30 de maio de 2010

Marx- Tendência Groucho (I) / Ágora / Novo Jornal / Luanda 28-5-2010



Em Luanda decidiu-se quase varrer Karl Marx de todo o lado!
Vamos por partes, a rua Karl Marx dos tempos do “Científico”, passou hoje a chamar-se a avenida de Portugal, embora prolongando-se para a Frederich Engels, e cruzando-se com a Av. Lenine, que tem sido servida de alguns desníveis, em forma de viadutos. A verdade insofismável, é que a lógica da toponímia dos tempos da ditadura do proletariado, sofreu um perigoso revés, ao amputar-se uma das três matrizes fundamentais do “M-L”, e ao caso o iniciador.
Em tempos houve em Luanda um Instituto Médio Karl Marx, que partilhava as instalações e o nome com Makarenko (1888-1939) um pedagogo russo, com uma obra interessantíssima sobre educação, sociedade e intervenção educacional integrada no processo produtivo. Esse instituto que funcionava nas antigas instalações da Escola Industrial, no tempo do colono, chama-se hoje Instituto Médio Industrial de Luanda, e mais uma vez do nome Marx, fica a lembrança, dos que por lá passaram como alunos e professores, onde me incluí, ainda que por pouco tempo.
A livraria Karl Marx, julgo que também terá sido erradicada, o que convenhamos não me surpreende, pois penso, já ter havido outra apetência para a leitura no nosso País, ao invés do que acontece presentemente, aguardando que seja apenas um pequeno acidente de percurso nas motivações e solicitações culturais das pessoas. Talvez este deslumbramento, pela frenética economia de mercado, com o seus adereços, trajes, linguajar e costumes diferentes, possa vir a esbater-se, e se recuperem os tempos da leitura enriquecedora.
Com esta saga destruidora do “Marxismo” na sociedade Luandense, sobra o Cine Karl Marx, que se vai mantendo, desde que o colonial “Avis” mudou de nome, uma das mais emblemáticas salas de espectáculo da cidade de Luanda, no bairro de Alvalade, onde a média burguesia colonial angolana começou a fazer as suas vivendas, algumas delas de gosto duvidoso, situação que pelos vistos se perpetua de forma generalizada nas construções que enxameiam a cidade. Atrevo-me a chamar à Luanda de hoje, a cidade “Ray-Ban”, tal a quantidade de vidros espelhados que cobrem os edifícios.
Deixando o Karl Marx, espero que nalgumas das suas concepções de sociedade, por pouco tempo, apetece-me dar uma volta pelos cinemas da cidade, marcantes no meu quotidiano evolutivo de homem.
O “Restauração”, magnífica obra de arquitectura dos irmãos Castilho, que depois teve no que era o bar o cine “Estúdio”, é hoje a Assembleia Nacional, o que muito enobrece o espaço.
Frequentei aquele cinema muita vez, principalmente nas longas férias de Verão, e recordo-me que invariavelmente lá estava todas as matines, umas quantas vezes a pagar, outras à borla, ou a senhora da bilheteira não fosse minha prima, que como se vê o favor familiar, já se herdou do tempo do colono.
O “Colonial”, ali por detrás da Missão de S. Paulo, foi sempre a imagem que descobri no “Cinema Paraíso” (Giuseppe Tornatore-1988), e de emblemático, passou a abandonado até à sua demolição, para parque de viaturas; Convenhamos que até aqui há semelhança com um dos “cem filmes que temos que ver antes de morrermos”! Mas foi pena o velho Clo-Clo ir abaixo.
O “Império”, hoje” Atlântico” é um cinema onde me recordo de ter visto “O Musica no Coração”, de Robert Wise (1965), em que a Julie Andrews, então uma jovem, punha invariavelmente a chorar o empedrado da calçada, quando teve que se assumir como substituta da mulher perdida de Von Trappen, um militar anti-nazi, com uma resma de filhos, que passavam a vida a cantar, entre relvados e flores! Um idílio perfeito. Vi lá muitos outros, mas não me era um cinema particularmente simpático. Em 1974, um grupo de cidadãos, conseguiu evitar a exibição de um tenebroso filme racista, “Morte em Entebe”, aviltante para os africanos!
(CONTINUAÇÂO)
Fernando Pereira

24 de maio de 2010

Era bom que se fossem lembrando!/ O Figueirense/ 21-5-2010


Era bom que se fossem lembrando!

