26 de abril de 2008

Dar Asas à Memória II/ Ágora/ Novo Jornal/ 18 Abril 2008



Dar Asas à memória (II)

Voltando à Luanda dos primeiros 50 anos do sec.xx, vem à “lembradura” dos mais velhos, a “horta do Raposo”, a “Casa dos Contos”, onde funcionou a repartição de Fazenda, a “Casa dos Lencastres”, e o “Palácio dos Fantasmas”, o mercado do “Kaponte” e ainda o tiro de canhão da fortaleza para dar o meio dia à cidade. O bairro do “Zangado”, o “Braga”, as marchas do “Kazecuta” ou a “Caxa Corneta”, marchas carnavalescas dos antigos, já não são nostalgias, porque quem as viveu, já quase não está cá para contar. A estação da cidade Alta, onde depois funcionou uma feira popular muito fraquinha, mas que foi onde pela primeira vez na vida ganhei uma resma de panelas, algo que nunca mais sucedeu. Sorte de principiante!
Este “folhetim”começou com o “Aeródromo Emílio de Carvalho”, e daí começámos a lembrar divagando e “devagarando” a Luanda de outras eras.
Essa “Linha Imperial” ao tempo fazia Lisboa a Luanda quase 31h, uma vez por semana, patindo o avião numa rota esquisitíssima por Leopoldville (Kinshassa),Elizabethville (Kissangany), Salisbury (Harare) e Lourenço Marques (Maputo), onde a tripulação descansava um dia e ei-los de volta pelos mesmos lugares até Lisboa, com uma paragem em Luanda de um dia e duas noites.
Inicialmente as tripulações ficaram no Hotel Avenida, ali na baixa, na Rua Sequeira Lukoki, e que segundo se dizia era “ o melhor de Luanda”, e em que os hóspedes reafirmavam que era um “hotel que reunia todas as carências e todos os factores negativos indesejáveis para um hotel condigno”.
Passaram depois pelo “Grande Hotel de Luanda” ali para os lados da Rua dos Mercadores, que está hoje em adiantado estado de degradação, e aqui lembro-me duma sala de jantar notável, com uns desenhos lindíssimos na parede de uma sala avarandada, que dava para um magnífico quintal com umas mesas debaixo de um caramanchão de buganvílias cor de rosa. Era de facto um excelente edifício, exemplar de um tempo em que se revelava algum bom gosto por parte de certa burguesia na capital.
Nesse tempo, ar condicionado só havia em edifícios governamentais, a luz ia e vinha, coisa que não faziam os mosquitos que vinham e ficavam, e nem os mosquiteiros aguentavam os seus assaltos. Era o tempo dos Petromax e das velas, que com a humidade deixavam um cheiro característico que incomodavam quem visitava Luanda, pela primeira vez.
No deambular por hotéis, os protagonistas destas aventuras, referenciavam ainda o “Atlantic Palace Hotel”, que era um edifício marcante, e que já foi abaixo, e que era um dos mais bonitos exemplares de “Arte Nova” em Luanda, ali na Rua Direita de Luanda (Muito mal chamada de Major Kanhangulo, pois era chamada de Rua Direita, porque foi a primeira “avenida” da urbe. Era rua direita porque todas as outras eram tortas). Esse hotel tinha uma varanda lindíssima, onde debaixo de uma pérgula de uma linda trepadeira, frente a um jardim de palmeiras, se tomava o melhor café de Luanda, segundo rezam as crónicas, e onde se congeminavam independências de Angola quase mensalmente, tendo sempre como factor de unidade a base do cálice de um qualquer cognac francês ou português de Gaia.

19 de abril de 2008

Dar Asas à Memória I/ Ágora/ Novo Jornal/ 18 Abril 2008




Dar Asas à memória (I)

