28 de abril de 2017

A VERRUGA / Novo Jornal / Luanda /28-4-2017






A VERRUGA


Confesso que fico perplexo quando vejo que no Município do Cazenga continua a existir um bairro com o nome de Adriano Moreira, e por exemplo que o nome do insigne botânico Luis Carriço tenha sido suprimido da toponímia luandense, entre outros casos.


Este é apenas um dos exemplos da confusão instalada nas pessoas sobre o passado recente do território de Angola, e a sua transição para a independência naquele sempre lembrado 11 de Novembro de 1975.


Luis Carriço fez parte da 1ª missão botânica enviada a Angola. Era professor na faculdade de ciências da Universidade de Coimbra e diretor do Jardim Botânico da cidade. Deixou uma vasta obra no seu ramo, fruto de uma recolha feita em todo o território de Angola, abruptamente interrompida pela sua morte ocorrida em 1937 no deserto do Namibe, onde foi sepultado.


Se alguém quiser explicar quem foi Adriano Moreira a um morador do bairro teremos que dizer que foi Ministro do Ultramar de Salazar de 1961 a 1963, depois de ter sido subsecretário de estado da administração ultramarina em 1959. Neste percurso “ultramarino” de Adriano Moreira avulta ter sido o diretor do ISCPU (Instituto de Ciências Sociais e Politica Ultramarina) uma das duas escolas de formação de pessoal administrativo da administração colonial portuguesa (a outra era a escola colonial em Goa). Formava entre outros, administradores, chefes de posto, secretários, intendentes,etc.


Foi um dos responsáveis diretos pela introdução institucional, nos anos 1950 da denominada “Lusotropicalogia” conhecida depois como “luso-tropicalismo”, que teve no brasileiro Gilberto Freyre o seu patrono. A “Casa grande e senzala”, "O Mundo que o Português Criou", "O Luso e o Trópico” são as cartilhas de um defesa de Portugal como “primeira civilização moderna nos trópicos".


Toda a estrutura ideológica do jovem Adriano Moreira assentava na premissa de um Portugal portador da civilização e da ordem em todo o território, defendendo que os “indígenas” teriam que trabalhar segundo regras evolutivas de um “ato colonial” reformista. Foi este senhor que reabriu o Campo do Tarrafal em Abril de 1961, inicialmente como campo de detenção dos angolanos condenados no “processo 50” e depois alargado a nacionalista de todas as colónias, tendo fechado com a revolução do 25 de Abril de 1974 em Portugal. Apesar de refutar essa acusação, Adriano Moreira não se consegue livrar do labéu de ter promovido a organização da PIDE em Angola.


Reconheço ao Dr. Adriano Moreira uma grande sagacidade politica e uma rara inteligência, mas não deixa de ser intrigante o seu tortuoso trajeto politico que lhe tem permitido guindar-se a uma figura “reverente” na democracia portuguesa, depois de ter sido um dos putativos delfins do ditador Salazar.


Assume-se como o criador dos “Estudos Gerais Universitários” em Angola e Moçambique, embrião das universidades de Angola e Moçambique. Provavelmente a criação destas escolas superiores terão criado uma das situações mais rocambolescas dos anos do estertor do salazarismo em Portugal.


Por ironia do destino, Salazar ordena a Adriano Moreira, no âmbito da sua competência enquanto ministro do Ultramar, que nomeie o general Venâncio Deslandes como 117º governador-geral de Angola (Junho de 1961), cargo que ocupa em simultâneo com o de Comandante Chefe das Forças Armadas na “provincia”. As relações entre os dois nunca foram muito amistosas, já que ambos tinham uma sede de protagonismo ilimitado. Deslandes dizia que “chefiava o maior contingente militar de sempre de Portugal” e que “iria acabar a guerra em Angola em seis meses e depois disso passaria ser um caso de altercação de ordem publica e apenas responsabilidade da polícia”. Tudo isto irritava de sobremaneira Moreira que se sentia diminuído perante o seu alter-ego Salazar.


Foram muitas as situações de conflito, mas a que teve maior impacto e levou à saída intempestiva de Deslandes e posteriormente de Moreira foi a criação dos Estudos Gerais Universitários em Angola, velha reivindicação dos colonos que tinham que mandar os seus filhos estudar para a então “Metrópole”. Ressalve-se que no tempo colonial a única “estrutura universitária” que existia nas colónias era uma escola médica de Goa, que não tinha categoria de faculdade e uma escola de teologia na mesma cidade, que tinha encerrado no dealbar dos anos 50 quando a prelatura do Oriente é retirada a Goa e é entregue a Bombaim, que é o primeiro e pouco conhecido golpe contra o edifício colonial português.


Deslandes sem conhecimento de Moreira, seu superior hierárquico reúne o conselho provincial e emana uma norma a criar os “estudos gerais Universitários”, o que deixa o Ministro do Ultramar em transe. Salazar tinha sido consultado por Deslandes e terá dito: “Querem os pretos a estudar, depois não se arrependam”. Naquele quadro de intriga palaciana que Salazar adorava, manhoso e farsolas como era, colocou os dois numa disputa sem quartel quanto à legitimidade da criação dos EGUA. Adriano Moreira ou não assinava o decreto que criava por recomendação do conselho legislativo de Angola, ou o faria e dava a Deslandes a coroa de glória da criação de um embrião de uma Universidade em Angola. Isto já será especulação, mas Adriano Moreira, sagaz e sentindo que o chão lhe poderia fugir resolveu assinar o despacho trazendo à colação os Estudos Gerais Universitários de Moçambique.


Foi a gota de água e Deslandes, que tinha um programa próprio de fomento contrário ao de Moreira, é por este demitido de governador geral de Angola em Setembro de 1962, sendo substituído por Silvério Marques. Salazar observava e naquela sua gestão muito peculiar de alimentar guerrilhas para que o poder se mantivesse forte demite no ano seguinte Adriano Moreira, que volta para o seu ISCPU.


Sobre os Estudos Gerais de Angola e da criação da Universidade de Angola haverei de voltar, mas continuo de facto sem perceber o porquê de um bairro Adriano Moreira na cidade capital de Angola. Também há tanta coisa que despercebo!!!






Fernando Pereira


14/4/2017






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