26 de março de 2009

O Bem Amado / Ágora / Novo Jornal/ Luanda 29-03-09



No dia 22 do passado mês de Fevereiro, falecia no Rio de Janeiro a actriz brasileira Ida Gomes.
Provavelmente ninguém se lembrará da actriz, mas se disser que ela representou o papel de Doroteia no “ Bem Amado”, muitos da minha idade, alguns mais velhos e uns quantos mais novos, recordar-se-ão de um dos momentos de maior” unanimismo” em torno da programação da TPA.
Ainda demoraria algum tempo, para termos em nossas casas receptores de TV a cores, pois as que tínhamos eram a preto e branco, a bem dizer um cinzento, que de certa forma, era a cor adequada à política informativa do MPLA em determinada fase do “processo”.
O “Bem Amado” foi a primeira novela a cores gravada no Brasil , e apesar da “ditadura militar brasileira” é transmitida na Globo em 1973, tendo chegado a Angola no início de 1980, tendo sido um factor de quase unidade nacional, só mais tarde repetido com “Roque Santeiro”, já em meados da década de 80.
“Povo de Sucupira! Donzelas praticantes e juramentadas, matronas com larga fé de ofício! Cidadãos e cidadãs que repousam em berço esplêndido dentro do meu coração”; Foi desta forma que Odorico Paraguaçu subiu como perfeito, ao palanque da praça de Sucupira, para iniciar um percurso de centena e meia de episódios, e enriquecer-nos com um léxico que ainda hoje se perpetua no quotidiano dos angolanos.
Notável trabalho de Dias Gomes, com musica de Toquinho e Vinicius de Moraes, numa novela onde estava a “nata “ do teatro brasileiro, que começou a “emprestar” à TV os seus actores, assumidamente para que estes pudessem obviar às dificuldades inerentes a viver-se unicamente do teatro profissional.
Paulo Gracindo no papel de Odorico e Lima Duarte no papel de Zeca Diabo, encabeçam um elenco de luxo, e uma história que nos amarrava durante uma hora às terças e domingos em frente à TV.
“Seu Dirceu, convoque o deputado. Preciso de ter com ele um ccoloquiamento apelatório catequisante”. “O falecimento é uma condição sine qua non ao estado difuntício”. “Seu Dirceu, o senhor tomou todos os providenciamentos?”.E a cereja em cima do bolo: “Vamos botar de lado os entretanto e partir pós finalmente. Talqualmente”! Estas foram apenas umas quantas frases de uma telenovela imorredoira, e que nunca foi deslembrada.
O fascínio por esta novela era tal, que nada se marcava para a hora da sua emissão, e a cidade literalmente parava duas vezes por semana, à terça e ao domingo, por volta das 21h. Se tivéssemos que ir a Benguela e ao Huambo, Tínhamos a sorte de ver o mesmo episódio três vezes pois a bobine circulava entre províncias.
Havia coisas extraordinárias que aconteciam nesses tempos, como por exemplo termos de ver novamente o ultimo episódio, porque alguém muito importante não o tinha visto, e pressionava o Rómulo, ao tempo director da TPA, a colocar no ar o episódio perdido. Vinham ainda longe os vídeos, os DVDs, e toda a outra tecnologia de reprodução, hoje ao alcance de muita gente.
O “Bem Amado” era uma verdadeira caricatura de um Brasil de caciquismo, de paixões ocultas, de exaltação da fé, e acima de tudo de gestão depótica do poder. Toda a novela girava alegremente em volta de um cemitério, slogan de campanha do partido no poder, personificado em Odorico:” Vote em um homem sério e ganhe um cemitério”.
Fazendeiro, corrupto, político inculto, prefeito que era” prafrentemente e pratrasmente um homem deverasmente”peculiar, sinistro e maquiavélico.
Quando Zeca Diabo, um cangaceiro devoto a “santo padim pade Ciço Romão Batista” mata Odorico, que inaugura o seu cemitério, mote de todo a novela, a autoridade judicial Lulu Gouveia faz o discurso fúnebre:”Adeus Odorico, o pacificador, o desbravador, o honesto, o bravo, o leal, o magnífico…”
Foi bom revisitar o “Bem Amado”

Fernando Pereira
18/03/09
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