27 de fevereiro de 2011

As redes não servem só para pescar!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 26-2-2011



Para quê conquistar mercados para os produtos



que os operários fabricam?


Os operários


ficariam com eles de bom grado.

(Bertold Brecht in “Cartilha de Guerra alemã”)



Bertold Brecht apesar de ser nosso contemporâneo, nunca ousaria pensar que o mundo iria mudar por causa de uma coisa que haveria de surgir pouco mais de cinquenta anos da sua morte, as “redes sociais”, senão nunca surgiria este poema.

Admito que o Facebook e o Twitter acabaram por dar alguma dose de satisfação a Lenine e a Trotsky, principalmente a este ultimo sobre alguma similitude com a “revolução permanente”.

“Ortega Y Gasset” diria provavelmente hoje nós somos nós, as circunstancias e as redes sociais ou como escreveria Agustina Bessa Luis: tudo se cria, tudo se transforma, tudo se recria, tudo se estropia, tudo está em rede!

Eu não sou um adepto confesso das redes sociais, embora participe como milhões de cidadãos, empresas, instituições, clubes, associações, etc. no quotidiano do Facebook e Twitter, onde cada vez mais vou perdendo algum tempo e ganhando alguns conhecimentos de pessoas interessantes, que eu nem sabia que existiam (elas também não sabiam que eu existia!) e temas em discussão que abriram novos mundos ao mundo no domínio do saber e das ideias.

Percebo que as redes sociais para certas pessoas funciona quase como uma catarse, pois acaba por ser o único local onde as pessoas são elogiadas, quer pelas suas frases, pela banalidade de uma citação de algum idiota, por uma música que anda não se ouvia há anos, pelas suas fotos de petiz ou pelas fotos onde a família aparece bela e radiante, como se estivessem a fazer algum reclame à Colgate ou à Kolinos.

O Facebook, que tem extraordinárias virtualidades, é hoje um complemento de muita coisa que muitos nunca ousaram fazer, e isso tem transformado paradigmas de vivencias que exigem uma atenção maior para este fenómeno que há muito ultrapassou o emergente.

As alterações sociais que se tem vindo a verificar um pouco por todo o lado, e Trotsky vai-se rindo na sua cara angulosa com os seu óculos redondinhos, mostram qual a importância da internet e acima de tudo das redes sociais na mobilização para o engajamento em causas e transportá-las para a luta por novas afirmações ideológicas.

Independentemente de milhões de pessoas terem começado a construir quintas, cafés e outros negócios sem se levantarem da cadeira, a realidade é que este fenómeno mereceria estudos detalhados, pois o acesso à internet generalizou-se e com velocidades ou tecnologia diferente e o jovem de Ouagadougu , Akra, Tripoli, Hong Kong, New Jersey, Luanda, Paris, tem acesso a toda a informação, e quando a cortam por necessidade de limitar o acesso ao saber, as pessoas reagem com indignação e agrupadas podem ser casos sérios para os poderes, como se está a provar quotidianamente nos tempos que passamos.

Não vem muito longe os tempos em que escutávamos o serviço da BBC para África, a DW, a Voz da América para sabermos coisas que TPAs, RNAs e outros órgãos de informação não davam por “avaliações meramente de opção informativa”.

O que se está a passar no mundo árabe, em que as ditaduras oligárquicas, as timocracias e as monarquias despóticas prevalecem sentadas na impunidade que a gestão do petróleo lhes permite, com a subserviência cínica dos países industrializados, é um fenómeno interessante mas de contornos ainda pouco claros, porque o entusiasmo inicial nestas revoluções leva muitas vezes ao poder novas e piores formas de governação e ideologicamente mais radicais que a situação que foi existindo. Vamos ver o que vai dar tudo isto, porque a verdade é que para pior já basta assim!

Para não dizerem que só falo de política, vou dar uma volta ao universo do Facebook, e a realidade é como diria Fernando Pessoa. “Primeiro estranha-se depois entranha-se”frase que ganhou o anuncio para a Coca-cola em Portugal, que só conseguiu entrar no hábito dos portugueses depois do 25 de Abril de 1974.

