23 de abril de 2010

Branco de quintal/Novo Jornal/ Ágora/ Luanda 23-04-2010



“Prefiro morrer, a mudar de clube!”, dizia o Fernando Teixeira (Baião), nas saudáveis discussões, sobre a continuada ausência de títulos do seu Sporting.
Teríamos de todo preferido, que tivesse mudado de clube, e que se tivesse mantido vivo entre os muitos que o estimávamos.
Há uns tempos que a sua saúde se degradava, e o combate era uma luta desigual, mas que o Baião ia encarando com relativa serenidade, e quase invariavelmente com o seu proverbial humor.
É complicado falar de uma pessoa, que era amigo dos seus amigos, pai extremoso, dedicado à família, solidário e de uma probidade intelectual, assumindo sem tibiezas publicas posições políticas, afirmativas da vontade de ver uma Angola independente e progressista.
Depois de ter andado uma vida inteira com números às voltas, dedica-se à escrita, e num curto espaço de oito anos publica quatro livros, onde procura transmitir um colorido de linguagem, com a sua verve, que o tornava um sedutor em todos os locais onde aparecia, e onde todos apreciavam a sua companhia.
Passa a meninice e juventude em Luanda, onde era um verdadeiro “capitão da areia”, na ocasião frequentando o Instituto Comercial, o vetusto colégio D. João II, e a Liga Africana.
Embarca para Lisboa, para prosseguir os seus estudos superiores, acabando por se licenciar em Economia na Bélgica, para onde vai por razões políticas, engajado numa luta contra o colonialismo português em Angola.
Regressa e entra para a Inspecção de Crédito, faz parte da coordenadora que em 14 de Agosto de 1974 nacionaliza a banca, depois no Banco Nacional de Angola onde passa por todos os lugares de direcção, tendo chegado a Governador.
Administrador da parte angolana de uma companhia de capitais belgas (FINA), Fernando Teixeira (Baião) começa a ter tempo para ler e absorver novas realidades, começando a escrever, para que todos nós pudéssemos partilhar a muita história, que contou ao longo dos anos, naquele “jeito” inconfundível, onde nunca havia momentos de tédio.
Pediu-me várias vezes opinião sobre o que escreveu, e sempre o fiz, sem qualquer hipocrisia, porque na realidade era um amigo e aos amigos, ensina-se a tentar ser melhor. Fui muito crítico de alguns textos, que lia antes de o livro ir para o prelo, e agradecia-me a crítica e aceitando algumas sugestões que lhe dava, o que ilustra bem como estava na vida e qual a sua relação com as pessoas.
Desapareceu um amigo, um homem de uma grande energia, e Angola empobrece com o desaparecimento de pessoas com esta nobreza de carácter, que enquanto director do DOI do BNA, nunca regateou ajudar pessoas de parcos recursos, que necessitavam de urgência em tratamentos médicos no exterior do País.
A sua alcunha de Baião, vem do seu virtuosismo para a dança, que fazia furor nas farras de Luanda, onde invariavelmente acabava descalço.
Valia a pena ter mudado de clube, nem que fosse só pelos seus filhos, sua mãe e seus amigos, onde sei por experiencia própria, que tinha lugar cativo.
Fernando Teixeira (Baião) faleceu no passado 12 de Abril com 70 anos e publicou “Estórias a Corta Mato” (Luanda 2002), “Branco de Quintal” (Luanda 2006), “O Crime do Bairro da Cuca” (Luanda 2007), que serviu de guião a uma telenovela recentemente exibida na TPA,”Kimalanga” (Luanda 2009).

Fernando Pereira
18/04/2010

21 de abril de 2010

Muimbo Ua Sabalu - Agrupamento Nzagi

Ao fruir de uma escuta em modo aleatório pelos milhares de ficheiros áudio de música angolana de todas as épocas que colecciono, deparo-me com uma pérola: o poema "Muimbo Ua Sabalu" do insígne Mário Pinto de Andrade (1928-1990), interpretado pelo Agrupamento Nzagi.

Pouco ou nada sei sobre este Agrupamento Nzagi. Quantos eram, quem o compunha, em que época precisa trabalharam? Este constrangimento não me inibe de partilhar o áudio, precioso arquivo sonoro evocador de outras épocas e lutas comuns.

Toda a contribuição esclarecedora destas e/ou outras incertezas colaterais será bem-vinda, e imensamente apreciada.
Grato,
Toke
Luanda-Angola








Muimbo Ua Sabalu
Poeta: Mário Pinto de Andrade (1928-1990)

Mon'etu ua kassule
Akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
Ua kutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu ua ririlé
Mama ua sanukilé
Mon'etu ua ririlé
Mama ua sanukilé

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia
Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu ua dirilé
Mama ua salukilé
Mon'etu ua dirilé
Mama ua salukilé

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexidié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexidié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia
Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia

Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé

(Nosso filho caçula
Mandaram-no pra S. Tomé
Não tinha documentos
Aiué!


