29 de abril de 2011

Os Vampiros / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 29-4-2011


“Nunca tão poucos deveram tanto a tantos”


Palavras sábias na frontaria de uma vetusta república coimbrã, o “Palácio da Loucura”, derivação de uma frase imorredoira de Winston Churchill na sua homenagem à RAF na “batalha de Inglaterra”, determinante para a vitória dos aliados na II Grande Guerra.

Neste fim-de-semana e cumprindo a tradição o “Palácio” comemora mais um “centenário” e todos os que estiveram ligados às republicas vizinhas como o “Kimbo dos Sobas” e os “Mil-i-Onários” são convidados a participar num jantar em que se cruza muita gente, num quadro de solidariedade inter-geracional e naturalmente bebida a rodos. Uma “república” em Coimbra é uma casa de estudantes, gerida por períodos determinados de tempo por cada morador, o mor, em que todas as decisões são submetidas ao colectivo, e só daí sairá a decisão final. O “centenário” é nem mais nem menos que a data anual em que se comemora a fundação da república, e chama-se assim porque segundo reza a história, o espaço de vivencia é tão intenso que viver um ano numa república equivale a viver cem anos.

Por sinal o “centenário” da desaparecida república do “Kimbo dos Sobas” foi sempre o 4 de Fevereiro, o que deixava a vizinha PIDE sempre de incomodada e de atalaia. Aliás quero aproveitar para pedir a todos os muitos que por lá passaram, que não deixem de contribuir com histórias, depoimentos e fotos para um livro que está a ser preparado de forma a documentar uma das repúblicas marcantes na luta estudantil pela liberdade em Angola num tempo em que havia muitos estudantes angolanos em Coimbra.

A tradição das repúblicas de Coimbra era a de ter a porta aberta o ano inteiro, e quem quisesse podia entrar e servir-se. Sabendo que as dificuldades dos “republicos” eram enormes, havia alguma parcimónia dos visitantes na aceitação de convites para comer, embora para dormir não havia esse problema, já que outra das regras assentava na obrigatoriedade dos quartos estarem permanentemente disponíveis. Havia contudo os “vampiros” que se aproveitavam desta regra solidária de Coimbra e entravam nas repúblicas, esvaziavam as encolhidas e racionadas despensas deixando os “republicos” em muito maus lençóis.

Consta-se que a canção de José Afonso, também um ex-republico, “Os Vampiros” foi feita para denunciar esses autênticos pilha-galinhas, que aterrorizavam as parcas despensas dos estudantes. Passou depois a ser um hino de resistência ao fascismo e ao colonialismo, e curiosamente uma das mais emblemáticas de um dos nomes maiores da canção popular e de intervenção na língua portuguesa.

Vou reproduzir aqui uma história curiosa de um insigne angolano do Huambo que veio estudar medicina para Coimbra nos anos cinquenta. O recentemente falecido Freitas de Oliveira, que em determinada altura teve uma paixoneta por uma figueirense que tinha conhecido nas ferias de Verão. Freitas de Oliveira foi cirurgião e presidente do Mambroa durante muitos anos, militante da FNLA e posteriormente médico do Porto do Lobito nos anos 80. Queria ir à Figueira da Foz e disseram-lhe que havia um taxista pago pelo casino para levar dois jogadores de Coimbra todos os dias pelas 16h. O senhor João taxista, que tinha no seu cartão como outras profissões, afinador de pianos e agente de viagens para a Argentina, disse que só o levaria se o Roque pai e o Roque filho, a dupla de jogadores autorizassem. Aguardou e quando chegaram, com a duvida metódica dos jogadores, profundamente mesclada de superstição, começou um diálogo entre os dois em que não sabendo se quebrando esta rotina iriam ter uma noite de sorte ou azar. A determinada altura levaram o nosso F.O., num ambiente algo tenso. O F.O.ia com um distúrbio intestinal e quando chegaram aos arrozais de Montemor-o-Velho, ele disse que precisava de “evacuar”. Os “Roques” ficaram siderados, completamente desmoralizados perante as perspectivas de uma noite deplorável no jogo. A realidade é que tiveram uma noite memorável com os melhores ganhos na época do Casino. Fizeram questão de lhe pagar a ceia no cabaret “Lagosta Vermelha” e levaram-no à porta da sua”república”. No dia seguinte estava o táxi à sua porta com os Roques para o levarem de novo e ele grato pela boleia na expectativa de novo opíparo jantar. Quando chegou aos arrozais, abriram a porta e deram-lhe um rolo de papel higiénico recomendando-lhe que se esforçasse. A verdade é que a sorte não se repetiu e o F.O. nunca mais teve boleia, mas também não teve que defecar sem vontade. As teias enleadas das superstições do jogo.

