15 de maio de 2015

As árvores morrem de pé- Ágora- Novo Jornal-Luanda- 15/5/2015


Quando vi muito difundido nas redes sociais o abate de uma árvore centenária no largo fronteiro à sede e serviços administrativos da ex-Sociedade Agrícola do Cassequel veio-me à lembrança o título de uma peça de Alejandro Casona, e as recordações do meu pai que trabalhou nos serviços administrativos e sempre se lembrou delas existirem por ali desde que para lá foi nos anos quarenta.
Acho que apenas serviria de nota de rodapé numa crónica, este ato de vandalismo cometido pelas autoridades da Catumbela, mas infelizmente o que se passou nesse espaço é quotidianamente repetido pelo País fora com a complacência e cumplicidade até das autoridades da tutela.
Angola viveu durante muitos anos uma situação de desbaste continuado de árvores, fruto da falta de abastecimento de combustíveis alternativos às populações que viviam no campo ou nas próprias cidades, incluindo Luanda. Era a fase da sobrevivência a todo o custo!
Durante demasiado tempo o carvão de madeira era a única alternativa para a maioria das pessoas cozinharem ou aquecerem o que quer que fosse. Foi um negócio que permitiu a sobrevivência de muitos, mas levou a um desbaste de árvores praticamente em todo o País e a renovação não existiu. O que é lamentável é que a situação continua a não ter resposta nem de entidades públicas nem empresas privadas.
Esta é uma situação muito preocupante na generalidade dos países africanos e Angola confronta-se com essa realidade, sem que se vá dando conta de que a mancha verde que cobria uma parte do País foi sendo cada vez mais reduzida devido à falta de controlo no abate de árvores nos tempos que correm.
As cidades foram crescendo para locais onde antes existiam pequenas lavras e zonas com vegetação, mais luxuriante no norte e centro que no sul. O solo degrada-se e o manto verde, rico em húmus, ficam vulneráveis e substituídos pelas camadas de argila, calcário e areia, paupérrimas para qualquer atividade agrícola ou pecuária.
Este fenómeno é comum no campo, onde a inclemência do clima, com uma exposição solar continuada, a que acrescem as chuvadas diluvianas, aumentam os níveis de degradação dos solos que vão sendo mais estéreis e os terrenos cada vez mais pobres e, concomitantemente, pouco disponíveis para a fixação de gente, dada a cada vez menor rendabilidade na sua exploração.
Angola vive esta situação dolorosa que parece indiferente à maioria dos cidadãos, e as próprias autoridades tendem a ignorar algumas malfeitorias que os pouco escrupulosos madeireiros vão fazendo um pouco por todo o lado, abatendo espécies arbóreas que deveriam ser protegidas. A lei que existe talvez seja suficiente, mas era de todo indispensável que as sanções aos prevaricadores fossem maiores porque na realidade não estão a prejudicar as pessoas de hoje, estão a deixar um futuro degradado e sem expectativas às gerações vindouras. Salvo a ADRA e pouco mais, vejo muito poucos na sociedade civil a tentarem impor outras regras.
Conheci locais luxuriantes como a Gabela ou o Songo, isto a título de exemplo, e o que se vê hoje é quase paisagem lunar, o que me deixa muito preocupado porque nas colinas, quando chove copiosamente, a camada produtiva é empurrada para os vales, tornando-as inóspitas e de todo indisponíveis para fazer o que quer que seja para o seu aproveitamento a favor de uma agricultura sustentada e com possibilidade de fixar gente!
Talvez me repita com o que aconteceu com a Ilha de Páscoa, e talvez ajude a mostrar alguma coisa em que o caso Catumbela ou o corte das árvores na antiga estrada do Cacuaco são apenas alguns casos que se generalizaram no País, com as consequências já perceptíveis.
Recupera-se periodicamente a história da Ilha de Páscoa, território chileno com cinco mil habitantes, a maior parte deles idos do continente. A ilha de Páscoa é famosa pelas suas inúteis estátuas.
Num filme, Rapa Nui, contava-se a história dos Moai, povo que, vindo da Polinésia, se tinha instalado na ilha, onde desenvolveu uma civilização.As gigantescas estátuas de pedra, património da Humanidade, eram construídas como oferendas a divindades e, naturalmente, para serem transportadas até ao seu destino final onde estão esculpidas, houve necessidade de abater árvores para as arrastar desde a pedreira.
Esse foi o princípio do fim dos Moai, segundo o filme que afinal corrobora a opinião da maior parte dos investigadores. Em determinada altura começaram algumas tribos a digladiar-se com o objetivo de atingir a supremacia de uns sobre os outros, e cada um dos vencedores ia fazendo estátuas maiores para oferecer às divindades. A guerra acabou, provavelmente por falta de guerreiros, míngua de árvores e de Moai em número suficiente para obter os favores ou aplacar as fúrias dos sempre silenciosos deuses. As árvores eram mais necessárias que os Moai, mais férteis, e ofereciam sombra e abrigo contra os ventos oceânicos. Sem elas, depressa os solos se degradaram e a ilha ficou desértica. O ecossistema da ilha foi destruído e acabou para se revelar insuficiente para alimentar a população de dezenas de milhares de pessoas.
Quando os primeiros europeus ali aportaram, num qualquer domingo de Páscoa, encontraram pouco mais de dois mil habitantes, depauperados fisicamente, sem a grandeza dos Moai, que acabaram por legar ao futuro uma ilha deserta, inóspita e habitada por continentais que vivem do turismo, a sua única fonte de receita. As doenças que os europeus trouxeram acabaram com o que restava dos Moai, porque os habitantes não tinham defesas para elas.

