21 de novembro de 2008

HOLOCAUSTICAMENTE / ÁGORA / NOVO JORNAL / Luanda 21-11-09





Nas páginas deste jornal, aparece neste caderno, um pequeno espaço em que são referenciados semanalmente os livros mais vendidos na vetusta Lelo em Luanda.
No que toca a autores angolanos, penso não oferece qualquer dúvida quanto ao critério dos leitores, já nos autores estrangeiros, confesso que me confunde um pouco o facto do livro, que há várias semanas está no top de vendas, ser o “Holocausto em Angola” do Américo Cardoso Botelho.
Logo que saiu o livro editado pela Vega, li-o e sem duvidar da verosimilhança de algumas das descrições, feitas pelo autor, sobre factos ocorridos e por si presenciados, o máximo que consegui ficar foi com uma visão muito negativa da obra e talvez, com alguma benevolência, alguma pouca de comiseração pelo Américo Botelho, pelo que viveu e pela provecta idade.
Não conheço o autor, e do que fui ouvindo, resumiam-se a poucos detalhes do que se ia dizendo em Luanda nos tempos em que esteve intramuros de S. Paulo, onde a sua importância no exterior era em termos de tema de conversa praticamente nula, ao contrário de outros prisioneiros de então.
Reconheço, que para além da descrição das sevícias, do uso discricionário do poder, por guardas e agentes perante os presos e de algum “laxismo” por parte das estruturas do poder político da R.P. Angola, pouco mais se aproveita do livro, já que a análise é eivada de uma linguagem a raiar o proto fascista.
A ideia que vai prevalecendo desde a apresentação do livro, onde muitos dos lá citados foram convidados a aparecer, rejeitaram, é que o Américo Botelho terá aspirado a ser um Caryl Chessman (2455 Cela da Morte), Alexandre Soljenitzin (arquipélago Gulag) ou o Bill Hayes do “Expresso da Meia Noite.
Fiquei perplexo com a ligeireza de algumas das suas opiniões e o que transparece dos anos de prisão do Américo Botelho, é que tudo que esteve preso era inocente, e que a sociedade que os lá colocou era uma cambada de ladrões, torcionários contrabandistas e camanguistas, e por aí fora.
Poderá A. B. ter razões de queixa, por ter permanecido preso tanto tempo sem culpa formada, ou melhor dizendo sem culpa formalizada, e aí tem a minha solidariedade, mas tem que admitir que o seu percurso ao chegar a Angola em 9 de Novembro de 1975, suscita questões, dúvidas e demasiadas desconfianças, que mesmo de forma esforçada no livro, continua a manter áreas de enorme penumbra nas respostas, que continua a ter uma questão essencial: Que foi fazer para Angola Américo Cardoso Botelho?
Nascido no seio da média burguesia portuguesa há noventa anos, licenciado em engenharia civil na década de 40, Américo Botelho, foi militar nos Açores no departamento de cifra, depois presidente da Câmara Municipal da Azambuja, com muitas ligações a empresários e meios políticos estado-unidenses, depois administrador do Hospital do Restelo, hoje S. Francisco Xavier, que era propriedade do grupo CUF, e aos 55 anos vem para Angola, para dirigir a frota da Diamang, ligação que segundo ele provem do seu interesse pelo museu do Dundo.
Convenhamos que não era fácil em 9 de Novembro de 1975, embarcar num 747 da TAP com destino a Luanda, vazio, para “encarar com grande optimismo o nascimento de um Novo País”!!! O seu trabalho na Diamang, as suas frequentes viagens e outras coisas, que talvez não passassem de “mujimbos”, mas que ao tempo traziam problemas, a que não eram alheias as circunstancias do processo de independência da RP Angola, e alguns excessos ideológicos e de oportunismo, o que levou a muitas situações de flagrante e irreparável injustiça.
Américo Botelho não explica porque é que a Embaixada de Portugal não o apoiou, nem porque não foram utilizados outros canais, que às vezes de forma sub-reptícia, resolvem este tipo de questões.
Apesar de tudo isso, não devemos desculpar que o autor tenha colocado documentos forjados, dando-lhe credibilidade total, nomeadamente a célebre carta de 1976 divulgada pelo “Século” de Joanesburgo, da suposta autoria do almirante Rosa Coutinho ao Dr. Agostinho Neto, então presidente do MPLA, com um texto torpe de acerto de estratégias tendente a transformar Angola num pasto de chamas e assim levar à saída dos portugueses. Este caso já levou a que o articulista português, António Barreto tivesse que pedir desculpas publicas a Rosa Coutinho, e seus familiares, por ter utilizado o depoimento e o documento de Américo Cardos Botelho.
Talvez esteja a fazer involuntariamente publicidade ao livro, mas há tanto e tão bom para ler em português que é despiciendo perder-se tempo a comprar um livro destes.
Vocês dirão: Mas tu leste-o!!!!

Fernando Pereira
17/11/08
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