24 de abril de 2015

O 25 de Abril de 1974 também está a passar por aqui./ Ágora / Novo Jornal / Luanda 24-4-2014





José Gomes Ferreira, um dos poetas militantes que muito admiro, escrevia em Outubro de 1985: Momento sinistro de pensamento mutilado. Como é possível viver numa pátria assim! – de livros proibidos, de jornais proibidos, de peças proibidas, de homens proibidos – em que só silêncio é justo?

As revoluções não surgem por decreto. O 25 de Abril de 1974 é o corolário lógico do fim das indecisões que o fascismo de Salazar e sem Salazar tinham alimentado de forma doentia e sem qualquer tipo de solução. O 25 de Abril é o corolário lógico da fraude eleitoral de 1958, do Santa Maria, do 4 de Fevereiro de 1961, da queda de Goa, Damão e Diu, da Abrilada e do início e recrudescimento da luta armada em três palcos de guerra.
Em Portugal, a ebulição surge de forma reforçada na luta pelo horário de trabalho por parte dos trabalhadores rurais, nas greves nas fábricas e empresas por melhores direitos entre salários e proteção social, nas greves académicas de 1962 e 1969, na crescente fuga de gente para a Europa e no isolamento crescente de Portugal na cena política mundial. O 25 de Abril de 1974 é uma data que devolve aos cidadãos portugueses e aos povos sob dominação colonial uma nova identidade e uma nova dignidade.
Não foi feito por aventureiros, como se insinua recorrentemente, mas sim por aqueles que esperaram e desesperaram por uma solução tardia para os problemas que se arrastavam para um pântano de consequências perversas. Hoje, quarenta e um anos depois, podemos dizer que valeu a pena, e que podemos dar aos nossos filhos um mundo melhor, de liberdade, de participação cívica e de perspectivas de futuro assentes na melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos.
Podemos dar as voltas que quisermos, pessoalizar as razões para se afirmar o contrário, mas, de facto, foi a esses muitos homens fardados, que imediatamente tiveram uma adesão popular extraordinária, que ficámos a dever liberdades fundamentais, sem as quais não conseguiríamos respirar. Como em todas as revoluções ou processos políticos, há avanços e recuos, há situações mais ou menos obscuras, há aproveitamentos dos oportunismos que campeiam em qualquer sistema político, mas temos de ter em conta que Abril valeu a pena. Por tudo.
Para quem andava distraído, antes do 25 de Abril, lembro as "sábias palavras" do então mais alto magistrado da Nação Américo Tomás, vulgo “cabeça de Tarro”, que nessa altura era o Chefe de Estado do Minho a Timor.
"Memórias de Tomás" :"Eu por mim próprio, não me decidi a escrever as «Minhas Memórias». Decidiram-me. É que, estando quase toda a gente, ex-chefes de gabinete, ex-subsecretários de Estado, ex-secretários de Estado, ex-ministros, ex-chefes de Governo, escrevendo as suas memórias, a minha família começou a insistir comigo para que escrevesse as minhas «Memórias», na medida em que, disseram-me, mal me ficaria não escrever, também eu próprio, as minhas «Memórias». Habituado a falar e não a escrever, contando, segundo as minhas contas, nove mil trezentos e sessenta e quatro alocuções por sobre o território nacional, isto é, continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas, não minto, nove mil trezentos e sessenta e cinco alocuções por sobre o território nacional e internacional, ligadas ao meu cargo de Presidente da República, - eu nunca me afeitei a usar a caneta, coisa que disse repetidamente a minha família. Não tive sucesso, como é obvio, dado que me compraram uma caneta e ma deixaram fechada na mão. Foi então que, pegando na caneta, carreguei no botão do gravador e comecei: "Senhor bispo da diocese, senhor ministro das Obras Públicas, senhor governador civil, senhor presidente da câmara municipal, senhor presidente da junta de freguesia, minhas senhoras e meus senhores" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]"É esta, portanto, a ultima cerimónia que se passa na cidade da Guarda e eu não quero deixar passar esta oportunidade sem agradecer ao bom povo desta terra o seu entusiasmo, o carinho com que recebeu o Chefe do Estado. A chuva não teve qualquer influência no entusiasmo das populações. Elas vivem numa terra de granito, e a chuva não as apoquenta " A Guarda é um distrito de bons portugueses, de portugueses de uma só face, portugueses, portanto, sempre prontos a defender a terra que os viu nascer. E a Guarda tem uma particularidade: é a cidade mais alta da Metrópole" [ibidem, discurso na Guarda, in Século]" É uma terra [Manteigas] bem interessante, porque estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude. Pois o que desejo, sr. Presidente, para poder pagar, de qualquer forma a dívida que contraí, é que esta gente tenha um futuro feliz, abençoado por Deus. Que assim seja, para contentamento vosso e para contentamento meu " [ibidem, em Manteigas, segundo O Século, 1/6/1964]
Por acaso sabíamos que, quando se deu o 25 de Abril de 1974, Portugal tinha 32% de analfabetos, mais 47% que apenas sabia assinar o nome? Angola tinha 82% de analfabetos ? E que Cabo Verde tinha 26% de analfabetos devido ao facto de ter sido o segundo território africano a ter ensino secundário? Sabíamos, em Angola, que em Maio de 1968 houve uma "revolução em Paris", liderada por estudantes, e que alterou a configuração das referências das mentalidades da Europa? Sabíamos que em 1968 só houve duas sessões do filme "Crime da aldeia velha" no cinema Restauração, porque o texto de Bernardo Santareno ilustrava o último auto-de-fé em Portugal numa aldeia, nos anos 60? Sabíamos que o Feyenoord se recusou a jogar no estádio da Luz, para a taça dos campeões Europeus, porque o estádio estava decorado com publicidade ao "Café de Angola", tendo a UEFA mandado tapá-lo para que o jogo se realizasse? Sabíamos a quantidade de desertores do exército? Sabiamos que o Niassa levou com bombas para não transportar tropas para combater na guerra colonial? Sabíamos porque se sentava Bob Denard em mesas ao nosso lado, no Arcádia em Luanda, com a mona entrapada? Sabíamos que Sartre se recusou a receber o prémio Nobel? Sabíamos que Chalie Haiden foi posto sob prisão e expulso em 1972 porque no Festival de Jazz de Cascais cantou um hino aos movimentos de libertação? Apercebemo-nos que o Concord em Luanda não colocou a bandeira de Portugal no avião, mas outra?

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen


Fernando Pereira
21/4/2015
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