Quarenta e três anos depois do assalto à dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz (17 de Maio de 1967), feito por Palma Inácio, Camilo Mortágua e outros, onde levaram a quantia de 29.274.360$00 (aproximadamente 164.020 euros), na mesma cidade, assisti a mais um assalto à inteligência desportiva do país. O programa “trio de ataque”, vem todos os anos até à Figueira, fechar a época, e a verdade é que é um programa igualzinho a todos os outros sobre desporto, uma perfeita quase inutilidade e o reduzir o futebol à estultícia generalizada.

De todos é provavelmente o menos mau, embora já tenha assistido num destes programas em que o comentador de um dos clubes resolveu colocar a equipa a jogar em 4,5,3 losango!!! Não vou dizer qual deles foi, mas garantidamente não foi o mais sóbrio de todos, o Rui Moreira!

Estamos no fim da época desportiva de modalidades de salão, ginásio, pavilhão e estádio, e temos que admitir que foi um ano atípico, com derrotados surpreendentes e com campeões que só viram a luz no fundo do túnel na última jornada do campeonato, isto falando do campeonato da 1ª divisão nacional de futebol.

Terão surgido circunstancias várias, como a vinda do Ratzinger a Portugal, as cinzas da Islândia, o ultimo ano de mandato do Lula, o não apuramento do Ginásio Figueirense para os play-off do campeonato de basquetebol, terem subido os impostos depois de repetidas vezes ter sido reafirmado que nunca seriam aumentados, não haver festival de cinema da Figueira da Foz este ano (!!!!) e o Vara não ter sido falado para a presidência do Benfica, ou do Berardo Shoping, onde é um Bem Amado forever.
Já agora, também porque o Baltazar Garzon foi suspenso, porque há crimes que foram feitos para se perpetuarem nas catacumbas, longe da memória colectiva dos povos, e os seus responsáveis poderem viver de bem consigo, “Por Dios e la Patria” (Sinais de Fogo, Jorge de Sena, provavelmente o melhor romance português do século XX).

Já que estivemos a falar de desporto, não de cultura física, mas de recreação, posso dizer que em Portugal, o FC do Porto apenas teve até hoje um presidente preso, que foi Afonso Pinto de Magalhães, por ter sido o único da grande finança que apoiou Humberto Delgado (Ver Negócios Vigiados, excelente livro de Filipe Fernandes e Luis Villalobos).

Hoje fico-me por aqui, para não me acusarem de escrever bué!
Mas ainda fui a tempo de me lembrar do “cantinho do Morais”, do Mário Simões. O João Morais morreu a semana passada. O Mário Simões, bom amigo, um figueirense, e só é pena estes devaneios, como o disco que ilustra o artigo, que coloquei violentando-me de uma forma, que só os que muito considero merecem!
Fernando Pereira

Este artigo foi publicado no blog Zas-Tras, que por sua vez foi remetido para as paginas de opinião do semanário "O Figueirense", da Figueira da Foz