Nunca tantos cultivaram tanto através de quintas, nem milhões imaginaram que um dia iriam ser proprietários de um café ou outros jogos bizarros que só faz aumentar a proeminência ventral e a celulite nas pernas, e convenhamos pouco se aprende para o numero de horas que as pessoas passam em frente ao PC em casa ou no serviço, sendo um dos factores de absentismo já considerável em determinados países que contabilizam isso, algo que apesar de tudo ainda não acontece em Angola.

Pedem-me amizade, e aqui de facto começa a minhas justificadas reservas, porque “Amigo é coisa para se guardar, No lado esquerdo do peito”, como diz a canção de Milton Nascimento, e não para ser amigo de alguns cromos que não conheço de lado algum e que me pedem amizade. Lá vou aceitando, porque o critério na internet também não deve ser tão limitativo, mas de facto começo a sentir que apesar das múltiplas vantagens das redes sociais há demasiados absurdos, e cada vez me apetece menos partilhar alguma da minha privacidade, e também algumas ideias com gente que mostra fotos de há trinta anos, ou um quarto da cara, ou exacerba-se em tiques de narcisismo, que nalguns casos talvez sejam patológicos.

A sorte disto tudo é que a malta mais nova já utiliza isto para coisas com mais interesse, e a esperança é que neste mundo a informação vai ser a primeira grande conquista ao nível global, e a convicção que tenho é que a geração até aos trinta vai ser seguramente melhor que a nossa!



Fernando Pereira

22/2/2011

18 de fevereiro de 2011

Amiúde não é pedofilia/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-2-2011





Amiudadas vezes tenho muitas divergências com o Carlos Pacheco, mas acompanho com interesse a sua colaboração regular em jornais, revistas ou artigos avulsos publicados na blogosfera.
Reconheço mérito a Carlos Pacheco, e se eventualmente algum dia conseguir despir o seu anti-MPLA ao nível do obsessivo, penso que estamos perante um valoroso historiador de uma história contemporânea de Angola que precisa de muitos autores para explicar poucos actores e cenários políticos, económicos e ideológicos tão diversificados.
O seu último livro, já saído no finar de 2010, “Angola, um gigante com pés de barro”, e que só agora tive oportunidade de ler, é uma desilusão principalmente para quem lê o “Publico” diariamente como é o caso desde o número um, aguentando mesmo alguns dislates de alguma orientação jornalística em determinados momentos. O livro, editado pela Nova Vega, do Assírio Bacelar, fundador da Assírio e Alvim e proprietário da saudosa “Compendium”, a primeira editora dedicada inteiramente à educação física e desporto na segunda metade dos anos 70 em Portugal, que muito me valorizou.
Correndo o risco de me repetir tenho a convicção que o Carlos Pacheco tem uma verve criativa, sincera e a sua abordagem da realidade angolana não tem cinismo nem procura agradar a clientelas. Parece-me inseguro nalgumas convicções, mas isso não invalida que lhe demos o mérito que alguns teimam em tentar tirar-lhe. O livro também não merece os hossanas que em Luanda certos sectores lhe fazem nalguns casos à saciedade.
