10 de novembro de 2017

Uíge: cem anos que viva… / Novo Jornal/ Ágora / Luanda 10-11-2017



Uíge: cem anos que viva…
A 1 de Julho de 2017 a cidade do Uíge comemorou cem anos, data que marcou a chegada de um parente afastado, capitão da “circunscrição militar do Bembe”, de seu nome Manuel José Pereira que ocupou uma colina onde instalou o primeiro fortim português naqueles lugares.
                Enquanto a Europa e no sul de Angola estava encarniçada a 1ª guerra mundial, quando Kerensky se preparava para perder o poder na Rússia para os sovietes, abrindo caminho à Revolução de Outubro, nas florestas do norte de Angola “pacificavam-se” as gentes que queriam manter seus hábitos, sua religião, sua cultura e a sua economia! Triste sorte!
                Fica no comando deste fortim, erigido onde hoje é o centro cívico da capital da província, o Alferes Tomaz Berberan que de facto transforma o pequeno forte num entreposto comercial que ganha alguma dimensão rapidamente.
                Numa ação de “promoção” o alferes Berberan começou a sensibilizar empregados do comércio de Ambriz e Ambrizete para se fixarem na povoação do Uíge, e assim vai florescendo a cidade que passa da administração militar para a administração civil em 1922.
                A cidade tornou-se no centro da produção de café da região, e os melhores terrenos passaram a maior parte das vezes, por meios sórdidos para a pertença de fazendeiros brancos, relegando os locais para a miséria, para o trabalho coagido e para a fuga para o vizinho Congo-Belga.
                Foi vivendo ao longo do tempo colonial os momentos de euforia e os de desanimo, fruto das cotações do preço do café a nível internacional. Essas circunstancias foram condicionando o ritmo da urbe, que em 1955 num arremedo patrioteiro muda o seu nome original para Carmona, procurando homenagear o recentemente falecido presidente de Portugal. Em 1956 foi elevada à categoria de cidade!
                Em Março de 1961 os fazendeiros brancos sitiados na cidade repeliram os guerrilheiros que iniciaram a guerra de libertação no Norte de Angola, tendo sido “Carmona” um dos lugares simbólicos de resistência dos “portugueses”. Foi libertada pelas FAPLAS e tropas cubanas em Janeiro de 1976, colocando em fuga os elementos da FNLA que se encontravam na cidade e arrabaldes.
                Restabeleceu-se a administração central através da instalação do governo provincial, com todos os serviços desconcentrados da administração publica, mas a atividade económica da cidade e da província soçobrou por completo com a saída massiva dos colonos portugueses.
                Ao longo destes quarenta e poucos anos de independência viveu períodos muito maus, fruto da guerra permanente até 2004.
                Teima em sair do marasmo, mas o que se assiste é ao abate indiscriminado de árvores de grande porte e à erosão rápida da camada produtiva dos solos. O Uíge assiste hoje a um verdadeiro crime ambiental, que vai deixar a curto prazo uma população sem qualquer meio de desenvolverem uma atividade produtiva sustentada, que promova a fixação de pessoas à região.
                A malha urbana é um exemplo típico como uma determinada atividade agrícola (café), e o comércio a ele ligado foram determinantes no desenvolvimento de uma cidade. Os anos 50 do seculo XX a cidade cresceu e multiplicaram-se as construções particulares e fizeram-se casas para instalar os funcionários públicos. Não faltava também o caracter lúdico e turístico, com clubes e cineteatros, hotéis e campos desportivos.
                Em Novembro de 1968 foi feito o 1º plano de Urbanização de autoria de Maria de Lurdes Rodrigues, que coincidiu com a criação da repartição de urbanismo na Camara Municipal de Carmona. Era um projeto interessante no que ao enquadramento dos edifícios nas ruas, largos e praças. Propõe jardins, edifícios em altura, habitações unifamiliares isoladas, dizia respeito. Tem, contudo, o senão de não dar uma visão de conjunto, e apesar de resolver algumas questões urbanísticas, deixa muitas questões em aberto, ficando por concretizar a utilização dos espaços intersticiais.
                Não deixa de ser interessante que há no Uíge algumas edificações que recuperam a “casa portuguesa” principalmente o bairro residencial para funcionários públicos. O modelo “Português Suave” está patente na delegação do BNA e ainda de certa forma nas instalações dos Correios e Finanças. O Palácio do Governo e a Camara Municipal tem uma feição monumentalista. O edifício da rádio, de expressão moderna é atribuído ao arquiteto angolano Simões de Carvalho, curiosamente o autor do edifício da RNA em Luanda.
                Não nasci no Uige, mas fui para lá com quinze dias. Foi o Uige da minha meninice até á minha entrada para a escola no dealbar dos anos sessenta. Depois passei a ir até lá nas férias com regularidade, depois irregularidade, seguida de falta de regularidade até à ausência total de regularidade, o quer dizer que deixei de ir.
                Nunca foi uma cidade que me marcasse por aí além, e sinceramente não apreciava muito o “far-uíge” prevalecente no quotidiano da cidade, com algum novo-riquismo a dominar a estratificação social da cidade, que o preto estava naturalmente impedido de partilhar.
                Desejo ao Uige, aos seus nados e criados melhores dias que outros tiveram nos cem anos anteriores, e que encontrem na cidade a atividade que os fixe e que ajude a promover a educação, a saúde e a intervenção cívica dos seus cidadãos.
                O centenário que um dia festejar é ter tudo isso acessível à generalidade da população e assim o Uige será uma cidade rica, porque é solidária e há um estado de excelência no social para as gentes desta terra abençoada por água e até ver vegetação que já foi luxuriante!

Fernando Pereira

17/10/2017
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