Este artigo vai ser por episódios, por limitações inerentes à paginação do jornal, e porque resolvi dar uma volta a uma Luanda de outros tempos, que eu não vivi, mas que tento reproduzir de conversas que fui ouvindo ao longo de anos, em muitos lugares onde se passei e fui retendo imagens e sons para “memória futura”, que aqui tento reproduzir.
Começo pelo primeiro “aeroporto” de Luanda .Foi o “Aeródromo Emílio de Carvalho”, que teve inicialmente uma pista de aterragem de 600 metros, em macdame, que segundo diziam os aviadores dos Dakotas do fim dos anos 40, era apenas um lugar de “talvez”, pois eram imprevisíveis os resultados do aterrar ou levantar das aeronaves com segurança. Para além de ser uma pista “liliputeana”, havia o acrescido perigo com os buracos, não porque estivesse permanentemente esburacada, mas porque a pista teria sido construída sobre um antigo cemitério, o que permitia que não raras vezes o avião, ficasse com rodas do trem de aterragem dentro dessas covas com quase 2 metros de profundidade, o que naturalmente levantava problemas gravíssimos para a substituição pronta de peças.
Na “Linha Imperial”, nome que o general Humberto Delgado hiperbolicamente designou a rota aérea, pelas então colónias portuguesas em África, a TAP teve necessidade de passar a operar com o avião Skymaster, e houve necessidade de construir paralelamente á pista existente, uma outra de 1000m, em que este tipo de aviões pudesse operar sem grandes problemas.
Este “Aeródromo”, tinha as suas instalações no local onde hoje está instalada a Unidade Operativa Central dos Bombeiros, onde ainda se pode ver o que resta do hangar. A pista ocupava o terreno onde hoje se encontram alguns edifícios governamentais, escolas, pelo que o espaço aeroportuário era entre a Avenida Comandante Gika e a“Tourada”.
Era a cidade do “Comboio-bébé”, que percorria lentamente a marginal até à Igreja do Cabo, os “maximbombos” do Crista, o “batelão”, a loja do “Simão”, a tresandar a fuba, o “Catonho-Tonho”, vendilhão de anzóis, os gasolinas da “Carolina” nas “portas do mar”, a “Ponta da Mãe Isabel”, hoje Porto de Luanda, o Largo da Mutamba, com o seu caramanchão de buganvílias lilazes, a secular mulembeira, que albergava os táxis do “Costa Leite”, enfim dos tempos de uma cidade de salubridade duvidosa, pequenina, maneirinha e maldizente.
O coreto da Portugália com o Sambo a tocar, a lagoa do Kinaxixe, e a sua mulembeira, onde o velho Carmona tinha a sua máquina “a la minute”, que era nem mais nem menos que um balde, umas molas, um banco, uma corda, bem um equipamento que anos mais tarde foi substituído pela Polaroid, e que a digitalização arrumou em jeito de desforra desses fotógrafos que até fato e gravata tinham para fazer “o boneco”. Era a cidade das barrocas da “Companhia Indígena”, os “poços da Maianga, onde melhor era representada a estratificação social, pois havia o poço do rei, e a Maianga do Povo, mas que em determinada altura ambos esgotaram as suas reservas, dado o crescimento populacional da cidade. Hoje restam as ruínas no meio do casario, uma ali na subida do Catambor e outra na subida do Prenda.
De forma marginal, e aqui nas minhas confabulações com quem me lê, não deixa de ser para mim uma questão que pretendo ver desenvolvida, que é o facto de Luanda ser das poucas cidades capitais em África que não tem um rio no seu perímetro urbano!!!

13 de abril de 2008

A JOTA DOS RETORNADOS/ÁGORA/NOVO JORNAL













A Jota dos retornados

De uma penada, assistiu-se no panorama literário da escrita lusófona ao aparecimento da escrita da geração dos filhos dos que abandonaram Angola, vulgarmente conhecidos em Portugal pelos “Retornados”.
Li em pouco tempo um conjunto de dois livros, que estão em lugares de relevo nos escaparates das livrarias portuguesas:”Ultimo ano em Luanda” do Tiago Rebelo e “Os Retornados” do Júlio Magalhães.
O Tiago Rebelo, em termos literários para mim não era um desconhecido pois já tinha lido um seu romance, interessante num contexto de neófito da escrita, “O Tempo dos Amores Perfeitos”, em que a acção se desenrola no fim do século XIX, entre Luanda, Malange e a Lunda. Posso adiantar que o livro é prazenteiro, mas em certos aspectos deixa-se assemelhar a algo do tipo”Emílio Salgari em África”, na sua versão entusiasmante de Sandokan. Em relação ao seu mais recente livro sobre Luanda de 1975, é só um romance, adornado aqui e ali com umas pinceladas à Reis Ventura, misturadas com Pompílio da Cruz, João dos Reis, Mello Machado ou Valdemiro de Sousa, entre tantos outros escrevinhadores que resolveram escrever a esmo sobre “os malfadados Abril de 1974 e Novembro de 1975”!
“O Ultimo Ano em Luanda”, é um romance que fica muito aquém do seu primeiro trabalho, quer no discurso, quer na verosimilhança da história, e o repisar constantemente, que “os movimentos de libertação praticamente já tinham desaparecido”, é uma afirmação que dá vacuidade à tentativa de alinhamento com a história.
Numa análise breve ao livro “ Os Retornados”, posso afirmar que é um livro de histórias ouvidas, caldeadas, e no fim o que se pode dizer é que é um romance light sobre “indas e vidas”, mas também com enormes imprecisões, nos sucessivos contextos onde decorre a história do livro. O Júlio Magalhães é um excelente jornalista de um canal de televisão português, é plausível que continue a escrever, e certamente fascinado pela vivência da sua meninice em Luanda e no Lubango, irá fazer trabalhos que certamente poderão merecer mais encómios que este.
Estes livros, são escritos por duas pessoas que deixaram Angola num contexto complicado, mas acima de tudo embarcaram para outras paragens na puberdade, pelo que tudo o que escreveram, foi fruto do que foram ouvindo repetidamente em suas casas, e também no contexto das suas relações pessoais de então, associado a imagens algo desfocadas da infância.
O fascínio por África, tão presente na sociedade portuguesa de hoje, é um terreno fértil para o aparecimento destes romances, um pouco na esteira do sucesso do “Equador” do Miguel Sousa Tavares.
Convenhamos que estes romances enquadram em Angola, um pouco a sociedade do “Out of Africa”(!985),misturado com o “Dark of Sun”, traduzido para português pelo “Ultimo Comboio do Katanga”(1968).
Sem ser o meu género de leitura, posso afirmar que li de forma agradada, o livro do Júlio Magalhães, que recomendo sem qualquer reserva.
No contexto temporal dos romances citados, julgo oportuno recomendar a leitura do Ryszard Kapuscinski, no seu 1975-Angola/ Mais um dia de vida, recentemente reeditado pelo Campo das Letras em Portugal, que é o melhor livro sobre esse período que antecedeu a independência de Angola, opinião naturalmente subjectiva, mas amplamente partilhada.

