25 de novembro de 2011

Selo de Povoamento / Ágora / Novo Jornal 201/ Luanda 25/11/2011






Veio-me parar à mão um livro do Sandro Bettencourt, “ As mais belas cidades de Angola”, editado pela Zebra, e com prefácio do Julio Magalhães.
Profusamente ilustrado, é um verdadeiro livro que deveria ser patrocinado pelo “Omo”, já que de facto era difícil encontrar um conjunto tão grande de fotos que “Lavassem mais branco”!
As fotos são interessantes, algumas pouco enquadradas com as paginas, o que indicia um descuidado trabalho do gráfico, os textos são na genericamente muito fracos, e realmente o livro aproveita-se como a prova cabal de que o racismo em Angola existia, nalguns casos com foros de quase escândalo, e se as fotos querem perpetuar a “beleza e a mansidão” da sociedade colonial mais não conseguem mostrar uma hipocrisia.
Não sugiro que adquiram o livro, antes pelo contrário, mas se puderem dar-lhe uma pequena vista de olhos acabam por ver que não estou a dizer estultices.
Associado a isto veio-me à memória o célebre “selo de povoamento”, criado ao abrigo do diploma legislativo nº 3230 de 21/3/1962, um imposto “para o progresso das populações de Angola”.
Havia vários a preços diferentes, mas o mais emblemático era mesmo um rectangular com um fundo azul berrante onde sobressaiam três caras jovens de cor diferentes, que pretendiam simbolizar a multirracialidade da então “província de um vasto império”.
Esse selo tinha que ser comprado e colocado em todo e qualquer acto ou requerimento. Penso que em determinada altura nas cartas para o interior de Angola também era obrigado a partilhar o canto superior esquerdo do envelope com as estampilhas do correio. Nos anos setenta ainda se fez na Angola independente um selo com as mesmas características para a “Reconstrução Nacional”.
Numa tertúlia de amigos, dos que gostam de fazer inventários para tentarem comparar o presente e o passado colonial, “obriguei-os” a recordarem-se de um documento que todos nós tínhamos que possuir a partir dos doze anos, que era o “Recenseamento Policial”, medida que terá aparecido no fim dos anos 60. Era um “cartão de residência” com fotografia e que era obrigatório trazer, tendo o meu sido emitido na 8ª esquadra, perto do Largo da Maianga.
A conversa é como a ginguba e a certa altura lembrámo-nos do aviltante cartão de trabalho que todo o serviçal negro tinha que ter para circular, com a obrigatória assinatura do seu patrão; Muitas vezes, porque o patrão não estava, ou por qualquer outro motivo, o cartão não levava a assinatura e o polícia, ou umas esquisitas brigadas mistas de polícia e OPVDCA (Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Angola) uma Legião portuguesa em formato colonial, cangavam o cidadão. Esperavam-no eventualmente umas palmatoadas e uma cela imunda onde tinha que esperar, que o patrão se dignasse ter paciência para o ir buscar, o que permitia todo um conjunto de arbitrariedades, como por exemplo não o fazer para não lhe pagar o salário de miséria, argumentando que “tinha fugido”, o que dava logo direito a prisão a um cidadão, com contornos no mínimo kafkianos.
Outra das coisas que nunca percebi em Luanda fora os postos de controlo à saída da cidade, os únicos sítios onde se podia passar, já que toda ela esteve de 1961 a 1974 cercada de arame farpado, postos de vigilância com holofotes e patrulhas regulares a pé ou de viatura ao longo do perímetro.
Despercebi sempre se aquela cintura era para evitar que saísse ou que entrasse alguém na cidade. Inicialmente os postos de controle estavam numas casinhotas tipo “casa de cantoneiro”, em frente à prisão na saída para o Cacuaco, ao lado da fábrica da Cuca,a seguir ao cemitério na estrada de Catete, no fundo do ex-Bairro Popular, no que depois foi o Golfe e na Samba, junto a uma imponente Mafumeira no fundo da descida do Prenda, perto do morro da Luz.
Com o tempo e com o crescimento da cidade mudaram os postos e o do Cacuaco passou para perto da ponte do caminho-de-ferro do que poderia ter sido a Linha do Congo, da Cuca para perto da moagem do Quicolo, do Cemitério para o cruzamento da estrada da FILDA, do Bairro Popular para o extremo do Golfe e da Samba para o Futungo. Alargou-se o perímetro do arame farpado, fizeram-se uns postos maiores com um primeiro andar tipo fortim, e não havia ninguém que quisesse entrar ou sair que não fosse inspeccionado e averbada a matrícula e o nome do condutor da viatura.
Uma “cidade em paz”, rigorosamente vigiada dia e noite.
Fernando Pereira
22/11/2011