Retomando José Afonso, principalmente pelo génio que era, e porque nunca olvidarei o 25 de Abril de 1974 e a sua “Grandola Vila Morena”, acho que seria interessante escrever-se sobre a conturbada digressão de José Afonso, Fausto, Adriano Correia de Oliveira a Angola em 1975 com Ruy Mingas, Liceu Vieira Dias Beto Gourgel, Filipe Zau e outros, para lembrar o que foram tempos de intolerância, perseguição e ameaça física de tempos que queremos mesmo esquecer.

Era um bom trabalho e a homenagem de muitos a quem muito deu sem nada pedir em troca: Zeca!!



Fernando Pereira

23/4/2011

22 de abril de 2011

JJ / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 22-4-2011






Diz-se que os povos felizes não têm história. É talvez porque nos queremos imaginar um povo feliz, que lidamos mal com a história, o que faz de nós uma sociedade distraída e de curta memória.
Numa incursão pela minha desorganizada biblioteca fui encontrar um livro editado pela extinta Moraes, editora do esforçado Alçada Batista, “Angola, o longo caminho da Liberdade” saído do prelo em Novembro de 1975. O autor é Amadeu José de Freitas, ao tempo jornalista da RTP, depois de um percurso sóbrio e profissionalmente honesto no jornalismo desportivo quer como relator desportivo, quer como director do “Mundo Desportivo”, um tri semanário que saía à segunda, quarta e sexta, custava 10 tostões e rivalizava com a “Bola”, o “Record” e o “Norte Desportivo”.
Este livro de Amadeu José de Freitas é uma raridade, mas para quem precisar de conhecer bem os tempos conturbados da fase anterior à independência de Angola tem aqui um excelente trabalho jornalístico, com detalhes que cruzados com afirmações posteriores permitem alterar opiniões sobre o que aconteceu de facto num tempo em que a serenidade era um achado. Amadeu José de Freitas encontrou-a para escrever fazer este trabalho de uma forma apaixonada, coerente com o rigor que punha em tudo que fazia.
Lembro-me das tardes de domingo na Luanda colonial, num tempo em que ar condicionado era uma coisa rara que praticamente só os bancos tinham, ouvir das janelas abertas num rádio de som no máximo, as vozes de Nuno Braz, onde o Herman José foi buscar inspiração para o seu imorredoiro “José Estebes”, do Artur Agostinho, Romeu Correia, Fernando Correia e Amadeu José de Freitas. Havia ao tempo em Coimbra um relator desportivo que era um verdadeiro “doente” pela Académica, e isso custou-lhe o lugar quando num qualquer jogo berrava a plenos pulmões que tinha sido “golo da Académica” e no seguimento da jogada e com o mesmo timbre:”Porra, que não entrou”. Era o Manuel Gaspar que depois passou a “relatar” procissões com linguagem futebolística, o que acabava por ser delicioso de ouvir pelo caricato do “passam três meninos vestidos de anjo”, “ao fundo a primeira Nossa Senhora” e adiante…
Falando de futebol cumpre-nos recordar um dos maiores futebolistas angolanos de sempre: Jacinto João (1944-2004). Filho de um saudoso empregado da cervejaria Portugália em Luanda, ali pertinho da Lelo, JJ começou a jogar à bola na rua nos musseques, entre casas de adobe e telhados de zinco. Estudou no Colégio dos Missionários de Luanda, e como não conseguiu representar o Colégio no campeonato de juniores de Luanda por só ter 14 anos, fundou o seu clube, o Brazaville.
Aos 16 anos já jogava no Sport Congo e Benfica, e vem para Portugal prestar provas no Benfica, onde fica seis meses e depois de rejeitado por Bela Guttman regressa a Luanda, de onde sai para o Vitória de Setúbal depois de se ter negado vir para o FC Porto, Belenenses e Guimarães. Rapidamente se torna figura maior do Vitória de Setúbal, onde encontra os seus dois companheiros do Atlético de Luanda, os irmãos José Maria e Conceição, e entre vários treinadores o angolano Fernando Vaz e José Maia Pedroto.
O Setúbal nesses anos vulgarizava equipas grandes de Portugal e da Europa e o Vitória fez nos anos 60 e 70 as suas melhores épocas de sempre, com o JJ como figura maior da equipa. Internacional dez vezes por Portugal num tempo em que a selecção pouco jogava, JJ tem hoje perpetuado no Estádio do Bonfim uma escultura que o homenageia como o maior jogador de sempre do clube.
Eu que tive o privilégio de o ter visto jogar bastantes vezes posso dizer que a bola nos seus pés era uma delícia e não raras vezes os adversários puniam-no com faltas duras porque ficavam fartos de dançar ao som do seu toque de bola.
O racismo no futebol em Portugal, como na Europa em geral era muito marcante e mesmo entre colegas de profissão. Fernando Peyroteu, de quem um dia falaremos com mais detalhe, no seu livro de “Memórias” relata a sua chegada ao Sporting em 1937: “eh pá! Já cá tínhamos um preto, agora vem outro só um pouco mais branco” e “Qualquer dia a equipa fica tão escura que só com um lampião a encontramos”. Estas piadas eram para o branco angolano, mas dirigidas a Paciência, avançado de centro negro, que provocou a indignação de um Peyroteu que detestava dichotes racistas.
Até 1974 era comum o epíteto de “colored” quando se queria falar ou escrever de um negro no desporto ou noutra área onde sobressaísse, um pouco como hoje a expressão “de cor” muito usada em Portugal, o que prova que ainda há muitos esqueletos nos armários das mentalidades.
Fernando Pereira
17-4-2011

