19 de abril de 2017

Joaquim Gil - Um homem de causas!



















Texto que publiquei no livro coordenado por mim de homenagem ao Dr. Joaquim Gil.


Muitas vezes é preciso um mau motivo para fazer a coisa certa.

                Um grupo de amigos do saudoso Joaquim Gil reuniu um conjunto de textos, fotos e alguns depoimentos, e concebeu este livro  que nos ajudará a perpetuar a estirpe intelectual de um amigo que nos deixou tão de repente. Ainda hoje achamos que “tudo não passou de um sonho mau que não acabou”.
                Fiquei com a incumbência de juntar o que parecia ideal para  se conseguir fazer um trabalho que possibilitasse a todos aquilatar da excelência intelectual do Joaquim Gil e, simultaneamente,  permitisse vincar valores que sempre lhe foram caros ao longo da sua vida intensa: a liberdade, a justiça e a solidariedade.
                Conheci o Joaquim Gil nos idos setenta do século passado, num tempo de tanta esperança e certeza. Os tempos seguintes vieram demonstrar quão enganados estávamos. O Joaquim Gil, ideologicamente, assumiu a máxima de Willy Brandt : "Quem aos vinte anos não é comunista não tem coração. E quem assim permanece aos quarenta anos não tem inteligência". Nunca renegou a sua passagem pela militância comunista donde se afastou no dealbar dos anos 80 do século passado.
                Dos tempos do PREC recordo esta frase que encontrei, escrita pelo seu punho, num dos muitos papeis por onde andei a “vasculhar”:” Quem não viveu, esqueceu ou renunciou às delícias das ilusões desses grandes dias nunca vai conhecer o exato perfume das flores”. Não sei quem é o autor, mas achei que o que vivemos era mesmo isto.
                Um profissional brilhante, respeitado pelos seus pares e por todos os agentes do universo da justiça, onde granjeou enorme prestígio, pelo brilhantismo das suas intervenções e pelo profissionalismo e empenho com que defendia as suas causas.
                A ligação de Joaquim Gil ao universo desportivo, enquanto dirigente, manteve-se ao longo de muitos anos em Coimbra e na Figueira da Foz.  Continuei a vê-lo ligado ao associativismo e com ele me habituei a partilhar das preocupações de um tempo que cada vez vem sendo menos propiciador de voluntarismos.
                Sophia de Mello Breyner Anderson sintetizou o que me “vai levando” neste tempo em que empobrecemos quando o perdemos naquela infausta noite de janeiro de 2015: “A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora”.
                O Joaquim Gil era um homem de juntar pessoas de matizes políticas diferentes, de atividades profissionais diferenciadas, e tinha um prazer enorme em proporcionar uma discussão e nunca a deixar esmorecer. Conseguia, assim,  por vezes, colocar toda a sua capacidade de intervenção  e alguma sagacidade para que fossem aprofundados os temas, assumindo a dose certa de provocação.
                Aglutinava na sua mesa de café, em Coimbra e na Figueira da Foz, muita gente que sente hoje muito a sua falta, e que o acompanhava pela capacidade de sedução que imprimia às relações com as pessoas, algo que lhe reconheço desde os tempos da juventude.
                Divergimos politicamente muita vez, mas até nisso, às vezes, me desconcertava por não alinhar com estereótipos do pensamento politico recente, e isso valeu-lhe ter perdido a confiança de alguns servidores dos aparelhos partidários.
                Foi sempre cioso da sua liberdade de pensar e, como nasceu no seio de uma família   onde a educação, o respeito e a dignidade da pessoa eram valores que não poderiam ser beliscados,  estavam sempre presentes mesmo nas discussões mais pueris de um homem que sempre esteve bem com a vida.
                Indefetível portista, vivia o Futebol Clube do Porto com toda a intensidade que o clube merece e, nos momentos em que este ganhava, rejubilava e provocava os adeptos de clubes adversários, aceitando de forma contida quando estes ganhavam!
                José Gomes Ferreira, no funeral de Ferreira de Castro: “Quando um amigo morre que nos resta senão ressuscita-lo”
                Foi o que tentámos fazer aqui e acho que o conseguimos todos os dias. Para mim ainda hoje é um luto difícil de abandonar.


Fernando Pereira            
                                        

                        
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