Velhas Árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac


Fernando Pereira
11/5/2015

Copypastadamente- O Interior- 14/5/2015



"Entre os animais ferozes, o de mais perigosa mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador". Diógenes Laércio, o cínico.
Um destes dias tive necessidade de recorrer ao livro “Desporto e Estruturas Sociais”, do professor José Esteves, para tirar uma dúvida sobre o número de praticantes desportivos numa determinada modalidade, em Portugal, na primeira metade dos anos sessenta e assim corrigir, com precisão, um amigo sobre o assunto.
Como sempre acontece quando estou com algum livro do professor José Esteves, continuo a relê-lo e gostaria de partilhar aqui algumas histórias que marcaram o quotidiano político do “Portugal uno e indivisível”.
O Diretor Geral dos Desportos era, no distante ano de 1958, o tenente-coronel Sacramento Monteiro que, cheio de boas intenções, resolve pedir uma audiência a Salazar para a discussão de um plano de construção de instalações desportivas em Portugal e colónias.
Com a frieza habitual com que recebia os subalternos, mesmo que titulares de cargos de responsabilidade governativa, recebeu o Diretor que lhe entregou um dossier. Salazar perguntou que era aquilo. “ Trata-se de um plano de construção de piscinas, para o fomento da natação entre a nossa juventude, Sr. Presidente”. O militar Sacramento Monteiro contou ainda: “o homem olhou para mim, olhou para o dossier, afastou-o logo a seguir, com um dedo só, com um ar de muito desprezo e despede-me com esta simples frase: Senhor Diretor Geral, está muito frio para tratar desse assunto. Venha lá mais para o Verão!”.
Em 1959, numa visita efetuada ao Estádio Universitário de Lisboa, ao verificar, na planta geral das instalações, que havia um espaço destinado a uma piscina, ali mesmo decidiu a eliminação pura e simples de tal hipótese. O homem abominava a natação.
Falou-se de coisas sérias, agora falemos do Almirante Tomas, ultimo presidente da Republica de Portugal do tempo colonial que teve uma tirada que ainda é hoje recordada no anedotário político português, passados quarenta anos da sua deposição: «Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados.».
Porque falei do Tomas, não queria deixar de recordar uma frase que a “censura” em Portugal fez a um discurso seu, e que a Seara Nova, revista oposicionista, deu à estampa e que dizia isto: «Pedi desculpa ao Sr .Eng.º Machado Vaz por fazer essa retificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Sr. Eng.º Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Sr. Eng.º Machado Vaz.». Não deixa de ser bizarra a “Censura” proibir a publicação de partes do discurso do “Venerando Chefe de Estado de Portugal do Minho a Timor”.

Alexandre O’Neill em “Uma coisa em forma de assim”: «Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima com poder, é, quase sempre, um perigo. Oremos. Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.»
Para memória presente e futura nas profundezas das Beiras ou na “vida boa de Lisboa”!

Fernando Pereira
11/5/2015
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