Fernando Pereira 1/4/2008


4 de abril de 2008

SENHOR PATRIMÓNIO HISTÓRICO!/Ágora/Novo Jornal/4/0408







Aos 90 anos, o arquitecto Fernando Batalha revela uma lucidez inaudita, e continua a trabalhar de forma empenhadíssima num dos seus sete últimos trabalhos que tem preparados para serem editados.
Este homem viveu em Angola entre 1938 e 1983 (curiosa capicua), e continua a vivê-la em Portugal, sozinho, num quarto andar sem elevador, no meio de mapas, projectos, fotos, livros e milhares de documentos em páginas amarelecidas e na expectativa de ainda ver publicada o seu livro, “ As Povoações Históricas de Angola”, conforme confidenciou a Leonor Figueiredo do DN, em meados do pretérito ano.
O seu percurso confunde-se com quase todos os passados que deixaram património edificado em Angola, como pode ser atestado por inúmeros edifícios por todo o País. Para conseguir ser sintético q.b., cito a título de exemplo os projectos do Grande Hotel da Huíla, a Sé do Lubango, a reconstituição do palácio do governo, do “Grande Hotel de Angola”, o cinema Monumental em Benguela, o palácio do comércio no Lobito, o mercado municipal no Huambo, a escola da missão de São Paulo em Luanda e a administração do concelho do Uíge.
Foi um dos fundadores do ICOMOS (Angola), estrutura da UNESCO para a preservação dos monumentos e sítios, e foi um dos responsáveis pela recuperação da estrutura da antiga fábrica de metalurgia de “Nova Oeiras”, perto de Cassoalala, e que é o único exemplar de arqueologia industrial de Angola. Esta edificação foi uma pequena unidade de transformação de ferro, que surge em Angola, na esteira das estruturas industrias criadas por Marquês de Pombal no Brasil no fim do século XVIII.
Conseguiu que Massangano não fosse vítima das pilhagens dos comerciantes locais, que utilizavam para a construção das suas casas, as pedras aparelhadas dos edifícios da vila velha entretanto abandonada, promovendo algumas reedificações ainda visíveis, apesar do acentuado abandono que se tem verificado. A parte baixa do Dondo (a Manaus angolana, como alguém já se atreveu a chamar), símbolo de um florescente comércio da borracha, principalmente no século XIX, Cambambe, Muxima, forte de S. Fernando no Namibe, Igreja de Nossa Senhora do Pópulo em Benguela, alguns fortes de penetração em vários locais do País, alguns já desaparecidos pela erosão do tempo, foram alguns dos muitos trabalhos deste “Senhor Património Histórico”.
Em Luanda a ele se deve a existência de alguns edifícios, embora muitíssimo degradados. O edifício onde se encontra o Museu de Antropologia, foi recuperado pela então Diamang, com a colaboração do arquitecto Batalha, e é hoje um dos excelentes exemplares de uma casa senhorial colonial dos séculos XVIII e XIX, que merece ser olhado no meio de tanta insalubridade visual em altura e superfície na vizinhança.
O trabalho feito em torno destes edifícios e monumentos estão bem ilustrados e explicados no livro editado pela Vega, Angola/ Arquitectura e História, uma obra de grande honestidade e reveladora de enorme talento e sensibilidade para com legados que importa preservar.
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