8 de maio de 2015

Morreu o “Senhor Lubito” / Ágora / Novo Jornal/ Luanda/ 8-5-2015








Morreu o “Senhor Lubito”
Preparava-me para escrever o artigo semanal quando recebo a notícia do falecimento do arquiteto Francisco Castro Rodrigues (1920-2015).
Com o seu desaparecimento, o Lubito perde a última das suas grandes referências de um tempo de luta, de esperança batalhada, de uma gente que sentia que a cidade não se resumia a uma lingueta de areia, esquecendo toda uma periferia com gente que labuta há muito na busca de um dia melhor, que vai tardando.
Ocasionalmente conversávamos ao telefone, porque já há uns tempos que as limitações físicas o impediam de se deslocar com facilidade. Ficou muito abalado quando lhe dei a notícia do desaparecimento do Engenheiro Fernando Falcão assim como a do Dr. Canhão Bernardes, o “escultor” do Lubito. Julgo que foi a última vez que conversámos, e sempre nas suas palavras o “Lubito” do seu coração.
Em homenagem a Francisco Castro Rodrigues irei, por sistema, usar Lubito, afirmando sempre que era uma forma de acabar com a estulta ideia que foi prevalecendo de que o nome Lobito apareceu por causa de Lobos que rondariam as cercanias.
Conta no seu livro “ Um cesto de cerejas” que, em determinada altura, se decidiu fazer um estandarte da cidade, tendo o desenho “um castelo, uma âncora, umas conchas de ostra- Antigamente chamava-se ao Lubito, a Catumbela das Ostras, que era a única coisa que lá existia-, e as quinas”. Estavam a trabalhar afanosamente no estandarte, que era necessário para a visita do Presidente de Portugal, Craveiro Lopes, à cidade e telefonam ao arquiteto da “Casa das Bandeiras”, já perto da meia-noite, para lhe dizerem que ” tinha havido uma alteração no desenho pois tinha lá aparecido um tipo do Ministério a propor um novo desenho, o escudo já não tinha o bico em baixo, tinha um no meio circulo. E havia um lobo em pé…E o texto da memória descritiva dizia assim: «lobo de prata passante em campo de púrpura»”. As peripécias são deliciosamente descritas por FCR para depois dizer no fim que no Ministério do Ultramar ficaram indignados quando lhes disse o óbvio: Não há lobos em Angola! A verdade é que entre o põe lobo e tira lobo, acabou por prevalecer a opinião do arquiteto que defende que “Lubito vem de uma partícula que eles (umbundos) têm, «Olu», para designar determinado substantivo”…” Lubito é «Olu pito» que na composição do étimo” Lu é água e pito, porta; ”porta da água”! Nada tem a ver com lobos!
Não sei se terá sido premonição, mas quando recentemente houve a tragédia nos morros do Lubito, pensei telefonar ao arquiteto para tentar recordar uma conversa que mantivemos há uns anos sobre a consistência dos morros que cercam a “baía” do Lubito. Na realidade acabei por não o fazer e pelos vistos o desenlace estava iminente.
FCR ia ouvindo o que lhe desagradava relativamente ao excessivo número de casas que os morros circundantes ao Lubito estavam a receber, o que contrariava em tudo o plano diretor por si gizado, onde, num contexto de reordenamento urbano, se previam os bairros da Bela Vista, da Esperança (Bairro da Rádio), do Vale do Liro, dos Morros da Catumbela e do Alto do Liro. Quando falávamos disso, dizia que uma tragédia poderia ocorrer se não se seguissem determinados preceitos que permitissem a fixação dos solos, que eram facilmente “desmoronáveis” a uma chuvinha de alguma intensidade. Ria-se muito quando falava de um bairro emblemático num monte entre Lobito e a Catumbela, construído pelo Cassequel num quadro promocional de inserção social dos negros com um conjunto de casas cor-de-rosa, todas alinhadinhas e cobertas de colmo, mas “invivíveis”, porque era impossível lá dentro aguentar a canícula e a humidade que se concentrava, obrigando os putativos habitantes a fazerem as suas próprias casas com material da região, de aspeto menos apelativo, mas com melhores condições de habitabilidade! “Eram autênticas frigideiras”, dizia Castro Rodrigues que sempre lutou contra as empresas majestáticas do Lubito, a Companhia Agrícola do Cassequel, o Caminho de Ferro de Benguela, o Porto do Lobito e fábrica de cimento.
Seu livro “Um cesto de cerejas” surge como resultado de uma conversa com a Professora Eduarda Dionísio, filha do meu professor Eduardo Dionísio, numa passagem “insucedida”, pelo Liceu Camões em Lisboa no fim da década de sessenta, um antifascista e um homem grande do neorrealismo. Uma edição pequena da Casa da Achada!
Não esconde nada, fala de quem gosta e zurze em quem não gosta, fundamentando as suas opiniões. Fá-lo de uma forma desprendida, como todos o foram conhecendo ao longo de uma vida que deu muito a uma Angola que esquece rapidamente quem ousou lutar por ela, e construída lutando num processo em que conseguia unir a sua forte convicção política de homem de esquerda, vanguardista no seu trabalho, só possível ao nível dos que sempre estiveram bem com a vida, que muitas vezes nada tem a ver com o bem na vida.
O desaparecimento de Francisco Castro Ferreira quase que marca o fim de um conjunto valoroso de arquitetos que fizeram em África o que em Portugal lhes foi negado por razões de ordem política. A realidade acabou por mostrar que este grupo onde esteve Vasco Vieira da Costa, Fernando Batalha, irmãos Castilhos, Simões de Carvalho, Francisco Castro Rodrigues e tantos outros, deram um arejamento à arquitetura bafienta e de monumentalidade bacoca do salazarismo.
Francisco Castro Rodrigues, nos seus quase quarenta anos de vida no Lubito, foi mais que um arquiteto; foi professor, numa altura de abandono generalizado depois da independência de Angola, dinamizador associativo, interventor político e divulgador cultural.
Nunca se colocou em bicos de pés em circunstância alguma, apesar da excelência da sua obra e de todo um conjunto de prémios e menções honrosas recebidas ao longo de uma vida cheia.
Já nos últimos anos, foi um dos obreiros da construção do museu do neorrealismo em Vila Franca de Xira, a quem doou uma parte do seu riquíssimo espólio.
No seu Lubito ficam as marcas da sua passagem como as Portas do Mar, o edifício Universal, a Colina da Saudade, a Casa do Sol, o Liceu Saydi Mingas, o Cine Flamingo, as atuais instalações do Instituto Lusíada no silo-auto da Casa Americana, a reconversão do Tamariz, o Mercado Municipal, a urbanização do Alto Liro, da Bela Vista, o obelisco da entrada, o edifício da aerogare e tantas obras particulares e públicas de décadas de trabalho. No Sumbe, entre vários projetos assinala-se a catedral e o edifício da Câmara Municipal, que em certa altura uns “desenhistas” resolveram desvirtuar.
Seria de toda a justiça que Francisco Castro Rodrigues figurasse na toponímia de uma cidade de que foi um dos seus mais ilustres cabouqueiros. Como normalmente todos têm sido esquecidos, talvez ainda consiga ser suficientemente ingénuo acreditar que eventualmente as autoridades do Lobito (assim mesmo) se lembrem dessa forma de homenagear “um verdadeiro homem da terra”.
Como angolano só me resta, Francisco Castro Rodrigues, agradecer-lhe!

Fernando Pereira
3/5/2015
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