22 de janeiro de 2016

Futebol por causa!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 22-1-2006



Futebol por causa!
Vou retomar o tema do futebol no contexto colonial, recuperando o tema do recente artigo que fiz para este jornal com o título “Desporto por linhas entortadas”!
“Football is not a matter of life and death; it’s much more importante than that” (O futebol não é uma questão de vida ou de morte; é muito mais importante do que isso), referiu a propósito do futebol, Bill Spankly, um dos mais importantes treinadores do futebol mundial, que esteve à frente do Liverpool de 1959 a 1974.
O futebol desempenha um papel preponderante na transmissão cultural intergeracional. Com os anos, o futebol, tanto a sua prática como o seu consumo enquanto espetáculo, tornou-se um elemento fundamental da relação entre pais e seus filhos no quotidiano de vida.O futebol atenua algumas das ruturas que a vida do dia-a-dia provoca no seio das famílias!
Em 1953, o Goal fez uma outra reportagem sobre o futebol dos subúrbios, desta vez a propósito de uma competição organizada pelo próprio jornal:” Dois terços da cidade vivem para além da cidade formada pela Brito Godins (hoje conhecida no anedotário luandense pela Brito Lenine), Emílio de Carvalho (Hospital Militar) e a estrada denominada da Circunvalação. Do Mota ao Sambizanga, do Pedrosa ao Cayate, da Pepita às proximidades do Braga, todos aqueles musseques fervilham de vida, numa amálgama impressionante de gentes de diversa condição rácica, económica e social. Mais de 100 mil indígenas coabitam com alguns milhares de brancos e mestiços (…) Aos sábados e aos domingos toda aquela vasta zona populacional se anima. São os bailes e as reuniões, os batuques e os “risca-risca”, vibrantes harmonias e ritmos, produzindo ruídos que mordem singularmente o silêncio da noite”
Nos campos da Boavista e da ESMIPA (propriedade da Missão de S. Paulo, onde os padres asseguravam a organização e a segurança) havia pouco mais do que as balizas. Salientava a reportagem a utilidade do desporto com um velho argumentário:” Os rapazes precisam de quem os oriente (…) assim não vão para a taberna”.
O regulamento do torneio determinava duas condições fundamentais para a participação. Por um lado só podiam concorrer clubes não filiados na Associação de Futebol de Luanda (AFL). Procurava-se com esta medida convocar um conjunto de clubes que se encontravam afastados da organização oficial do futebol local e das suas competições, revelando uma intenção inclusiva. Noutro sentido, o regulamento excluía os jogadores que não possuíssem o estatuto de “assimilados”, o que significava que os “indígenas” ficavam de fora.
Nesse mesmo ano de 1953 o Presidente da AFL sugeriu a necessidade de ser criada uma segunda divisão do campeonato local que “serviria para regular a vida dos inúmeros clubes existentes na área urbana da cidade”. O torneio iniciado em Julho foi um teste, em que se colocaram os clubes de “assimilados” na segunda divisão. O campeonato decorreu no campo do Ferrovia e participaram o Bungo, o Malhoas, o Vasco da Gama, o OK Clube, o Canaxixe, o Vila Clotilde, o Ocidental e o ASA. Integrados os “assimilados” na vida colonial, os clubes formados por “indígenas” continuaram a organizar o seu campeonato, no campo da Boavista.
No projeto colonial, o desporto não desempenhava um papel decisivo. A Liga de Football de Luanda nasceu em 1914 (a AFL em 1929). O Conselho Provincial de Educação Física surgiu em 1956. O Sporting de Luanda surge em 1920 e o Sport Luanda e Benfica em 1922, clubes marcadamente elitistas. Acompanhando o ritmo de crescimento da população colona, as delegações do Benfica e do Sporting espalharam-se por todo o território, sendo os únicos focos de associativismo colono em algumas localidades. A popularidade destes clubes alargou-se e passou a haver disputas clubísticas no informal jogo de rua, em que as equipas escolhiam os nomes desses clubes para se defrontarem.
As grandes empresas viram no futebol uma forma excelente de poderem dar aos trabalhadores uma forma organizada de gestão do seu pouco tempo livre, e por exemplo a Diamang fazia campeonatos internos entre os trabalhadores das suas minas. A organização desportiva criada dentro da própria empresa, tanto na sua vertente de oferta de lazer, sem objetivos competitivos, como enquanto base de constituição de clubes desportivos a competir em provas oficiais, reproduziu formas prevalecentes de descriminação e desigualdades sociais.
Como a própria hierarquia das empresas revelava uma estrutura social que reforçava as lógicas de desigualdade económica, étnica, religiosa e de género, a oferta de desporto era feita discriminatoriamente.
Este tema suscita-me particular curiosidade, e penso que não se esgotará num conjunto de crónicas que tenho feito sobre o desporto no período colonial. Faz parte de um projeto que tive em mente desenvolver quando fui o 1º diretor do Centro Nacional de Documentação e Informação da ex- Secretaria de Estado de Educação Física e Desportos, mas que por razões do foro pessoal me foi impossível levar a bom termo, apesar do entusiasmo de todos no Organismo e do apoio nunca regateado.
Voltarei, e quero desde já agradecer a contribuição do Professor Dr. Nuno Domingos, através do seu trabalho, “O desporto e o Império Português”, sem o qual estaria limitado na organização, de um conjunto de dados que pudessem dar corpo a estas crónicas!

Fernando Pereira
13/1/2015

Related Posts with Thumbnails