Talvez nem tenha nada a ver com o assunto mas como a vida por vezes é chata, vem-me à lembrança uma anedota de Woody Allen, num daqueles livros do antigamente, editados pela Bertrand, “Para acabar de vez com a cultura”. «Duas senhoras estão num restaurante, uma diz “ A comida aqui é péssima”, e vai a outra: “pois e ainda por cima as doses são pequenas”». Uma frase deliciosa da sua lavra: “Não sei se há vida depois da morte, mas sei uma coisa: Há morte depois da vida”
Esta semana comemoraram-se os cinquenta anos da Renault 4, mostrada ao mundo pela primeira vez no Salão Automóvel de Paris em 1961, muito antes de lá ter sido rodado”Trafic”, penúltimo filme de Jacques Tati (1907-1982), incontornável figura do cinema de humor francês do pós-guerra.
A R4 começou a ser montada em Angola no dealbar da década de setenta em Viana, num acordo com o representante Alfredo F. Matos, que tinha o stand e oficinas na Av. Rainha Ginga. Com a independência do País e o confisco da firma a Renault mandou alguns dos técnicos da empresa a estagiar na Guarda, Portugal. A verdade é que essa linha de montagem em Viana contribuiu com algumas das 8.135.424 que foram montadas no mundo, que são um ícone dos anos sessenta e setenta, e ainda hoje automóveis confiáveis.
Eu fui beneficiado com uma, numa daquelas distribuições habituais, que entretanto se começaram a tornar demasiado inabituais, e o que posso dizer é que nunca me deixou apeado em atalhos, veredas, lamaçais, zonas de ocupação da UNITA, poeirais, buracos urbanos ou alcatrão doce.
Na Secretaria de Estado dos Desportos houve uma distribuição de viaturas, mas como era responsável e dirigente (confesso que nunca percebi se alguém podia só ser uma coisa, porque as duas era responsabilidade a mais para certa gente!) já tinha um LADA, que volta e meia me deixava apeado apesar de não partilhar o anti-sovietismo primário de muitos camaradas meus. Tinha o LADA, que me dava estatuto e deixava-me apeado, e um colega meu neófito no organismo teve direito a uma R4 nova.
Como tinha um perfil mais adaptado a dirigente, propôs-me a troca e eu prontamente acedi sabendo antecipadamente que iria descer de estatuto, mas iria ficar muito menos vezes apeado.
Passados uns tempos numa reunião de um conselho consultivo restrito do ministério, o tema das insuficiências de transportes voltou à mesa, e o meu colega diz que” precisava de um carro porque tinha ficado com um que o camarada Fernando Pereira tinha já estragado”; Eu, sentindo-me despeitado informei que “ o camarada IK tinha querido um carro de dirigente e teve-o, nem que fosse para o empurrar!”; Burburinho na sala e o Rui Mingas teve que pacientemente pedir alguma contenção, e lá satisfizeram o dirigente pelos vistos não responsável no caso com uma R4 onde não brilhava tanto, mas sempre era mais confiável.
Uma boa companheira a Renault 4, que boas companhias transportou e muitas mais outras gostaria de ter transportado.
Como foi semana de dia de namorados, S. V. (Valentim ou Viagra) há uma frase lapidar que gostava de deixar a fechar o texto: “Deitar cedo e tarde erguer boa companhia há-de ter”!