21 de maio de 2010

O Infante Branco/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 21-5-2010



Desculpem o arrojo desta crónica, mas como faço anos por estes dias, tenho o direito a este devaneio, porque como diria Chaplin, “tenho a impressão que os homens estão perdendo o dom de rir”, ou mesmo do mesmo "Através do humor nós vemos no que parece racional, o irracional; no que parece importante, o insignificante. Ele também desperta o nosso sentido de sobrevivência e preserva a nossa saúde mental”
Hoje resolvi introduzir este tema!
Por falar em introduzir, hoje vou falar do paquete Infante D. Henrique, essa jóia da ex- Companhia Colonial de Navegação, fundada por Bernardino Correia, um homem com muitas participações em Angola, onde viajei algumas vezes entre Lisboa e Luanda e ” versa ou vice”.
Para falar do paquete em causa, tenho de começar por falar do próprio Infante. O Henrique de Lencastre era filho do João e Filipa, que já nesse tempo era um nome da moda, e fazia parte da Ínclita Geração, e de facto era uma significativa parte da visão do que se tentava incutir na «raça» portuguesa ao longo dos séculos.
Essa tal ínclita geração tinha de tudo um pouco! Um gestor da treta que cavalgava em toda a sela, mas que se esquecia de deveres conjugais mínimos, que eram usurpados por outros cavaleiros e quiçá alguns pajens; Estou a falar do Duarte, depois um Pedro que era galfarro, e também enchia páginas da "Caras", e outras revistas mundanas ou “nundanas” do tempo, havia o Fernando, que levou na mona dos mouros em Ceuta, que virou santo, o que hoje seria fácil ao ritmo a que são feitas beatificações. Aqui uma certa semelhança com o F. C. Porto no tempo do fascismo, em que os clubes de Lisboa tudo ganhavam, com o beneplácito do regime. Roger Moore era Santo, porque atacava umas moças em filmes de alguma acção e beijoca a esmo.
Ainda havia duas infantas, que nunca entraram na dita ínclita geração, e devem ter sido sepultadas em Mouriscas do Vouga, pois não estão ao pé da “malta” na Batalha das Imperfeitas Capelas, ao pé de um infeliz, ou um conjunto de ossadas de uns infelizes, a quem em vida nunca perguntaram se porventura se importariam de ser soldado desconhecido, só para ser guardado toda a eternidade por infelizes conhecidos, com horário rígido copulado com um “faceas” esfíngico.
O quarto da Ínclita, já que eu a bem dizer ainda prefiro os quatro de Liverpool, era o Infante D. Henrique!
O Infante era um homossexual assumido, que ia passeando pelas praias da costa com cosmógrafos italianos, que iam fazendo umas cartas de marear para o achamento de novos territórios. O Henriquinho de Lencastre era um tipo mal vestido, todo de negro, tipo anúncio da Sandeman, com uma tez de quem sofria da figadeira, com um bigode de carpinteiro de uma construtora estrangeira em Angola, e com um chapéu ao estilo de Matta-Hari. Ele lá corria as praias todas, com os cosmógrafos e compassos italianos na sua peugada, e era bom e bonito, o que eles faziam nas falésias de Sagres ou na” Meia Praia ao pé de Lagos”, como 500 anos depois cantava José Afonso.
Enquanto os italianos se entretinham com as cartas de marear, o Infante ia mareando nas faldas da Serra de Monchique, à procura de padrões de aspecto fálico para colocar em todas as possessões a achar, de forma a perpetuar em "Novos Mundos ao Mundo", também a sua ousada opção sexual, que a coberto da linhagem, possibilitava que a Igreja fosse permissiva” indulgendo” um pecaminoso nobre.
E eis que Portugal penetrava, pelos vistos por penetração também na epopeia dos achamentos.
Em Luanda o largo do Infante, era em frente ao Baleizão, onde conviveram várias arquitecturas e actividades. No centro do largo removido um canteiro, onde estava uma placa, que perpetuando-se o colonialismo iria dar uma estátua do Infante, surge hoje um monumento, desinteressante arquitetónicamente, mas de grande significado na cooperação entre o povo angolano e cubano.
O conjunto de prédios ao lado do Continental, só aguardam mais umas chuvadas, para que o camartelo actue, e o Treme-Treme, passará a um anexo do que se por lá construir. A fábrica de sabão, hoje abandonada à espera do centro comercial, que dava um cheiro inconfundível à praça em tempos idos, vai-se convenientemente deteriorando. Sobra o prédio cor-de-rosa do Café Baia, estilo português-suave dos anos 50, ex-libris da marginal, mandado construir por um roceiro do Uige, Leonel Arroja, que segundo se consta tinha opções bem divergentes do Infante D. Henrique, o que lhe terá abreviado a sua vida, pois escolhia raparigas novas, e deu razão ao ditado: “Homem velho com mulher nova, uma mão a empurrar para a cova”
E eu que ia falar do paquete “Infante D. Henrique”, que tinha um pianista que presumivelmente tocava melhor que o Bill Evans, mas havia gente que discordava, sem tampouco o terem ouvido numa dessas viagens de vice-versa!
Desculpem, esta linguagem homofóbica, mas calhou!
Fernando Pereira
16/5/2010