CANÇÃO DE SABALU

(Nosso filho chorou
Mamã enlouqueceu
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho partiu
Partiu no porão deles
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Cortaram-lhe os cabelos
Não puderam amarrá-lo
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho está a pensar
Na sua terra, na sua casa
Mandaram-no trabalhar
Estão a mirá-lo, a mirá-lo
—Mamã, ele há-de voltar
Ah! A nossa sorte há-de virar
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho não voltou
A morte levou-o
Aiué!)


"Muimbo Ua Sabalu" - Agrupamento Nzagi

"Muimbo Ua Sabalu" - Bonga Kwenda - Angola 72

"Muimbo Ua Sabalu" - Rui Mingas - Temas Angolanos

"Muimbu Ua Sabalu" - Rui Mingas - Memória



18 de abril de 2010

A Rosa de Porcelana/ Ágora / Luanda / Novo Jornal / 16-4-2010



A rosa de porcelana, é uma flor de encantos inigualáveis a miríade de plantas ornamentais da flora angolana.
É uma flor inodora, que permanece durante muito tempo bastante viçosa, tirada do arbusto que a fez crescer, e mesmo seca mantém a auréola de particular beleza
A rosa de porcelana, é bem a imagem viva do que vamos mantendo quando nos queremos recordar de tempos idos, em que julgávamos conseguir aldrabar tudo, menos a felicidade solidária que nos uniu nas carteiras do liceu Salvador Correia.
Trinta anos depois de ter largado o liceu, e ao recuperar memórias e gentes desses anos de desobrigação mental, a felicidade do reencontro tem sido um exercício maravilhoso de reconstrução de ideias e projectos, que de certa forma julgámos encerrados no baú, dos nossos tempos de transição, entre o calção de tecido da Gajajeira, e o primeiro par de calças de ganga.
Só não partilho com Fernando Pessoa (Álvaro Campos), no seu “Aniversário”, a frase «raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira», porque o meu passado, todos os meus passados andam sempre comigo, e por isso trago hoje à lembrança o mercado que invariavelmente se ia fazendo à porta do liceu, durante os intervalos das aulas.
Um conjunto de vendedores, com uma panóplia de doçuras e gelados, invadia o portão fronteiro do liceu.
Comecemos pelos paracuquistas, que vendiam o amendoim torrado, envolto em açúcar, ou tiras de coco misturados com açúcar e canela, que nós desenrolávamos de um cone de papel pardo. Havia depois os vendedores de “bolas de berlim”, muito açucaradas e sempre acompanhadas por umas “varejeiras” azuis brilhantes, que mais não faziam que atestar o bom estado de fritura das mesmas. Por vezes os paracuqueiros traziam os famosos guarda-chuvas de açúcar, uma coisa vermelha, verde e amarela, embrulhada num papel acelofanado , que demorávamos tempos a tirar, mas que era um verdadeiro potenciador de uma hiperglicémia com que pouco nos preocupávamos então! Sobravam neste conjunto os mais destacados dos vendedores: Os dos gelados!
Os carros dos gelados eram todos mais ou menos iguais, com as rodinhas, com os homens fardados, normalmente uns com umas fardas menos imaculadas que outras e vinham dos locais mais recônditos da cidade. Do Baleizão vinha o gelado embrulhado em papel, com preços diferentes em função do tamanho; da Maianga vinha um carro igual aos outros, com duas rodas, mas que era servido na altura com uma espátula que dava para todos os sabores, que convenhamos era pouco mais que água, um projecto de leite em pó e açúcar.
Com uma performance, a raiar a modernidade, apareciam os “gelados Torrão” . A família Torrão praticamente conseguiu secar a concorrência disputadíssima na entrada do Liceu. A família Torrão faz-me hoje lembrar um pouco a “família Adams”, pois nas suas imaculadas batas brancas sobressaia uma alvura de pele, que nós estávamos pouco habituados a ver. Era a família toda no negócio, e os gelados até nem eram maus, mas também era o único que só enchia o cone por cima, o que fazia que à primeira lambedela, e quão sôfregas eram as nossas lambedelas na altura, o gelado ia direitinho para o asfalto, sob o nosso olhar desalentado, e víamos a indisfarçável alegria que as faces rosadas dos Torrões não ocultavam, pois potencialmente, seríamos um cliente no intervalo seguinte.
O patriarca Torrão ia olhando para todos os Torrõezinhos, que nos iam limpando os parcos trocos, que dificilmente conseguíamos subtrair aos nossos pais, e através de um código de olhos e sinais, todos iam sabendo qual o estado da safra e da necessidade de poupar na dose, que nunca era igual de um dia para o outro. Talvez a despropósito, mas faz-me lembrar o que disse um dia o realista milionário norte-americano Warren Buffet, “a luta de classes existe e a minha classe ganhou-a”. Os Torrões ao tempo não deram hipóteses à concorrência!
Nunca me apercebi que os Torrões apanhassem sol, pois sempre os vi com aquela cor branca acinzentada,homens e mulheres usavam bigode, no caso dos homens mais denso, no caso das mulheres, com menor exuberância capilar, e pareciam-me a mistura perfeita entre o gelado de leite e as moedas de dois e quinhentos da altura, custo de apenas uma só lambedela.
Convém dizer que a última vez que comi um gelado azul, foi em frente ao liceu, uma bizarrice que nunca mais consegui ver para repetir, em parte alguma do mundo, nem sequer no meu adorado “estádio do Dragão”! Com a independência foram-se os Torrões, mas mantiveram-se todos os outros, e hoje alargou-se o mercado e a mercadoria!
A rosa de que falei no início, é apenas mais uma pétala de uma flor que nos deve unir, enquanto portadores de coisas bonitas que vivemos em tempos idos e que hoje só não vivemos se não quisermos, nem que seja na lembradura.

