20 de abril de 2018

Património Comum / Ágora/ Luanda 20-4-2018





Património Comum
«A cidade apareceu ocupada e radiosa. Deparámos com colunas militares inundados de sol; e povo logo a seguir, muito povo, tanto que não cabia nos olhos, levas de gente saída do branco das trevas, de cinquenta anos de morte e de humilhação, correndo sem saber exatamente para onde, mas decerto para a LIBERDADE!

Liberdade, Liberdade, gritava-se em todas as bocas, aquilo crescia, espalhava-se num clamor de alegria cega, imparável, quase doloroso, finalmente a Liberdade! cada pessoa olhando-se aos milhares em plena rua e não se reconhecendo porque era o fim do terror, o medo tinha acabado, ia com certeza acabar neste dia, neste Abril, Abril de facto, nós só agora é que acreditávamos que estávamos em primavera aberta depois de quarenta e sete anos de mentira, de polícia e ditadura. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias, só agora.»

José Cardoso PiresAlexandra Alpha
                Provavelmente o 25 de Abril de 1974 foi uma das datas mais marcantes em toda a minha vida de cidadania empenhada, não a mais importante já que essa, está reservada no lado esquerdo do peito, é o 11 de Novembro de 1975 do nosso contentamento.
                Tive o privilégio de o ter vivido a cada minuto desse tempo e de ter participado na catarse coletiva que foram esses tempos em que se fez Esperança, e que nos permitiu agarrar o sonho que se vivia a cada transformação que se operava.  
                Sentimos nas praças, nos campos, nas ruas e em todos os lugares que palavras como Solidariedade, Liberdade e Democracia tinham vindo para ficar em Portugal, e tivemos que esperar até 2002 na sofrida Angola.
“O 25 de Abril de 1974 é uma data dos portugueses”” Os angolanos não têm nada a ver com isso”. “Essa data não diz nada aos angolanos” etc . Esta frase é pisada e repisada ao longo das décadas por determinada gente de Angola, desde os tempos da Independência. Nas redes sociais vê-se o efeito a que este tipo de linguagem deixou como legado nas gerações que ainda acreditam que nunca houve nada antes do MPLA, e que o Salazar era um “tipo porreiro” porque era sério e morreu pobre! Pura estultícia.
Lamento que não se tenha evoluído o suficiente para fazer compreender que o 25 de Abril de 1974 foi uma data determinante para a Independência de Angola, e simultaneamente determinada pela luta de libertação dos povos oprimidos pela ditadura e pelo colonialismo nos territórios africanos dominados em Portugal.
Não é uma data dos portugueses, é um momento histórico que aglutina à sua volta um desejo comum de liberdade e de emancipação. Conjuga-se a vontade de se trilharem caminhos diferentes, mas irmanados no muito que nos une apesar de algumas vezes se enfatizar o pouco que nos divide.
Hoje somos do 1º de Agosto e do Futebol Clube do Porto (no meu caso), há os que vibram com as vitórias do Petro, do Benfica, do Libolo e do Sporting, e pelos vistos esses assuntos não são património de ninguém! Este é um exemplo, mas poderia dar milhentos nos domínios culturais, económicos e de natureza social.
Deixemo-nos de argumentos pueris. Em Portugal há quem não tenha digerido de todo o “império perdido”, quando na realidade esse esforço de manter uma “mistificação” de “Portugal dos Pequenitos” custou a Portugal e às colónias sacrifícios que ainda não estão ultrapassados passada uma geração.
A maioria das pessoas em Portugal e Angola já não liga a “arrufos de circunstancia”, e circunscreve-se tudo a um quadro de uma elite económica e politica que se quer aproveitar de “fantasmas” para escamotear a incapacidade de resolver situações que se obrigaram a resolver.
Ainda hoje quase duzentos anos depois da Independência do Brasil (1822) os portugueses são o motivo maior no anedotário do brasileiro, e em Portugal o Brasil é olhado como um local de futebolistas, bonitas raparigas, praia e pouco mais, esquecendo a importância das universidades Brasileiras no contexto das ciências e letras que se expressam em português na comunidade científica mundial, para dar apenas um pequeno exemplo.
Quando se diz a “mentalidade tuga” está-se a tentar marcar um espaço de afirmação identitária de uma determinada angolanidade. É positiva quando empregue com bonomia e perniciosa quando proferida com acrimónia.
Quando em Portugal se diz que os angolanos são “indolentes e uma cambada de corruptos” estão a generalizar de má-fé (“Má-fé é só má-fé e nunca um erro” Jorge de Sena) sobre um povo de características muito próprias, unido na sua diversidade de costumes, crenças, línguas e hierarquias, e isso é lastimável. Talvez por isso se consiga uma “desforra agradável” quando o holandês Jeroen Dijsselbloem dizia dos portugueses o que eles dizem dos angolanos., provocando-lhes a ira.
“Tu, que descobriste o cabo da Boa-Esperança; e o Caminho Marítimo da Índia; e as duas Grandes Américas, e que levaste a chatice a estas Terras e que trouxeste de lá mais chatos p'raqui e qu'inda por cima cantaste estes Feitos...” dizia Almada Negreiros, digo complementando Eça de Queirós” O Brasileiro tem os defeitos dos portugueses só que dilatados pelo calor”.
                Como diria Ary dos Santos, esse grande trovador do 25 de Abril, “O passado é já bastante, vamos passar ao futuro”.
                Vale a pena gritar “Viva o 25 de Abril de 1974” que é uma data da malta!