18 de novembro de 2011

Silopsismo não/ Ágora Novo Jornal nº200/ Luanda / 18-11-2011





O Novo Jornal, e aqui o meu espaço partilham convosco duzentas semanas, o que se pode inferir que ainda vamos tendo quem nos ature, presumivelmente nos leia e que a maior parte das vezes talvez goste do que escrevemos.
Neste exercício de quase puro narcisismo, lembrei-me que ao escrever a Ágora nº200, lembrei-me do Almirante Tomas, ultimo presidente da Republica de Portugal do tempo colonial que teve uma tirada que ainda é hoje recordada no anedotário político português, passados quase quarenta anos da sua deposição: «Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados.».
Porque falei do Tomas, não queria deixar de recordar uma frase que a “censura” em Portugal e nas colónias fez a um discurso seu, e que a Seara Nova, revista oposicionista, deu à estampa e que dizia isto: «Pedi desculpa ao Sr .Eng.º Machado Vaz por fazer essa rectificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Sr. Eng.º Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Sr. Eng.º Machado Vaz.».
Não deixa de ser bizarra a “Censura” proibir a publicação de partes do discurso do “Venerando Chefe de Estado de Portugal do Minho a Timor”.
Por falar em censura, li com muito agrado um livro recentemente editado pela Almedina de José Filipe Pinto, “Segredos do Império da Ilusitania- A censura na metrópole e em Angola”, que é um excelente trabalho de um investigador português que faz um estudo exaustivo da Censura em Angola, principalmente depois da criação do GNP (Gabinete dos Negócios Políticos) órgão criado em 1959 no Ministério do Ultramar, para controlar toda a informação nas colónias, e que em cada uma delas o governador era o responsável mor.
Mais cedo que tarde hei-de voltar ao livro, porque de facto quase nenhum jornalista em Angola escapou ao crivo da censura, salvo algumas excepções que apenas legitimaram a sua má catadura política e ideológica. Releva-se aqui que o major Kokh Fritz, funcionou para os governadores-gerais como uma eminência parda por onde tudo tinha que passar. Um verdadeiro Torquemada, ou um Gobbels de pacotilha, de todo o universo que cheirasse a letras em Angola, desde a imprensa, à proibição de livros ou a actividades culturais diversificadas.
Li o livro de Dulce Maria Cardoso, “O Retorno”, editado pela “Tinta-da-china”, e sinceramente mais do mesmo de um tema, onde ainda não vi uma abordagem coerente, ideologicamente distante e sem a confusão de afectos de quem o viveu e o transporta para a escrita, e daí para o prelo. Um romance feito de lugares comuns de alguém que tem pelo menos alguma honestidade intelectual de assumir que é o reflexo das suas vivencias, despidas de conceitos ideológicos ou discussões sobre o que foi o colonialismo português.
O livro é escrito de forma escorreita e fiquei com a ideia que Dulce Cardoso tem o que vulgarmente se diz “boa imprensa”, já que acaba por se multiplicar em aparições por tudo o que é rádio, tv e jornais, onde deixa transparecer ser uma pessoa simpática e interessante. Há contudo um detalhe determinante: Nem Portugal antes do 25 de Abril de 1974 era como ela descreve, nem Angola era o paraíso que deixou, mas a visão dos 11 anos não foi mesmo a sua aos 46, quando resolveu escrever “O Retorno”.
Costumo dizer que tenho no fundo da minha biblioteca muita tralha deste tipo para a “troca”.
Porque efectivamente a ditadura e o colonialismo aconteceram mesmo, e não há romance que o branqueie, não posso deixar esquecer que fez 75 anos que entrou o primeiro conjunto de presos no Tarrafal em Cabo Verde. Em 29 de Outubro de 1936 entraram os primeiros de muitos que lutaram pela liberdade nos seus Países. Porque temos que habituar as gerações vindouras a serem reconhecidas, acho que aos que por lá passaram lhes devemos mais que um quase circunstancial obrigado.
O Novo Jornal nestas duzentas edições já teve quatro governadores provinciais de Luanda nomeados, e por este andar suplantamos o Granma que já teve onze presidentes dos EUA desde a sua fundação.