Fernando Pereira
5/3/2010

2 de abril de 2010

Desculpem qualquer coisinha/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 2-4-2010



Nada do que está a acontecer, sobre os usos e abusos da Igreja Católica me tem surpreendido, e convenhamos que só ainda estamos perante a ponta do icebergue, porque diariamente, as notícias de actos de sordidez sexual por parte do clero, fazem novas manchetes na imprensa internacional.
Sou agnóstico, embora aceite como positivo, uma parte da doutrina social da Igreja, mas sinceramente sou muito relutante, em aceitar os desígnios nebulosos onde se refugiam as religiões para perpetuar a sua influência, e manter o seu estatuto de aparente neutralidade, de igual forma a servir democracias ou totalitarismos, como se pode ver ao longo da história da humanidade.
Nenhuma religião assenta os seus fundamentos numa democracia, algumas até se violentam, quando tem de conviver com os exercícios de cidadania, inerentes à diafonia exigível num espaço de intervenção democrática quotidiana.
No caso da Igreja Católica, assente no primado da infalibilidade do Papa, há toda uma sucessão de situações que me intrigam, e por mais que tente que o silogismo seja certo, desconsigo.
Para além da inspiração divina para a nomeação do Papa, e isso não faz parte do silogismo, mas por obra do Espírito Santo, a verdade é que são os cardeais que nomeiam o Papa, que por sua vez nomeia os cardeais que irão eleger um ou mais Papas, dependendo das circunstâncias versas ou adversas. Porque isto também não é tudo a sério, há cardeais que são pontos, e há Cardeais que são uns verdadeiros pontos. De uns preciso deles, nem me dando a oportunidade de gostar, dos outros sinceramente não gosto, embora reconheça que faço parte de uma minoria, mas paciência.
A maioria habituou-se a gostar deles, porque foi a cultura judaico-cristã que definiu o mapa da Europa e concomitantemente os Novos Mundos, onde Angola se insere, desenhando mapas que na maior parte dos casos estimularam a destruição de sociedades mais justas.
Constantino, Imperador Romano, quando se dá conta que os “bárbaros “, ameaçam as fronteiras do que resta do Império, resolve aderir ao cristianismo, e assim reforça os exércitos e consegue alianças que lhe permitem lutar contra os Otomanos. Manda o Baco, Júpiter, Minerva, Saturno e outros Deuses da mitologia romana” às malvas”, e ei-lo na adesão ao monoteísmo, deixando esses deuses para nomes de marisqueiras, barcos, casas de espectáculos, hotéis e por aí fora.
Anda muita ebulição, nos 44ha do Estado da Cidade do Vaticano, que pelo Tratado de Latrão, assinado em Fevereiro de 1929 entre o Papa Pio XI e o fascista Mussolini, se constituiu como País.
O conjunto de acusações relativas á pedofilia por parte da Igreja Católica, não são de agora, são práticas continuadas há séculos, só que o medo e a possibilidade de manter tudo entre as sólidas paredes da instituição, impediram que a divulgação assumisse a dimensão que estamos a ver, e a expectativa que paira é que nada vai ser como antes.
Hoje, o laicismo dos Estados, a forte dinâmica dos media, a busca de uma cada vez maior liberdade e consequentemente o encontrar novas respostas, leva que a Igreja Católica tente desesperadamente alargar um espartilho por si próprio criado, e não vale a pena dizer-se que há uma ofensiva contra a Igreja, porque na realidade já há demasiados “ casos isolados” , para que as pessoas fiquem indiferentes.
Nada tenho a ver com a Igreja Católica, mas como cidadão acho que uma reflexão sobre o desenvolvimento acelerado da ciência no ultimo século, exige que se acabem dogmas e que não se partilhem silêncios cúmplices, que como já se viu só o são por períodos limitados de tempo, e ninguém está disposto já a guardá-los para o “Juízo Final”.
Aos Estados cumpre apoiar as vítimas, deste sórdido exercício de mentecaptos, que a coberto de uma sotaina, provocam danos irreparáveis em crianças e jovens colocados a seu cuidado.
Devem ser punidos exemplarmente, para que sirvam de exemplo a futuras tentativas de devaneio por parte de quem, muitas vezes se acha com superior autoridade moral, para fazer apreciações sobre algo que recusam no seu próprio seio: a utilização plena da liberdade!
Desculpem-me, mas estou irritado e enojado com tudo isto!

Fernando Pereira
30/3/2010
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