14 de maio de 2010

A Sombra do que fomos/ Ágora / Novo Jornal / Luanda 14-5-2010



“Às minhas companheiras e companheiros que caíram, que se levantaram, curaram as feridas, conservaram o riso, registaram a alegria e continuaram a caminhar”
Luis Sepulveda in “A Sombra do que fomos”

Muitos estudiosos da literatura contemporânea da América Latina, divergem em muita coisa, mas são unânimes em colocar William Faulkner (1897-1962) como o “alter ego” do romance latino-americano.
Sou um admirador confesso de toda a literatura americana, exceptuando os entediantes Harold Robbins, e a sua versão mística na expressão portuguesa, Paulo Coelho, ou um Nicholas Sparks que escreve livros que me parecem pão de forma, de uma qualquer prateleira de supermercado, em que a diferença acaba por ser entre o ter côdea ou ter sementes de sésamo e outros ingredientes tal como o E-952,E-951,E-950, e todos os Es com que hoje nos habituámos a conviver no “caminho do futuro”.
Li num ápice o último livro do talentoso Luis Sepúlveda, “A Sombra do que fomos”, e sem ser o mais brilhante, este livro mordaz, irónico e inteligente reflecte a nostalgia dos tempos que antecederam o 11 de Setembro de 1973, os tempos de exílio, as cumplicidades e as capitulações, que não terão sido exactamente traições. O livro é apesar de tudo um reencontro de emoções, paixões e a procura de motivações descomplexadas, com um passado vivido de forma desencontrada quase quarenta anos.
Talvez fosse um livro interessante para servir de “manual de utilizador”, para encontros destes na sociedade angolana actual, para de certa forma “tirar os esqueletos dos armários”, figura muito comum na linguagem anglo-saxónica, que a língua portuguesa utiliza como “abrir arcas encouradas”, que acabasse com os clichés da moda para determinadas motivações obscuras, e resquícios de coisas menos boas para justificarem apropriação indevida de bens tangíveis, com argumentos estafados, só mobilizadores de ideologicamente ineptos.
A verdade é que Sepulveda, me fez “marinar” em muita coisa, nalgumas em que fui actor e noutras em que terei sido interessado e quiçá por vezes pouco informado espectador. Veio-me à lembrança muitas coisas, desde as que aparentemente serão mais pueris, às mais elaboradas e assumidamente com outra exigência no “maturidrómetro”, que vamos utilizando para medir a nossa vida e vivencias circunstanciais.
Lembrei-me por acaso do meu amigo Mário Simões, com quem passei muitas noites em vários locais, a ouvi-lo tocar e cantar com um profissionalismo inatacável. Não me lembrei dele por ter feito umas canções do Benfica (o Bota de Ouro) e do Belenenses (ser Belenenses), ele que era um fervoroso adepto do Sporting, autor do célebre “Cantinho do Morais” entre várias, mas lembrei-me dele porque entre os seus grandes êxitos, tocados no Tropical, ou no Páteo do Hotel Universo, havia os célebres “Lápis do Lopes”, e a “Borracha do Rocha”, que andou os últimos vinte anos de carreira sem cantar, mesmo rejeitando insistentes pedidos, afirmando que “teve a sua época”, e mais não dizia!
A propósito da “Borracha do Rocha”, ele contou-me que a seguir ao 25 de Abril de 1974, as pessoas perguntavam-lhe se aquilo não era uma “afirmação sua contra a censura, já que era uma letra ousada”, e o Mário Simões, com a honestidade intelectual que sempre o caracterizou, disse que saiu-lhe aquela letra e musica como podia ter saído outra qualquer, o que desalentou os jornalistas.
Talvez haja alguma semelhança com a canção “Os Vampiros” do José Afonso, e o refrão “Eles Comem Tudo, Eles Comem Tudo e Não deixam nada…”. Havia uns tipos que invadiam as “repúblicas” coimbrãs nos anos 50 e 60, comiam o que havia e deixavam as despensas vazias, daí a canção, que se transformou numa emblemática canção de combate, adaptada a denunciar abusos iguais em latitudes diferentes!
Há já bué de anos, numa noite quente de Luanda no apartamento do Orlando Rodrigues, ouvíamos Thelonious Monk (1917-1982) numa virtuosa interpretação, que na altura me mereceu apenas isto: “Acho o Mário Simões melhor!”. O Orlando “atirou-se ao ar”, mas hoje admito que o Monk foi o maior de todos os tempos!
O Mário Simões era meu amigo, e assim fomos até ele morrer!
Fernando Pereira
11/05/10