Fernando Pereira
15/11/2011

11 de novembro de 2011

Penso, Logo Resisto /Ágora / Novo Jornal nº199 / Luanda 11-11-2011






No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
destemperada e a voz enrouquecida,
e não do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza

Luis de Camões (Lusíadas, estrofe 145, Canto X)

Tinha dezanove anos quando assisti a um dos melhores dias da minha vida: O 11 de Novembro de 1975. Tenho cinquenta e cinco e hoje assisto a um dos melhores dias da minha vida, o 11 de Novembro de 2011.
Todos os 11 de Novembro são dias de grande festa e enorme exaltação, nem tanto de patriotismo bacoco, mas acima de tudo de enorme partilha de responsabilidade de ter visto nascer este País, vê-lo começar a andar titubeantemente orgulhoso, passar uma infância mal vivida, uma puberdade algo desorientada, uma juventude de busca identitária e uma idade adulta envolta numa afirmação que só tardiamente encontrou.
A fortaleza de S. Miguel transformou-se há uns anos numa sucata de estátuas. Inicialmente colocaram por lá as estátuas que os colonos polvilharam pela cidade de Luanda, e tipo Lego,algumas partes das que desconseguiram trazer inteiras como por exemplo a de Paulo Dias de Novais, fundador da cidade em 1576, que está em 3DS, pois foi transportada em três fases do local onde estava, em frente à Igreja do Cabo. A estátua de Camões, com um estilo de certa forma travestido, devia ser devolvida à cidade e colocada num qualquer lugar, pois é um poeta importante numa lusofonia onde estamos integrados, mas que alguns não gostem muito que se diga em voz alta. Salvador Correia, Vasco da Gama, Diogo Cão e Afonso Henriques provavelmente vão para um museu porque de facto pouco tem a ver com a nova realidade do País. No caso do Afonso Henriques não deixa de ser paradoxal ter sido uma estátua erigida na cidade, iniciativa de uma subscrição pública promovida por uma direcção eleita da Liga Nacional Africana. Com a certeza que me estou a repetir, acho que a estátua de Pedro Alexandrino da Cunha devia voltar para a peanha em frente aos CTT, já que foi encomendada pelas forças vivas de Luanda em homenagem a um homem que lançou as bases para regulamentar várias actividades da cidade em meados do século XIX, para além de ter lançado melhoramentos que foram indispensáveis para a sua vivibilidade. Para completar colocaram recentemente a estátua da Rainha Ginga, que pelo menos livrou-se do pedestal desarmonioso onde a puseram no largo sobranceiro ao mais emblemático edifício de Angola, hoje desaparecido, o mercado do Kinaxixe, projecto de Vieira da Costa.
O engraçado da colocação aleatória das estátuas no estatuódromo, foi o Afonso Henriques ficar ao lado da rainha Ginga e olha-a de certa forma embasbacado, enquanto o Salvador Correia fá-lo de forma desconfiada. O Diogo Cão e o outro que o segura, que nunca soube quem era, continuam de costas para o cenário situação a que já estão habituados pois estão assim há trinta e cinco, numa posição que dá ideia que pouco se importam com o que quer que seja, e com o muito que se vai passando na cidade.
Este 11 de Novembro é a cada ano que passa uma data que nos fez sentir úteis, porque de certa forma andámos com este País ao colo, e sentimo-nos uma parte dele, e por isso tantas vezes nos chateamos e discutimos tanto por sua causa, pois gostamo-lo muito.
Se algumas vezes parece que estamos próximos da estrofe dos Lusíadas que abre o texto, logo sobrevêm a outra alegria, a de partilharmos os “11 poemas em Novembro”, do Manuel Rui Monteiro, indiscutivelmente o poeta da nossa “dipanda”!
Fernando Pereira
7/11/2011