15 de abril de 2011

Da invasão à demolição / Ágora /Novo Jornal/ Luanda / 15-4-2011






Há cinquenta anos (16 de Abril de 1961) os EUA patrocinaram um desembarque de um corpo de anticastristas na Baia dos Porcos a sul de Cuba determinados a derrubar o regime de Fidel de Castro numa operação que se pretendia cirúrgica e secreta, acabando por descambar numa dos erros repetíveis dos americanos ao longo da sua história contemporânea.


O regime cubano estava avisado para a hipótese uma invasão deste tipo e num espaço de setenta e duas horas repeliu-a e vibrou um rude golpe em ulteriores projectos para derrubar o regime socialista cubano.

Os EUA ficaram indelevelmente ligados ao fortalecimento da revolução cubana, ao seu alinhamento com a então União Soviética, e a política titubeante de Kennedy em relação a Cuba terá precipitado o seu assassinato em Dallas em 1963, atentado atribuído à máfia cubana de Miami, facto apesar de tudo nunca cabalmente demonstrado.

Nesse ano e nesse período em que a Emissora Nacional depois do hino cantado pelo coro da FNAT da “Angola é Nossa”, da “Rádio Moscovo não fala verdade” e “De Luanda fala Ferreira da Costa” procedia-se à definitiva transferência da “Casa das Malucas” para as actuais instalações na “Revolução de Outubro”.

De facto foi em 1961, com a necessidade de se instalar o Hospital Militar para apoiar as tropas portuguesas enviadas para a colónia desocupou-se o hospital psiquiátrico de Luanda, anexo da Maternidade Mariano Machado inaugurada em 1947, e hoje o pavilhão anexo ao edifício principal da maternidade “Lucrécia Paim”. Era chamada em Luanda como a “casa dos malucos”, no antigo “Hospital da Caridade” instalada ao tempo numa zona arrabalde onde muitos dos doentes deambulavam pelas ruas, a maioria deles com diagnóstico de doença do sono.