7 de maio de 2010

PALAVRAS CRUZADAS/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda- 7/5/2010




«Não tem direitos por isso compra favores. Fica a dever favores. Faz favores. Para pagar os favores. Compra novos favores. Fica a dever favores. Faz novos favores. Para pagar os favores faz favores. Paga favores. Gosta assim. Não tem direitos. Prefere favores. Gosta assim. Os direitos não se vendem nem se compram e ele tem alma de traficante».
Alberto Pimenta (1973)
Este poema traz-me à memória, um conjunto de poetas, que em determinados momentos das suas vidas, resolveram não calar o inconformismo por tudo o que estaria à sua volta.
Hoje, dei uma volta a pé pela cidade de Coimbra, e quando me sentei no café Tropical, que anda em comemorações dos seus sessenta anos, lembrei-me de várias pessoas que me ajudaram a moldar ideias, a fortalecer valores e objectivamente a fazer escolhas ideológicas, e uma clara afirmação de opção de classe, algo que desapareceu quase por completo do léxico político, do comum dos cidadãos com responsabilidades políticas de mando.
Está diferente, o Café Tropical, mas não o suficientemente diferente, para olhar para os locais, onde revi sentado o Joaquim Namorado (o tal do “Aviso à Navegação”), o Orlando de Carvalho, que embora falando para si com os ouvidos dos outros, era um verdadeiro senhor, culturalmente do melhor com quem tive o privilégio de conviver, o Soveral Martins, que com o Manuel Rui Monteiro e outros “românticos” puseram de pé “A Centelha”, editora marginal, talvez inspirada no poema do Sebastião da Gama: “Pelo sonho é que vamos/ comovidos e mudos… . Era lá que encontrava Zeca Afonso nas suas vindas a Coimbra, para tentar atrasar a doença que o minava, e ainda é por lá que vou encontrando o Fernando Martinho o Henrique Faria, o Ferreira Mendes, dedicadíssimos amigos, excelentes esculápios, sempre disponíveis para tratar da sua gente de Angola, que os procura porque os conhece, ou porque conhece alguém que os conheça a eles. Parou por lá Orlando Rodrigues, Fernando Sabrosa, Óscar Monteiro, Aníbal Espírito Santo, Garcia Neto, Eurico Gonçalves, Roberto Monteiro, Luís Filipe Colaço e seu irmão, Nene Pisarro, Saraiva de Carvalho e tantos de muito boa gente que não fazendo vida de café, ajudou à mesa do café Tropical decidir muito da vida colectiva de muitos, e de cada um.
Carlos de Oliveira, João Cochofel, Fernando Assis Pacheco, José Carlos de Vasconcelos, tiveram poiso certo no Tropical antes de debandarem para outras paragens. Em determinada altura 60m2 de sala, distribuídas por oito mesas, apertadíssimas conseguiam reunir um pouco da elite intelectual de Portugal e colónias, em circunstancias que as pessoas terão pensado que nunca se chegaria a situações que vamos vivendo, sintetizada na velha frase do nosso descontentamento, e do esboroar dos sonhos: “Não foi isto que combinámos!”
Porque me apetece recordar Joaquim Namorado, que tanto me ensinou, menos Matemática, e convenhamos bem tentou, aqui fica o seu poema: “Fábula”
No tempo em que os animais falavam/ Liberdade! / Igualdade! / Fraternidade!
Fernando Pereira
2/5/2010

