Contos velhos, rumos
ainda mais velhos!
Luanda transformou-se numa cidade
sem identidade e isso é o pior que se pode legar aos vindouros.
Todas
as urbes procuram preservar o conjunto edificado que foi unindo gerações e que
são a “marca de água” de uma cidade! Luanda com as suas administrações e o
dinheiro facilmente conseguido fazem exatamente o contrário.
Não é
uma situação nova, aliás vem do estertor do período colonial, mas nos últimos
tempos, antes da “míngua” que se adivinhava, o que aconteceu à cidade foi um
verdadeiro flagelo.
Vamos
dar uma volta ao passado numa viagem por textos de quem por cá andou no
antanho!
Luanda
pela pena do médico alemão George Tams, que a visitou em 1841: “ Luanda
apresenta-se-nos com um aspeto maravilhoso:_ É edificada em forma de
anfiteatro, erguendo-se desde a base até ao cume dos montanhosos socalcos da
costa, a qual neste sítio desce até próximo à superfície do mar. A grande
porção de casas edificadas ao estilo europeu, muitas das quais espaçosas, umas
com telhados vermelhos, outras azuis, os muros caiados de branco ou de amarelo,
as lindas torres das igrejas, o palácio do governador e o vizinho forte,
excitam grandemente a surpresa do estrangeiro”
Mas não
deixava o aludido médico alemão de escrever: “O ar é tam mao e comunica aos
alimentos taes qualidades mortíferas que os que comerem deles logo que ali
chegarem, devem ficar certos que serão vítimas da sua imprudência, ou pelo
menos que adoecerão gravemente:”
O Dr.
Tams deslumbrou-se com o lugar das Quipacas, lugar que ficava perto do lugar
onde se construiu a estação de Caminho-de-ferro, e que se chamará assim já que
era um lugar aprazível, onde construíram espaços de lazer gente endinheirada
(Kipaka em quimbundo significa dinheiro): “ Neste sombrio retiro, os cantos de
numerosas espécies de cigarras ressoavam à tarde, e os seus agudos sons tam
penetrantes eram neste profundo silêncio, que se podiam ouvir claramente a mais
de uma milha de distância. Aqui um italiano que havia enriquecido com o tráfico
da escravatura, tinha formado, uma linda casa de campo, no meio de um
intensíssimo pomar, para onde convidava diferentes habitantes de Luanda, os
quais nunca deixavam de aproveitar-se daquele deleitoso passeio.” Tams
referia-se a Antonio Paris, napolitano que morreu em Luanda com 86 anos em 23
de Dezembro de 1846. Veio para Angola em 1821 com mais 212 compatriotas,
condenados a degredo por tribunais napolitanos e a pena era cumprida ao abrigo
do acordo celebrado em 11/12/1819, entre o rei D. João VI de Portugal e o rei
das Sicílias. (Este conjunto de referencias vem no livro, “Subsídios para a
História de Luanda” de Manuel da Costa Lobo, Lisboa-1967). Refira-se que este
Paris teria sido dono do famoso Hotel Paris, demolido para dar lugar ao Palácio
da Palmeira, onde esteve a Lelo, e que hoje está sentenciada a ter em breve o
mesmo destino.
O livro
de George Tams, “Visita às possessões portuguesas na Costa Ocidental de África”
descrevia as refeições: “ às oito horas, todos nos reunimos ao almoço, que
geralmente se compunha de mãos de vitela cozidas, vagens de pimenta fervidos em
água; ou de caracóis cozidos e algumas espécies de marisco. Vinho tinto de
Lisboa acompanhava a comida e no final serviam o chá.
Ao meio
dia, tomávamos outra refeição que consistia de queijo e cerveja. Às seis horas
era servido um variado e suculento jantar, consistindo a sobremesa duma
abundante escolha de frutos, sendo principalmente de amêndoas de caju, laranjas
e goiabas.” Situamo-nos em 1854!
Já que
hoje este artigo é quase feito de citações não deixa de ser curioso que em fins
do seculo XVIII, os cidadãos de Luanda eram conhecidos por “Volantes”, palavra
que no entender de Teixeira de Vasconcelos sintetizava “quão diminutas eram as
ligações que existiam entre eles e a terra…”! Já era assim!
Elias Alexandre
da Silva Correia, que esteve em Luanda no segundo quartel do seculo XVIII,
escreveu na sua “História de Angola” algo sobre hábitos de grandeza que mais de
dois séculos depois mantem-se perenes: “ O Luandense detesta os sufrágios da miséria
e prepara um trem de vida, tanto mais pomposo, quanto mais iniquo. Impõe
respeito no seu trato doméstico; enche a sua mesa de bocados desusados na sua
criação; adopta para o vestuário o uso de custosas alfaias e ricas joias, como
espadins de ouro, cravejados de pedras preciosas, fivelas de ouro e de pedras,
bons relojios, abotaduras de importância, ricas sedas, etc; faz garbo do
desperdício: brilha no jogo com magnanimidade e combate, vício por vício, o dos
seus émulos.”
No
contexto que se vive na Luana de hoje seria de todo urgente que se fizesse uma
reflexão sobre o que seria a cidade no futuro, sem a megalomania que é uma
prodigalidade do angolano, nem abandonada em tempos de crise acentuada.
Luanda
merece este debate e sobretudo que se procure salvaguardar a réstia de passado
e que a cidade seja recriada para que seja vivível, e deixe de ser insalubre no
que se respira, no que se negoceia, no que se comenta, no que se publica e
fundamentalmente no que se decide.
Baudelaire
dizia: “As cidades mudam mais depressa que o coração dos seus habitantes”!
Nota:
Este texto tem muitas transcrições do livro “Subsídios para a história de
Luanda” de Manuel Costa Lobo, editado em Lisboa no ano de 1967.
Fernando Pereira