Fernando Pereira
15/2/2011

11 de fevereiro de 2011

É um suponhamos / Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 11-2-2011









Richard Nixon (1913-1994) é um dos presidentes que a maior parte dos cidadãos americanos se envergonham, ao ponto de nem sequer gostarem que se fale dele.
Foi o único presidente da Republica dos EUA que na sua história contemporânea teve que resignar por ter patrocinado um tremendo caso de corrupção num processo eleitoral (Watergate) e só perante as evidencias ter sido obrigado a reconhecer a sua implicação e a sua repetida mentira.
Fui recuperar o Nixon, porque realmente há situações bizarras na nossa terra e o que é quase anedótico é o facto de elas me surpreenderem em locais onde nunca pensei ser possível encontra-las. No site da JMPLA a frase para reflexão: “Um homem não está acabado quando ele é derrotado, mas quando desiste” é precisamente de Nixon, o que convenhamos devia ser evitado porque realmente foi um presidente que ostensivamente adulterou os valores fundamentais que construíram os Estados Unidos como referencia para as democracias e liberdade. As frases boas ditas por gente má valem exactamente por quem as proferiu.
Já que se falou em juventude recordo que esta semana o James Dean faria oitenta anos se fosse vivo. Foi um ícone de rebeldia e inconformismo da juventude estadunidense na década de 50. “ A Fúria de Viver”, a “Leste do Paraíso” e o “Gigante” marcam a sua fugaz passagem pelo cinema onde conquistou um lugar e um mito que tem tido um espaço de perenidade que permanece até hoje. Dean representou a América que lutava contra a hipocrisia das instituições e dos costumes, hierarquizadas em padrões em que o dinheiro era a mola real de ascensão de pessoas ao topo, e que quando por lá chegavam se revelavam no que de mais torpe era possível existir.
Ultrapassada a fase de ouro do regresso dos heróis da segunda guerra, a filmografia de Dean acaba por assumir a revolta de um jovem contra os mercados, o maccartismo emergente, a eternizada e ambígua guerra da Coreia, as primeiras manifestações pelos direitos cívicos dos negros nos estados do Sul e acima de tudo pela ruptura que a juventude ia aceitando na musica, no vestir, na sexualidade, um corte com tudo que a América conservadora não aceitava.
Se a morte de Dean em 1955 permitiu durante alguns instantes um alívio aos conservadores, logo isso foi ultrapassado quando rapidamente foi adoptado como o ídolo maior da América ainda hoje.
Há cerca de quinze dias desloquei-me a Madrid à FITUR, uma das maiores feiras de turismo do Mundo, um ritual meu há muitos anos.
Naturalmente que vi com atenção o pavilhão de Angola, promovido pelo INFOTUR e o que vou constatando é que passam os anos e a realidade mostra-nos um pavilhão pouco apelativo, com demasiada gente no interior e muito pouca coisa para oferecer, melhor para dar um motivo forte a agentes turísticos para colocarem Angola nas suas ofertas e a turistas individuais que se motivem para vir ao nosso País.
Mais que levar meia dúzia de panfletos, umas esculturas e quadros iguais ao que os malianos e senegaleses vendem em todas as praças e praias europeias a preços ridículos, uns panos feitos na Holanda, mas registados na Nigéria ou no Gabão ou ter um LED na parede com imagens a correr de construção de megatéreos em Luanda, não me parece ser a estratégia mais adequada para promover o turismo angolano, se é que há alguma ideia discutida e definida sobre isso.
Desculpem a frontalidade, mas sem retirar o mérito a alguns dos simpáticos funcionários presentes, o pavilhão do nosso País faz-me lembrar os pavilhões da feira das industrias que visitei no dealbar dos anos 60 no local onde com magnífico desenho de Simões de Carvalho se construiu o Palácio da Radiodifusão, hoje sede da RNA.
Uma feira internacional de turismo não tem as características de uma festa do L’ Humanité ou do Avante, e por isso exige-se um trabalho prévio muito aturado junto dos agentes participantes e simultaneamente material de divulgação que motive o aproximar das pessoas ao espaço na feira e proporcionarem-se bons negócios, que é para isso é que o investimento é feito.
Quero que esta minha observação que não é nova, e não deixo de o lastimar, não seja entendida como um bota-abaixismo mas acima de tudo entusiasmar os dirigentes do INFOTUR, colaboradores e agentes de turismo a promover melhor o turismo de Angola, fora de um contexto de negócios já que esse vai tendo freguesia, até ver!

Fernando Pereira
8/2/2011

10 de fevereiro de 2011

«Os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha…»/ O Interior/ 10-2-2011



A semana passada comemoraram-se cinquenta anos do princípio do fim de uma fantochada salazarenta de um eufemismo chamado “Império Colonial Português”.


A três de Fevereiro de 1961 o paquete “Santa Maria” aportou no Recife, depois de Henrique Galvão e alguns companheiros terem tomado conta do navio durante alguns dias algures no Atlântico, num propósito de denuncia ao mundo o que era o Portugal da ditadura.

No dia seguinte um grupo de revoltosos atacou as cadeias de Luanda de forma a libertar os prisioneiros julgados em tribunais plenários, na sua maioria por delito de opinião e que estavam à espera de ser embarcados para o Tarrafal, no arquipélago de Cabo Verde, o tal estabelecimento penal que segundo alguns biltres dizem que “nem era tão mau assim”

Nesse quatro de Fevereiro de 1961 iniciou-se a guerra colonial, móbil do estertor do Estado Novo, que tenta ser branqueado no quotidiano de vida dos cidadãos.

Muitos se esquecem que adultos no dealbar dos vinte anos de idade estavam com uma arma na mão a caminho de uma África que nada tinha a ver com o misto de bucolismo e colorida que a propaganda do regime tentava mostrar.