O “Hospital da Caridade” era próximo do antigo aeródromo Emílio de Carvalho e perto da estação do comboio que cruzava a cidade duas vezes por dia em ambos os sentidos no percurso Bungo-Município-Cidade Alta- Hospital e Aeroporto. O comando central dos bombeiros de Luanda ocupa as salas de embarque do aeroporto, depois de terem sido deslocados da baixa onde o quartel foi transformado no antigo teatro Avenida no fim dos anos sessenta, hoje demolido por pressão do imobiliário reinante na nossa comunidade.

Até ao dealbar dos anos 50 era habitual o tiro de canhão ao meio dia na fortaleza, um aviso sonoro do fim do período de trabalho da manhã que apesar de deixar perplexos os recém-chegados à cidade, nunca deixou de ser um dos poucos ex-líbris de uma cidade provinciana e atarracada.

Era uma cidade em que o único cinema era o pequenino Nacional, hoje espaço Verde do Chá de Caxinde onde nas paredes exteriores, nos camarins ou nos foyers se vão vendo muitas evocações às passagens de teatro clássico e de revista “importada” de Lisboa que muitas vezes devem ter encolhido o elenco de forma a caberem no pequeno palco para representar junto da sociedade reluzente da urbe.

Como nessa altura o porto da cidade era nas “Portas do Mar”, no largo onde se encontra hoje a peanha vazia do Pedro Alexandrino da Cunha toda a cidade fervilhava em volta desse local onde estavam (e estão) os correios, a alfandega, o edifício das telecomunicações, a delegação do BNU e todas os grandes armazéns, barbearias, bares, botequins, comércio geral, farmácias e hotéis como por exemplo o demolido há décadas Hotel Colonial ao lado dos Correios, onde está hoje mais um edifício tipo palito disforme que nos exige cada vez mais resistência a tanta falta de gosto espelhado.

Vários armazéns perpetuaram-se e mantêm-se apesar de terem passado a monarquia, a 1ª república, a ditadura no período colonial e o arremedo de marxismo-leninismo, o capitalismo envergonhado e o ultra-liberalismo prevalecente dos anos em que somos Nação.

Os Armazens Caiado, Carrapa, Joaquim Valente, Catonhotonho, Travassos e Jorge, Mabílio Albuquerque, Setas, Bungo, ETA, Zuid, Diogo e Companhia entre muitos outros movimentaram a cidade num espaço junto do mercado do Caponte demolido para se construir inicialmente o “português-suave” Banco de Angola e mais tarde o BCA, actual BPC, que foi o orgulho dos luandenses durante décadas.

A actividade do porto pesqueiro, até ser mudado para o actual lugar em 1969, e todo aquele labirinto de casas que havia no que é hoje ocupado pelos prédios novos em redor do MIREX e pela praça Saidy Mingas era um lugar de grande convívio e de histórias que irei tentar contar para que não se percam, num tempo em que a cidade andava ao ritmo do comboio-bébé já pouco vivo na lembrança dos luandenses.

Obrigado pela companhia nessa cidade de mais terra encarnada que alcatrão. Às histórias dela havemos de voltar.



