11 de novembro de 2010

O Novembro do nosso contentamento / Ágora / Novo Jornal / Luanda/ 11-11-2010


Trinta e cinco anos da vida, de uma Angola que muitos sonhámos diferente, o que confirma que o sonho só se cumpre sempre em percentagens limitadas.


Vou tentar pegar nalgumas referências do que foi este percurso, passando por muita coisa que hoje está enterrada na nossa memória colectiva, ou do que em tempos foram situações sérias, que algumas circunstâncias transformaram em cenas caricatas, e rapidamente alienadas pelo anedotário popular.

“O Povo é o MPLA, o MPLA é o Povo”, “A Luta Continua”, “ A Vitória é Certa”, “Abaixo o Imperialismo”, “Abaixo o Tribalismo”, Abaixo o Regionalismo”, Abaixo o Neocolonialismo”, “Honra ao povo Angolano”,”Glória Eterna aos nossos Heróis”,” Nós faremos de Angola a Pátria dos Trabalhadores e a Revolução continuará a sua marcha triunfal ao lado dos povos que seguem o mesmo caminho”, “Café de Angola, um gosto de liberdade”, “Os diamantes de Angola são os mais brilhantes / estão ao serviço do povo na reconstrução nacional”, “Sonangol/ Nosso petróleo onde é preciso”, “Vamos Purificar o Partido para melhor recebermos os novos membros”…

“A OPA prepara-se para a defesa intransigente da pátria angolana contra os ataques do imperialismo internacional e seus sequazes”, “Tudo pelo Povo”,” ODP- Organização de Defesa Popular”,“Que importa que o inimigo acorde cedo, se as FAPLA não dormem” “FAPLA, o braço armado do povo angolano”, “Angola é e será por vontade própria trincheira firme da revolução em África”, “O que é determinante para a unidade é a ideologia e não a geografia”, “Na edificação de uma sociedade socialista a agricultura é a base, a indústria o factor decisivo”, “Viva o Poder Popular”, “Somos independentes, seremos socialistas”,” Antes Morrermos Todos que Deixar Passar o Inimigo”, “Estudar é um Dever Revolucionário”, “Fieis ao Marxismo-Leninismo, estamos a construir uma Angola socialista”, “ O Socialismo científico é o grande objectivo estratégico da revolução angolana” “A Educação e cultura ao serviço do povo”, “Saude para todos no ano 2000”…

“Por um Partido sólido, unido, disciplinado, avante com o movimento de rectificação”, “Avante com o poder popular”, “O mais importante é resolver os problemas do Povo”,” Mais quadros, melhor produção, melhor solução dos problemas do povo”,”De Cabinda ao Cunene, um só povo uma só nação”, “Abaixo os Fantoches Lacaios do Imperialismo”, “Viva o Internacionalismo Proletário”,”Ao inimigo nem um palmo da nossa terra”…

A sociedade angolana foi alterando algum do seu paradigma político, ideológico e económico, um epifenómeno do arremedo de socialismo que se tentou implantar, e daí que os slogans se começassem a alterar foi um saltinho.

Hoje estas palavras de ordem, que inundavam o nosso quotidiano nos anos de debute da independência do País, foram paulatinamente sendo substituídas por hábitos novos, léxicos adequado às novas realidades, de uma coisa que se chama a “economia de mercado”, que ainda está numa fase de avaliação, quiçá de desconfiança, quanto a uma opção válida para o desenvolvimento seguro do País.

Hoje já ninguém se lembra de sábados vermelhos, de nos organizarmos para ir receber um dignitário ilustre, nas celebérrimas visitas de cooperação, amizade, partido e Estado, e outras minudências que ao longo dos anos nos habituámos a participar, a observar e muitas vezes a criticar, algo que o angolano prodigaliza.

Por falar em muitos dignitários ilustres, refira-se que saudámos a visita de alguns que o tempo, as circunstâncias políticas e a evolução dos tempos deu para revelar que eram autênticos sátrapas nas suas terras.

Tem valido a pena passar por estes trinta e cinco anos, que foram florindo depois da noite mais bonita de todas as noites que conheci, a de 11 de Novembro de 1975.