1 de maio de 2010

Eyjafallajokull /Ágora/ Novo Jornal / Luanda 30-4-2010



Os Islandeses, que vivem num território com intenso cheiro a enxofre, empanturram-se de peixe e cordeiro, Inverno de Janeiro a Janeiro, e com uma língua imperceptível a quase todos os estrangeiros, devem neste momento rir-se que nem os perdidos, da partida que fizeram às economias mundiais.
A Islândia foi praticamente relegada para a insolvência, resultado da crise internacional dos mercados financeiros há um ano e meio atrás. O vulcão, que invariavelmente os atormenta de tempos a tempos, o serviu para fazer parar durante cinco dias a maior parte do tráfego aéreo europeu, com péssimas consequências para a economia de países, companhias aéreas, hotelaria, comércio, indústria, em suma, um pouco em todos os sectores de actividade neste imenso mercado mundial. Foi a vingança dos Islandeses, que até resolveram dar um nome impronunciável ao vulcão, e conseguiram parar as fortes economias, que lhes ditaram uma espartana forma de vida.
Desígnios do vulcão Eyjafallajokull!
No meio disto tudo, é bom recordar “Under the Volcano” (1984), um filme notável de John Huston, com a interpretação soberba de Albert Finney e Jacqueline Bisset.
Já que se fala em filmes, e porque se falou em destruição, quero fazer menção a um livro recente de arquitetura, em que a capa é o quase esqueleto do que foi no tempo colonial o orgulho dos lobitangas, o cinema “Flamingo”(1963), projectado pelo enorme arquiteto do Lobito, Francisco Castro Rodrigues.
O “Moderno Tropical”,arquitetura em Angola e Moçambique 1945-1978, é trabalho interessantíssimo da arquiteta Ana Magalhães(1965), partilhada com a fotógrafa Inês Gonçalves (1964), que fazem um levantamento muito exaustivo do acervo arquitetónico moderno de Luanda, Lobito, Lourenço Marques (Maputo) e Beira.
No que a Angola diz respeito, é feita uma recolha muito pormenorizada do património edificado, os detalhes da sua construção e materiais utilizados, sua funcionalidade ao tempo e na actualidade e a marca do arquitecto. Esta geração de arquitetos, deixou em Angola,património edificado de inegável valor, que só a estultícia permite a sua continuada degradação e desaparecimento, servindo os “nobres” interesses da iniquidade imobiliária, disfarçada pelo chavão do progresso.
Entre texto de investigação e imagens, ficamos a conhecer o belíssimo trabalho de oito arquitectos portugueses, que no contexto colonial africano puderam aproximar-se da vanguarda da arquitectura moderna, enquadrada no que ficou conhecido como Movimento Moderno.
No prefácio, Ana Tostões sinaliza algumas das razões que levaram dezenas de arquitectos portugueses (sobretudo os da Escola do Porto) a emigrar para aquelas duas Colónias: «É justamente essa geração de arquitectos, politicamente amadurecida como nunca o fora a geração dos anos 30 modernistas, que vai fazer a diferença e mergulhar na contemporaneidade. Cheios de força e com a audácia da juventude vão fazer a ‘utopia moderna em África’.»
Uma das facetas interessantes do livro, feito por duas jovens que nada tem a ver com África, é o facto de não terem um olhar nostálgico, o que dá um valor acrescido ao trabalho. Vasco Vieira da Costa (1911-1982), Francisco Castro Rodrigues (1920) e Simões de Carvalho (1929) são alguns dos escolhidos pelas autoras, de um livro encomendável e rigorosamente recomendável.
Em jeito de remate final fica o depoimento sobre o “Flamingo”, pelo facto de hoje estar transformado numa escola, onde as crianças se sentam para ouvir a aula, com o anfiteatro vazio, e o ecrã reflecte as sombras que o sol vai deslocando ao longo do dia. Diz Ana Magalhães: “Claro que associamos estes cinemas ao glamour dos anos 50 e 60, e gostamos de imaginar como seriam na altura. Mas a arquitectura e as cidades são coisas evolutivas e é, de certa forma, um privilégio para estes miúdos estarem aqui. É um recreio natural, entre os mangais e o mar. Não está abandonado. Está degradado mas tem vida”.
Uma excelente publicação editada pela Tinta da China, que irá merecer novos comentários.

Fernando Pereira
27/4/2010
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