Fernando Pereira

11/4/2011

14 de abril de 2011

OUÇAM O QUE SE DIZ NA RUA / O INTERIOR/ 13-4-2011


Ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua hão-de vir para a rua ouvir ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua quando vierem para a rua ouvir o que se disse na rua já ninguém quer saber de vós para nada ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua a porta da rua é a serventia da casa ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua farto de ouvir falar de coisas que infestam a rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua perco a paciência com muitos que andam na rua para tentarem por na rua outros por quem não tenho paciência nenhuma de os lá ver e estou morto por vê-los na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua faço anos em Maio podem dar-me uma prenda mesmo que estejam para ir para a rua ou fiquem lá porque os não puseram na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua diz-se que o Futebol Clube do Porto é a melhor equipa do campeonato e é indiscutivelmente um campeão merecido ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua que o Presidente da Republica está silencioso porque talvez nem seja má ideia para não ter na rua mais um a dizer banalidades sobre como se há-de multiplicar os lucros do sistema bancário ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua numa altura que precisamos de um novo Dino Meira porque não merecemos a Amália ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua que ando esbaforido de tanto dizer mal de tanta coisa e tudo permanecendo piorando ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua que não tenho nada que andar a pagar juros sobre juros de uma dívida que tem sido aumentada sem que se perceba porquê ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua deixem-me ver televisão à vontade sem ouvir os tudólogos apoliptólogos politólogos achólogos e alem de tudo isso os tipos que discursam para os que falei falarem deles ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua politiqueiros são flatulência da politica ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua politica nada tem a ver com politiqueiros comissários e serventuários do sistema ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua PORQUE QUALQUER DIA ESTÂO TODOS NO OLHO DA RUA A OUVIREM O QUE SE DISSE NA RUA PORQUE NÂO QUISERAM OUVIR O QUE SE DIZIA NA RUA.


Este pequeno texto é um devaneio da “Guidinha” do injustamente esquecido Luis Sttau Monteiro, que ao tempo escrevia na “Mosca” do Diário de Lisboa e posteriormente no “Jornal” .

Fernando Pereira

9-4-2011

8 de abril de 2011

Prémio ao Lubito / Ágora / Novo Jornal / Luanda 8-4-2011






Fiquei naturalmente satisfeito pela atribuição do prémio na vertente de Arquitectura, do prémio da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) ao arquitecto Francisco Castro Rodrigues.


“Quando se chega a velho é que nos dão os prémios”, respondeu de forma bem-humorada quando o parabenizei pela distinção.

O arquiteto Francisco Rodrigues é aos noventa e um anos uma pessoa loquaz, irreverente, com uma memória prodigiosa e arreigado às suas convicções de homem progressista e defensor da liberdade.

Um episódio que FCH conta da visita do presidente português Craveiro Lopes ao Lobito na sua viagem a Angola em 1954 e que é em tudo de semelhante à rábula da chegada de Mussolini a Berlim no “Grande Ditador” de Charlie Chaplin, uma das cenas maiores do cinema mundial.

Entre o Tamariz e o edifício dos Correios foi criado um espaço pomposamente chamado de “Portas do Mar”, que recebeu melhoramentos de tomo para receber Craveiro Lopes. No dia aprazado para a chegada, sob um calor intenso a fina-flor da sociedade do Lobito, um rancho folclórico do roupas minhotas composto por trabalhadores negros do Cassequel, uma banda, tudo a preceito para que a chegada antes do almoço fosse uma manifestação de grande enlevo.

As horas foram passando, a incomodidade das pessoas foi progredindo e as manchas nos sovacos aumentavam de diâmetro e quiçá mesmo a deixarem no ar um odor a que não eram alheias as pituitárias mais insensíveis.

O navio presidencial vinha de Novo Redondo (Sumbe), mas os planos foram alterados entretanto e a comitiva veio por terra; Resultou daí que a comitiva deslocou-se logo para o Terminus e admito quão hilariante foi ver a correria de gente de fato a rigor, vestidos compridos, saltos dos sapatos a partirem-se o que levou a que nessa “maratona” alguns chegassem descalços, a maioria esbaforidos e quase todos num estado de desmazelo nada condizente com a “elevação” do evento.

Este prémio é também para a cidade e tem que ser partilhado com o Engenheiro Fernando Falcão, técnico que Francisco Castro Rodrigues nunca se esquece de mencionar quando a sua obra é elogiada, dizendo apenas que era impossível construir o que quer que fosse sem a colaboração do prestigiado cidadão do Lobito.

