1 de novembro de 2018

A VIDA NÃO PASSA DE UMA TROCA DE CHEIROS / Novo Jornal / Luanda 1-11-2018




A VIDA NÃO PASSA DE UMA TROCA DE CHEIROS

“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem livremente, nas condições por eles escolhidas, mas sim nas condições diretamente determinadas e legadas pela tradição. A tradição das gerações mortas pesa como um sonho mau no cérebro dos vivos. E até mesmo quando parecem ocupados em transformar-se, a si e às coisas, em criar algo que ainda não tenhamos visto, é precisamente nestas épocas de crise revolucionária que evocam com inquietação os espíritos do passado, pedindo-lhes emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, os seus costumes, para entrarem na nova cena da história debaixo desse disfarce venerável e com essas palavras emprestadas.”
                                                                               Karl Marx in Early Texts

                Apesar de a partir de determinada altura se rejeitar na sociedade angolana o marxismo, transformando-a num misto de neoliberalismo e capitalismo selvático (diferente de selvagem) não devemos deixar de fazer reflexões sobre qual será a nova matriz ideológica do País.
                Passámos de um tempo de arremedo de marxismo-leninismo, ou socialismo científico, como alguns gostavam de o propalar nas intermináveis reuniões do partido nos ministérios ou empresas, para um petro-marxismo em que tudo gira em função do preço do barril.
                Angola deixou “a moda do marxismo-leninismo”, como disse em determinada altura Dino Matross, quando se referiu, de uma forma algo infeliz, a um período de Angola pós Novembro de 1975, para passar para uma situação híbrida que foi o navegar à vista ao sabor do preço do Brent.
                O angolano, que fruto da necessidade de afirmação no contexto de dificuldades inerentes à independência do País, criou um “umbiguismo”  endógeno, que o estado de abastança do petróleo hiperbolizou. Angola era o centro do mundo e tudo o resto rodava à volta do País. Não nos perguntávamos se éramos suficientemente melhores, ou até mesmo suficientes para sermos de facto o que julgávamos ser, com alguma soberba de permeio.
                Hoje navegamos na desesperança e nem a mudança do “sloganguismo” consegue dar um rumo aos novos tempos tantas vezes prometidos, e penosamente adiados.
                Pepetela no Mayombe na personagem Sem Medo: “queremos transformar o mundo e somos incapazes de nos transformar a nós próprios”. Foi premonitória esta frase da figura central dum dos livros maiores da literatura angolana.
                Angola foi durante demasiados anos a mata, ou a “guerrilha” na cidade, com todas as suas convicções, com o seu determinismo, e com a vontade de fazer, mas foi simultaneamente o lugar de desconfianças, de intrigas, de violência, de traição e também do amiguismo.
                João Lourenço acaba com um ciclo que já devia ter acabado há uns anos! O fim dos da guerrilha no aparelho do Estado, nas Empresas e na condução dos destinos da economia e da política do País.
                Quando Neto morreu e José Eduardo dos Santos emerge como Presidente da Republica pairou a ideia que iria haver um maior enfoque na hierarquia das competências, já que a experiencia vivida até então, com muito voluntarismo à mistura tinha transformado o País num estado desolador mormente na economia.
                Na altura dizia-se em surdina que “Angola ganharia muito se desse aos guerrilheiros uma vivenda no Mussulo, uns criados, carros e outras mordomias diversas e que se mantivessem afastados da direção económica e política do País”. Obviamente que este tipo de retórica vinha de sectores muito críticos da evolução política do País, e que anos mais tarde fizeram parecerias e sociedades com os que na altura vilipendiavam.
                O novo Presidente da Republica consegue inverter um ciclo que só poderia ser possível com o desaparecimento físico dos que emergiram da guerrilha.  Isso abre algumas novas oportunidades aos cidadãos, porque se acaba de vez com essa honorável, mas a partir de determinada altura dispensável condição de guerrilheiro, para se subir na hierarquia, ou ter direitos mais que adquiridos.
                “…a fronteira entre a verdade e a mentira é um caminho no deserto. Os homens dividem-se dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem onde se encontra esse caminho de areia no meio da areia?
                Existem, no entanto, e eu sou um deles. Sem medo também o sabia. Mas insistia que era um caminho no deserto. Por isso se ria dos que diziam que era um trilho cortando, nítido, o verde do Mayombe. Hoje sei que não há trilhos amarelos no meio do verde.” Mayombe-Pepetela

                Fernando Pereira
                29/10/2019
               

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