Acho que tem tudo a ver, quando um capitão de Abril, homem sério, empenhado, que arriscou toda a sua carreira para acabar com a guerra colonial e a ditadura, Vítor Alves morreu no início do ano, e tem direito a pouco mais que um breve minuto nos quase escaninhos de jornais nacionais das Tvs que disputam entre elas quem mais demora.

Ao mesmo tempo esses mesmos jornais estão meia hora a falar de um assassinato perpetrado por um jovem que usava métodos sórdidos para obter favores no mundo da moda através de um valdeiro que usava toda a jactância para se insinuar num tipo de imprensa niilista, para usar alguma comiseração no léxico.

Conheci o major Victor Alves em 10 de Junho de 1977 na Guarda, que me foi apresentado pelo Batista Bastos ao tempo a trabalhar para o “Diário Popular”, na altura comissário do “Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas”, versão melhorada do 25 de Abril do “Dia da Raça” da má memória do tempo do “manholas”. Conheci uma pessoa simples, que quase pedia desculpa a Jorge de Sena por parabeniza-lo no seu famoso discurso. Um homem culto, educado, discreto que morreu e deixa saudade. Melhor que muito troglodita que por aí anda ufano porque tem uns poderzinhos conseguidos à conta de podrezinhos de uma democracia que tarda em melhorar-se.

Em jeito de despedida peço à autarquia da Guarda que faça uma edição com todos os discursos que marcaram esse 10 de Junho de 1977. Desde que coloquem lá o do Jorge de Sena garantidamente nem me importo de ter lá os discursos dos outros que deram seca, e quem lá esteve sabe de quem falo.

Já agora, o título é uma parte desse magnífico discurso de Jorge de Sena, o único que fez em Portugal!

Fernando Pereira

3/2/2011

4 de fevereiro de 2011

Um Homem Novo Veio da Mata / Ágora / Novo Jornal / Luanda /4-2-2011


“Há três categorias de homens:



os que contam a sua história,


os que não a contam,


e os que não a têm”


(Max Aub)



Cinquenta anos depois aqui estamos orgulhosamente a comemorar o 4 de Fevereiro de 1961.

Ultrapassei já a fase quase libidinosa de procurar saber como foi, que organização teve a iniciativa, quais as motivações de toda a gente que com paus e catanas irrompeu nas cadeias para libertar os seus camaradas presos e a aguardar deportação por crimes e delitos espúrios. Havia um denominador comum em todos eles: Queriam uma Angola diferente da que tinham e a vontade de serem livres no seu próprio País.

Aquelas voluptuosidades que surgem nalgumas discussões académicas, ou até mesmo de carácter científico, esquecem muitas vezes o fundamental, que tem a ver com o acontecimento que marcou o princípio do fim do colonialismo nos países africanos de língua oficial portuguesa, quiçá mesmo o estertor do edifício já carcomido e bafiento do fascismo português.

Podia andar aqui à procura de palavras mais macias, mais adaptadas ao espírito de mercado que se estabelecem nas relações quotidianas, mas a realidade que para mim é importante é que o quatro de Fevereiro de 1961 foi sempre uma referência para a liberdade de uma Nação. É completamente incontornável que esse espírito deva ser incutido na juventude angolana, porque quem viu aqueles que sobreviveram em quatro de Fevereiro a brandir as catanas naquele distante 11 de Novembro de 1975 nunca esquece que muito do que hoje Angola é que assim nasceu nas mãos daqueles homens, infelizmente a maioria quase desaparecida.

A um JEEP (jovem empresário de elevado potencial), a um quadro superior de uma empresa enfarpelado num qualquer fato e gravata, ou numa jovem vestida com um qualquer CK insinuando-se entre o ar condicionado de uma qualquer empresa que ninguém sabe bem que produz e uma bebida no Miami, o único quatro de Fevereiro que conhecem é o aeroporto, já que a avenida só a conhecem por marginal ( a despalmeirada) .

Mas eu estou-me completamente nas tintas para que muita gente não ligue ao 4 de Fevereiro de 1961, ou que quando estão na praia e falam do assunto relembram Paiva Domingos da Silva vir todos os anos à TPA explicar as operações de ataque às prisões de forma sempre diferente. A realidade é que ele, Imperial Santana, Virgílio Souto-Maior, Neves Bendinha e muitos outros estiveram no âmago de um movimento que enobrece o espaço de intervenção política na libertação de Angola.

