coimbra Editora, à venda em Luanda e no Lobito, onde aliás há uma belíssima livraria, a ocupar uma parte da estação do CFB.
Nesta passagem pelas figuras do tempo colonial, que andavam pela mata, havia um elemento fundamental, o Kambulador, um quase ilusionista, indivíduo de” insuspeita” oratória, hábil tocador de instrumentos musicais, e muito loquaz na procura de agradar ao chefe tribal. Hoje, podemos denominá-lo o que diz em gíria de forma depreciativa, o “grande artista”!
Associado a tudo isto surgem alguns termos adaptados ao negócio, e o que mais se tem perpetuado e passou a ser transversal a toda a língua portuguesa, é indiscutivelmente a Kandonga, que segundo a Enciclopédia Ilustrada Portuguesa de 1899 é “um contrabando de comestíveis, para os subtrair aos direitos de consumo”, sendo naturalmente um candongueiro, “homem que se emprega na candonga”, segundo o dicionário Lello de 1986.
Este artigo dá para muita coisa, e poderemos começar por aqui e escrever o que foi o comércio, os malabarismos, agentes, dependências, mixordices e por aí fora, não hesitando em pegar nalguns testemunhos de livros ou outros, principalmente do Dr. José Carlos de Oliveira, “ O comerciante do mato”, ou recorrer ao tributo do saudosos Raul David, Domingos Van Dunem e a Uanhenga Xitu, entre vários.
Quanto ao título, um devaneio brejeiro, que a tropa colonial usava sobre um mote de uma companhia qualquer: “Mato ou Morro”, que queria dizer que quando o inimigo estava no mato, eles iam para o morro, quando o inimigo ia para o morro, eles iam para o mato”
Havemos de trocar mais algumas ideias sobre o assunto!

Fernando Pereira
19/7/09
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