Neste tempo presente, que fez de muitos de nós, simultaneamente voyeurs e protagonistas da história deste País cada vez menos recente, só me permito dizer que é o Novembro do nosso contentamento.

Fernando Pereira

1/11/2010

Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto /10-11-2011/ O Interior



Mário de Carvalho (n.1944) é um dos escritores contemporâneos portugueses que muito admiro, aguardando expectavelmente os seus romances.


Um romancista que vê com alguma dificuldade que os seus livros consigam ter a visibilidade comparável à qualidade dos seus escritos, o que começa a ser demasiado recorrente em muito bons escritores.

Hoje há demasiados escritores paridos dos ecrãs das televisões, ou das vernissages das revistas cor-de-rosa, e os escritores que não alinham com a cultura do espectáculo ou da mediatização ficam relegados para a parte mais esconsa das livrarias.

Mas não é esse o tema do artigo de hoje, e ao pegar em Mário de Carvalho, que coerentemente nunca escondeu a sua opção partidária, lembro-me de uma obra sua de 1995 (“Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto”), e que é um verdadeiro libelo, ainda que com uma permanente nota de humor, sobre os funcionários e dirigentes das estruturas de base dos partidos políticos.

O “Era Bom que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto” romanceia com muita piada as vicissitudes de um individuo que quis entrar num determinado partido político e as suas relações com a controleira, ou o dirigente, ou melhor os seus costumeiros hiatos.

No caso deste romance, estamos perante uma história em que os intervenientes são de um partido marginal à lógica do poder. Há contudo um cadinho, onde fermentam muitos dos tiques dos aparelhos partidários, autênticas madraças, onde pululam e de onde saem pessoas ideologicamente pobres, e com comportamentos de arrogância na integração da sociedade, contrários à formação cívica que a democracia deve ensinar a melhorar num quotidiano respirável de vida política.

Num devaneio humorístico à obra de Fiódor Dostoiévski,” Recordações da Casa dos Mortos”, apetece-me colocar os termos usados numa reunião do directório, concelhio, distrital ou nacional de um Partido da órbita do poder, central ou local:

“Este gajo é dos nossos, e não nos dá problemas”/ “Mas é um fraco, falta-lhe carisma”/ “Deixa-te lá disso, carisma é ele cumprir as ordens que lhe dermos”/ “A. Era capaz de ser melhor para o lugar”/ “Deixa-te de porras, esse já o temos na mão, já lhe empregámos a filha”/ “Eu acho que B. anda a falar muito desde que foi nomeado por nós”/ “Deixa-o pousar, quando der conta já tem os patins”/”Quem anda danado é C, mas como ainda não tem lugar não abre a boca mas bufa quando fala comigo para saber novidades”/ “Não nos podemos esquecer que foi o gajo que andou a dar subsídios aos tipos que nos gamaram a Câmara”/ “O tipo foi lá posto pelos gajos do outro lado”/ “Há tipos no nosso partido que ainda são mais FDPs que do outro”/ “Como estamos de subsídios?”/ Há uns dinheiros, mas tem que ir parar a mãos mesmo nossas”/ “E as regras? Depois vêm os tipos para o jornal ladrar e nós é que ficamos mal/ “Deixa-te de porras, falas com o tipo do jornal e ele põe lá uns anúncios de umas Câmaras nossas”/ “Tens razão, e se o gajo não aceitar”/ “Eheheh, ficar com os empregados sem ordenado, achas que arrisca?” / “Andam aí uns tipos a quem prometemos umas coisas, para virem para o nosso lado, e nunca me largam para lhes dar o que prometemos”/ “Fala-lhes da crise, porra, e vais deixando correr o marfim”/ “E as licenças daqueles que nos deram a guita para a campanha?”/ “Deixa-os andar, porque eles não podem abrir a boca e quando estivermos perto das eleições damos-lhe a cenoura ou o pau”/ “ É por isso que o nosso partido é responsável”/ “Mete lá as raparigas da juventude, naquele sector, para termos os pais deles connosco nas próximas”/ “Vocês de política não percebem um corno” / “ O chefe que se cuide, porque precisa mais de nós agora que nós dele”/ e por aí fora…

Votos de muitas prosperidades e adeus até ao meu regresso!

Fernando Pereira

8/11/2011


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