9 de novembro de 2011

Chefe,Precisamos de mentiras novas/ O Interior / Guarda 10-11-2011




“Quando a nossa festa s'estragou
e o mês de Novembro se vingou
eu olhei p'ra ti
e então entendi
foi um sonho lindo que acabou
houve aqui alguém que se enganou”
José Mário Branco (Eu vim de longe)

Recordo com saudade um PREC nunca esquecido, e que os tempos seguintes foram transformando numa cabala de proporções enormes, que ainda hoje vai prevalecendo como verdade em muita gente que tampouco viveu esse período entusiasmante da sociedade portuguesa.
O 25 de Novembro de 1975 marca a derrota clara da esquerda militar, empurrada que foi para uma aventura golpista sem objectivos claros, mas não foi a derrota do 25 de Abril de 1974 como muitos então saudosos do salazarismo assim o desejavam.
O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) emerge no 11 de Março de 1975, data em que uma tentativa de golpe spinolista é travada, e inicia-se um período de nacionalizações de múltiplos sectores da sociedade portuguesa, que curiosamente hoje a maioria das pessoas acha que deveriam permanecer na mão do estado, e a sua privatização é o definitivo entregar aos sucessores do xerife de Nothingham, na versão caseira dos montes Hermínios.
Os governos neo-liberais que governam o País nas duas últimas décadas dedicaram-se a desbaratar esse conjunto de empresas que foram nacionalizadas em 1975, como forma de evitar que as “sete famílias” que dominavam economicamente Portugal atrofiassem e boicotam-se as “conquistas de Abril”, a caírem infelizmente no baú das recordações, e nas palavras de ordem das cada vez maiores manifestações de rua.
Hoje quando vou ouvindo algumas opiniões particularmente dos “senidores” da democracia como é o caso de Cavaco, Soares ou Almeida Santos, e quejandos, fico com a sensação que são alienígenas, pois acho que nunca estão ou estiveram em lugares de responsabilidade e que o Varas, Loureiros, Oliveiras, Coelhos, Melancias e outros seres que povoam o mundo vegetal e animal, nunca foram seus companheiros de estragos.
Quando recordo Vasco Gonçalves e um conjunto de militares de Abril voluntariosos na vontade de contribuir para a elevação económica social e cultural dos cidadãos do País, e vejo quanto foram aviltados na sua dignidade, sem que alguém pudesse dizer que esta gente se aproveitou do lugar para benefício pessoal, de familiares próximos ou comanditas que regem a partidocracia reinante desde as estruturas autárquicas ao poder central passando por todo um conjunto sinuoso de patamares, alguns deles fechados a sete chaves e inacessível ao obscuro objecto de certos desejos.
Não sei bem porquê mas veio-me à lembradura o tipo que faz um biscate numa casa e enquanto vai fazendo o trabalho, com uma loquacidade espantosa vai desferindo em todos os sentidos, “contra os aldrabões que nos governam”, “faz falta aqui um Salazar”, “ Querem ir para lá para se abotoarem”, “cambada de vigaristas” e por aí fora. Acabado o trabalho pedes-lhe a “venda a dinheiro” e ele vocifera como lhe estivesses a fazer o maior insulto: “Você tem que me pagar o IVA, mas se eu soubesse que queria factura levava-lhe mais, porque este ano já tive que passar umas poucas e levo com o aumento de imposto no fim do ano, para dar de comer a estes vígaros”.
Talvez os culpados fossem mesmo os do 25 de Abril de 1974, porque afinal depois deles entregarem isto aos politiqueiros o País vai de vento em popa!

Fernando Pereira 7/11/2011

4 de novembro de 2011

O 11 está a caminho / Ágora/ Novo Jornal nº198 / Luanda 4-11-2011




“Somos Independentes, Seremos Socialistas”, era uma frase muito em voga no dealbar da independência há trinta e seis anos. Somos independentes, mas não seremos socialistas, pelo andar da carruagem.