Fernando Pereira
25/4/2018




13 de abril de 2018

Verão do nosso descontentamento / o Interior / 11/4/2018




Verão do nosso descontentamento

Acabou o período determinado pelo governo para que se fizessem as limpezas das áreas circundantes das casas. Vem o tempo de fiscalizar e multar os prevaricadores.
Esta intervenção na floresta mais não foi que um eufemismo, pois nas florestas nada aconteceu de especial a não ser o corte da lenha queimada, o que irá fazer com que seguramente a área ardida este ano seja muitíssimo inferior à do ano passado.
Irão aparecer os balanços com os sorrisos habitueis a salientarem o trabalho coordenado de todos, não se poupando a autoelogios, e a darem a imagem de grande empenho no combate continuado aos incêndios e a um maior ordenamento florestal, como gostam de dizer os dignitários do eixo Terreiro do Paço - S. Bento, quando se contorcionam para tropeçar numa camara ou num microfone.
O que importa mesmo é que as populações sejam protegidas, e que as poucas pessoas que resistem a viver no interior, consigam deixar de ter os sobressaltos do Verão já que o País decisor passa no Algarve ou noutras paragens mais longínquas as suas férias.
Não vou fazer como certas pessoas, que despercebendo o que é o fator produtivo vem com indisfarçável histeria para as TVs clamarem contra determinado tipo de árvores, esquecendo-se que as pessoas do interior vivem sobretudo da floresta, afinal a que lhe permite fazer face a despesas tão comezinhas como comer, pagar água, luz, gás, escola dos filhos, medicamentos, etc.
As populações das zonas de floresta não podem ser transformadas em “vigilantes de um qualquer jardim botânico”, pois talvez as pessoas não saibam que direta ou indiretamente representam 11% do PIB português. Convenhamos que é algo não negligenciável para os tudólogos que enxameiam os canais de TV, falando de florestas, futebol, inundações, guerras púnicas ou qualquer assunto, que lhes sirva para aparecerem e manterem a sua notoriedade construída e perpetuada pela pobreza em que se está a tornar a comunicação social, principalmente o audiovisual.
                Já agora, convém lembrar que há muito espaço florestal dependente do Estado e das autarquias que permanece ao abandono, e que talvez não seja mau de todo cumprirem o que fazem cumprir aos privados.
                Aguardemos que não tenhamos outro “Verão do nosso descontentamento”.

Fernando Pereira
8/04/2018


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