Hoje diluído no imenso amontoado de casas no monte sobranceiro à estrada entre o Lobito e a Catumbela, existe em ruínas um conjunto de casas para trabalhadores “indígenas” da Sociedade Agrícola do Cassequel, uma verdadeira montra do esforço feito pela açucareira na “promoção social dos trabalhadores”. Não há ninguém com mais de trinta anos que por ali tenha passado que não se lembre de as ver ao longe, e encontrá-las em inúmeras fotos e postais do local. Era um conjunto de 120 casas, pintadas de cor de rosa cobertas com colmo. Era uma verdadeira obra de “portugalidade”, tão ao gosto de Gilberto Freire e dos prosélitos do luso-tropicalismo. Quando para lá foram transferidos os trabalhadores, imediatamente começaram a arranjar casa de adobe junto a esse aldeamento e deixarem as casas que tão elogiadas eram, para preferirem viver nas suas casas com paredes de barro, telhado de colmo e terra vã no interior.

Foi quase um sacrilégio quando os responsáveis da açucareira viram esta situação, o que deu azo a inúmeros dichotes racistas tipo: “os pretos não sabem viver em casas decentes”, “ali anda mão da Kuribeka” , “é para verem que cidades querem quando tivessem a independência”, e por aí fora.

A realidade é que as casas eram construídas com blocos, numa exposição solar permanente, sem ventilação, com o chão cimentado, perto de pântanos e de plantações de cana do açúcar, tornavam essas bonitas habitações em verdadeiras frigideiras onde o calor e os mosquitos tornavam a sobrevivência impossível. Julgo que já terão desaparecido, porque na realidade pouco serviram mais que para tirar fotos ao longe durante décadas, tendo em conta que foram construídas no final dos anos trinta.

Este exemplo proliferou por Angola inteira em muitos lugares de norte a sul do País, com as obrigações decorrentes do “desenvolvimento social” do fim do Império colonial na sua transição maquilhada para “províncias ultramarinas”. Na verdade era recorrente colocar divãs com esteiras em habitações de construção definitiva, casas lúgubres, sem iluminação natural e permeável a um espaço de nidificação de insectos e repteis, tal a humidade e o calor que havia no interior dessas casas para “contratados”.

O Lobito, que segundo Francisco Castro Rodrigues se chama Lubito por razões que já expliquei noutra crónica era a “Catumbela das ostras”, já que era o local privilegiado para a apanha das ostras, não só utilizadas para a alimentação, como a sua concha depois de moída foi durante anos um dos bons substitutos da cal no revestimento das casas da burguesia colonial.

Um dos mais conhecidos comerciantes de ostras foi o pai do José Aguas, campeão europeu de futebol pelo Benfica em 1960.

Já que se fala de grandes jogadores do Lobito e Catumbela não esqueçamos o sportinguista Fernando Peiroteu precocemente desaparecido, Santana, companheiro de Águas na vitória europeia de Benfica e depois ostracisado por questões políticas pelo clube, irmãos Couceiro que brilharam na Académica e Yaúca, em que a sua transferência para o Benfica foi paga pelas torres de iluminação do campo do Catumbela, que eram as do estádio do Campo Grande em Lisboa antecessor do antigo Estádio da Luz, enquanto campo de jogos do Sport Lisboa e Benfica.

A Catumbela teve o primeiro campo iluminado da província de Benguela e a segunda do território à boleia da transferência do malogrado Yaúca.



Fernando Pereira

5/3/2011

1 de abril de 2011

JARDIM COLONIAL / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 1-4-2011



No domingo passado resolvi dar uma volta em Lisboa e escolhi na zona de Belém o Jardim Botânico Tropical.


Este jardim, que está num magnífico estado de conservação, já teve ao longo dos anos vários nomes. Foi uma adaptação dos jardins dos Condes da Calheta, para que fosse um dos núcleos da Exposição do Mundo Português .

Nessa exposição começou por ser o “Jardim Colonial”, uma antevisão do que seria a zona dos “Descobrimentos” no “Potugal dos Pequenitos” em Coimbra numa obra do arquiteto Cassiano Branco. Neste espaço construíram-se pavilhões onde ao tempo se faziam exposições de artesanato, colóquios, mostras de trajes e outras iniciativas que ocuparam continuadamente o espaço entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940. A maioria encontra-se encerrada, apesar de relativamente bem cuidadas, excepção para a grande estufa central, que já terá conhecido melhoras dias, apesar de guardar espécies interessantes da flora africana.

