10 de agosto de 2009

Divagando/ Ágora / Novo Jornal/ Luanda / 7-08-09




Luanda nos anos cinquenta era uma cidade calma, mas com a estratificação social bem demarcada em todos os locais de trabalho, ócio, cultura e habitação.
A cidade tinha começado a desenvolver-se, com as receitas provenientes das súbitas subidas das cotações do café no mercado internacional, e começava a ganhar algum movimento, e a importar, ainda que de uma forma algo pacóvia algumas “modas”, assumindo a xenofilia dos costumes, hábito transversal à sociedade angolana desde há décadas.
No Largo ex-D. Fernando, hoje Rainha Jinga, em frente ao “megatéreo” que é a sede da Sonangol na Baixa de Luanda, em meados dos anos 50, era colocado um pano branco na Casa da Palmeira, como era conhecido o edifício da Lello, e à noite passavam desenhos animados, anúncios diversos e algumas revistas de actualidades. Foi a primeira experiencia de cinema ao ar livre na cidade, para a população, mas com uma duração efémera.
A Casa da Palmeira, ou o Palácio da Palmeira, como também era chamado esse imóvel magnífico que ainda se vai perpetuando na baixa de Luanda, por causa da palmeira de ferro que serve para tapar o saguão das escadas para os andares superiores, onde inicialmente houve uma pequena pensão de má qualidade. Tinha no telhado um reclame à pasta medicinal Couto e ao óleo Bardhall; Mais tarde veio a Pelikan e a Kodak!
Já que estamos por este Largo, neste passeio pela Luanda de gerações e olhando para o prédio onde funciona o Millenium (Angola), lembro-me de ter sido antes, o DOI do BNA, a Escola de Formação Bancária e antes de 1975, a sede do Banco de Crédito Comercial e Industrial, pertença do grupo Quina, a firma Martins e Macedo, representante em Angola de várias marcas de automóveis, lubrificantes, baterias e correlativos. Até aqui, ainda me lembro, mas já não sou suficiente velho para me lembrar da existência do Hotel Colonial, que foi demolido entretanto.
O edifício dos Correios lá se vai mantendo em recuperação, o que deixa alguma esperança no ar que o desvario camarteleiro ainda não tem rédea livre, e que o omnipresente valor de mercado, ainda esbarra com a assertiva disponibilidade para deixar intactos alguns edifícios que fazem parte da memória colectiva da cidade.
A Igreja dos Remédios, que de vez em quando vai levando uma lavagem, foi “despromovida” de Sé Catedral, mas ainda se vai mantendo como um espaço agradável no meio de tanto frenesim destruitório e construtório, que vai imperando à volta. Por acaso fui baptizado nessa Igreja, nos idos anos cinquenta, e convenhamos que só me lembro disso quando lá tenho que passar e esperar vinte minutos que o trânsito vá fluindo.
Se o imóvel onde tem funcionado a Sonangol, tem alguma dignidade e mostra um período marcante do desenvolvimento da cidade, a mastodôntica sede actual, não consegue fazer esquecer uma das mais bonitas montras de Luanda, que era a da Farmácia Dantas Valladas. No tempo colonial a pastelaria Gelo, deu lugar a um banco, o que prova que a indiferença pelo património não é causa de agora; Era um espaço muito bonito e com personalidade, e hoje, mesmo o Banco, que acabou com o Gelo, foi engolido por um dos prédios espelhado do centro da cidade.
Não consigo perceber, por mais que tentem, porque é que Angola, sendo uma terra de desafogo em território, tem que estar tudo concentradinho no município das Ingombotas. A bem dizer todos os ministérios lá estão, excepto o das Pescas.
Desculpem-me qualquer coisa, mas às vezes acho que em certos detalhes importantes não se consegue ultrapassar para além das Ingombotas!
Fernando Pereira
2/08/09
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