A história que vou contar passou-se comigo recentemente num bar numa cidade portuguesa, e reflecte um pouco a selectividade com que o desfiar da memória está cheia de perversidade junto de gente que não viveu o antes de Novembro de 1975. O bar estava “composto” e um tipo preto com a bandeira de Angola ao peito e ia provocando as pessoas sem que ninguém lhe dissesse o que quer que fosse, porque vem sempre da pior forma o estigma do racismo de sinal contrário: Não dizer nada porque “é de cor” e é chato! Eu a certa altura levantei-me e disse-lhe: “ Acaba mas é com a palhaçada, que ainda por cima tens aí uma bandeira que merece respeito, e que custou o sacrifício de muita gente”; o tipo olhou-me e diz-me: “Oh Kota, e que tens tu a ver com isso, também te sacrificaste?” Eu, tomando em parte dores de parto alheio disse-lhe que “por acaso até me sacrifiquei para te dar um País”, e ele acto contínuo respondeu-me: “ Boa merda fizeste”!

Confesso que esta conversa deixou-me siderado, porque era um rapaz com cerca de trinta anos, e tudo o que podia saber para comparar só porque alguém lhe contou, de forma enviesada.

Pouco importa para o caso, porque digo sem qualquer rebuço que o angolano vive indiscutivelmente melhor hoje que vivia no tempo colonial. Alguns dos que me lêem vão dizer que ensandeci definitivamente tal a forma peremptória como reafirmo que a Angola de hoje é para o angolano um espaço de vida e de liberdade bem melhor que no “tempo do colono”.

Hão-de vir os muitos que se foram esquecendo que já no período final do tempo colonial em Luanda havia um documento chamado cartão de residência, passado nas esquadras da polícia dos bairros e obrigatório que qualquer pessoa o trouxesse consigo, assim como um documento de trabalho que era aviltante para o cidadão, que no caso de não o possuir ia bater com os costados na cadeia, até que o patrão o fosse libertar, ou dar-lhe a carta de alforria.

Claro que não vou recuar aos tempos da vigência do Acto Colonial, nem a tudo que foi acabando no fim dos anos cinquenta por imposições de revoltas, que tiveram visibilidade internacional e obrigaram as autoridades portuguesas a fazer concessões, muitas das quais apenas no campo da retórica e da cosmética.

Não vou falar do tempo colonial, porque na realidade já passou, e ainda bem.

Os angolanos depois de tantos anos a andarem à “porra e à massa”uns contra os outros acabaram por começar a construir uma nação, num quadro de diversidade, num estado com instituições e acima de tudo a encararem o futuro com redobrada confiança.

Não me estou a violentar por estar a escrever este quase panegírico à Republica de Angola, porque o que vamos assistindo um pouco por todo o País é um trabalho de recuperação de infra-estruturas excelente, a dotação de meios indispensáveis à melhoria das condições sociais da população, nomeadamente nos campos da saúde e da educação. Já aqui tenho discordado da forma como muitas vezes tem sido feitas determinadas estruturas, e não concordo com as decisões que por vezes são tomadas em relação a algumas questões, mas não se pode deixar de reconhecer que tem havido empenho para que muito tenha emergido neste início de século no País.

Pois, mas a corrupção, o enriquecimento desmesurado de gente ligada a determinados círculos, a opacidade das decisões em estruturas governativas e empresas estatais, a pouca eficiência da justiça ou a falta de liberdade de imprensa, também merecem profunda reflexão e fazem parte da evolução da democracia, da integração de jovens quadros licenciados em Angola ou no exterior e uma cada vez maior participação em movimentos cívicos de defesa de valores que já nada tem a ver com o longínquo 11 de Novembro de 1975.

A maior parte da população de Angola já não viveu o passado colonial, e se mostra alguma nostalgia é porque quem conta teve que fazer um exercício selectivo de memória para objectivamente transformar esse período numa realidade edénica, algo que nunca foi.

Mas também é com essa realidade de gente que em 11 de Novembro de 1975 não tinha nascido ou estaria na infância ou adolescência, que se exige um futuro diferente para o País, e também urge que acabem alguns estigmas que pontualmente são utilizados de forma oportunista.

Gosto muito da Angola independente, e acima de tudo entusiasma-me ver o muito que se faz e que tem pouca visibilidade no exterior.

É indispensável que a afirmação ideológica regresse ao País de forma a libertar as novas gerações do fantasma de um passado que pouco tinha a relevar.



Fernando Pereira

31/10/2011
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