Foi depois o Jardim do Ultramar, Tropical e finalmente Botânico Tropical, dependente do Instituto de Investigação Científica Tropical e é um espaço magnífico de Lisboa, paredes meias com o Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da Republica de Portugal.

Confesso que as razões para voltar ao “Jardim Colonial” foi o facto de no Palácio dos Condes da Calheta, hoje propriedade do IICT, estar uma exposição interessantíssima chamada “Viagens e Missões Científicas nos Trópicos”, merecedora de uma visita detalhada, pois é uma viagem ao trabalho e ao estudo minucioso do que foram as missões ou as experiencias colectivas e individuais de cientistas, biólogos, geógrafos, tipógrafos, botânicos, ornitólogos, ou até vulgares diletantes no espaço colonial português.

A exposição é riquíssima não apenas no aspecto documental, mas também uma mostra muito bem organizada da multiplicidade de materiais utilizados por todas as expedições, desde as necessárias para definir fronteiras como as que assentaram nas prioridades económicas ou puramente académicas.

O mais importante a reter desta exposição é a alteração do seu contexto “ideológico”, pois deparamo-nos com a ausência dos panegíricos ao “mundo que os portugueses descobriram”, apenas uma homenagem aos valorosos homens e instituições que apenas tinha como móbil o factor científico dos seus trabalhos em circunstâncias particularmente difíceis. É uma avaliação muito subjectiva mas penso não ser alheio o facto dos autores dos módulos desta exposição serem jovens académicos despidos de alguns escolhos da mentalidade colonialista ainda perene nalguns sectores.

Entre o espólio de alguns ilustres cientistas, muitos deles apeados da toponímia luandense sem justificação plausível, e que aqui trarei em futuros artigos, achei interessante ver uma parte do espólio de José de Macedo, autor de um livro centenário sobre a política colonial denominado “Autonomia de Angola”, felizmente reeditado pelo IICT no ano passado.

José de Macedo (1876-1948) foi um republicano, maçom, pedagogo, jornalista e defensor da liberdade dos povos das colónias, num período em que o racismo e a exploração dos povos coloniais eram matriz essencial da primeira metade do século passado.

José de Macedo, fortemente influenciado pelo positivismo de Proudhon, grande companheiro de Magalhães Lima, referência maior da maçonaria portuguesa e figura de proa do Republicanismo Português, foi preso várias vezes pela sua luta contra a Monarquia, muitas vezes através da contundência dos seus escritos na “Lucta”.

Perseguido, embarca para Angola onde para além da sua actividade profissional de professor assume a direcção do jornal “A Defeza de Angola” (1903, segundo Julio Castro Lopo), e também aí é preso por ter gritado “Viva a Republica” num jantar no Hotel Areias onde fazia uma sessão com lojistas e funcionários em Angola. Fundou em Luanda o “Colégio Progresso”, fez vários percursos pelo interior do território donde resultaram livros importantíssimos para o estudo da sociedade angolana do virar do século e de enorme importância política e de apoio à etnologia e antropologia. Lutou pelo desenvolvimento e conhecimento da sociedade angolano e participou nas lutas cívicas anti-esclavagistas e favoráveis à alteração do controlo dos contratos de serviçais, que lhe granjearam um enorme respeito mas também muitos inimigos. Foi colaborador do Jornal de Benguela entre 1912 e 1919.

Deixou um grande espólio que a família legou ao IICT, e talvez tenha chegado a hora de começarmos a conhecer em pormenor um homem que foi sendo sucessivamente esquecido na voragem das transformações políticas.

Renunciou a cargos e honrarias e o seu mote de vida pode ficar neste parágrafo retirado do seu livro “Etnografia e Economia”: “Luta um velho que quer dar exemplo aos novos, de constância no estudo e no sacrifício de seu nome humilde que vem lembrar aos jovens que nunca é tarde para exercer uma função e que até ao túmulo deve aparecer perante os outros a expor o fruto do seu trabalho e das suas vigílias”.



Fernando Pereira

30/3/2011
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