Tenho profundo respeito por esses patriotas angolanos, que a voracidade do desenvolvimento económico vai silenciando e esquecendo, e de um Estado angolano que não dá a esses cabouqueiros da liberdade a dignidade que justamente merecem. As famílias dos “heróis do quatro de Fevereiro” merecem não ser esquecidas, já que nunca foram ressarcidas da prisão, da clandestinidade e da morte que os seus familiares foram objecto na luta contra a repressão colonial.

Talvez esteja fora de moda, descontextualizado com as novas dinâmicas económicas, políticas e ideológicas no País, mas paciência, o 4 de Fevereiro de 1961 continua a ser uma data que é mais que uma estrofe do nosso hino.

Vi um vídeo do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL). Ficaria completamente fascinado, se eventualmente não conhecesse a cidade.

Não sei quanto custou o vídeo que é apelativo, imaginativo, tecnicamente quase perfeito, com um texto hermético e com um léxico eivado de demasiados lugares comuns. O que me parece é que o vídeo recupera os filmes do CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola) de outros carnavais, e mostra uma Luanda muito organizada, com fluidez de trânsito, tudo muito limpinho, e prédios enormes completamente inadequados às características climáticas de Luanda, dando-lhe um cunho de cosmopolitismo que não tem nada a ver com a realidade.

Talvez esteja a emitir uma opinião leviana, porque não sei quem são os destinatários do vídeo, agora de uma coisa tenho a certeza, aquela Luanda só existe mesmo em filme promocional, e nalguns aspectos até é bom que fique só por aí.

Nota-se contudo algum desenvolvimento no promocional o que é sintoma de mudança, imitando por exemplo Espanha e Portugal que oferecem praias desertas nos seus cartazes turísticos, tiram as fotos a extensos areais em dias solarengos de inverno, com as praias naturalmente vazias. Se lá formos no Verão nem local há para estender a toalha!

Entretanto alegremente vou trauteando :“Foi em Fevereiro/No dia quatro/ sessenta e um/ Angola existe/ Povo há só um “ José Afonso (1929-1987)

Fernando Pereira

30/1/2011

Angola 61 / Novo Jornal / Luanda / 4-2-2011





Quando comemoramos os cinquenta anos dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961, chega-nos à mão um livro de dois autores portugueses que tentam fazer um trabalho sério sobre as circunstancias que levaram à eclosão do quatro de Fevereiro e as razões próximas da mobilização dos participantes e organizadores do movimento que muitos já apelidaram de “princípio do fim do colonialismo português”.
Tenho que confessar que li o livro a correr, pois só no início desta semana me chegou às mãos, e urgia que este trabalho surgisse na edição comemorativa do 4 de Fevereiro de 1961 neste Novo Jornal de 4 /2/2011. Ficam antecipadamente algumas desculpas por alguma “ligeireza” na abordagem à obra da professora Dr.ª Dalila Cabrita Mateus e de seu marido Dr. Álvaro Mateus, sobre alguns comentários ao “Angola 61”.
Quero fazer também uma prévia declaração de interesses, e que assenta sobretudo no facto de conhecer e divulgar a obra da Dra. Dalila Cabrita Mateus, de enorme interesse para aumentar o acervo documental da história colonial. Os seus livros são importantes, podendo eventualmente eu ou outros acharmos que há incorrecções a exigirem ser reparadas, mas a realidade é que nos confrontamos com trabalhos académicos sérios, coerentes e fruto de muito trabalho de investigação e pesquisa.
Posso por vezes não gostar que a história fosse como ela é descrita, posso colocar dúvidas em relação a alguns relatos e posicionamentos marcados pela ainda proximidade dos acontecimentos, mas o que não devo é questionar com afirmações avulsas um trabalho científico.
Por tudo isso acho assertiva a citação de Alexandre Herculano (1810-1877) na introdução do livro “Angola 61” da Texto Editora acabado de sair para as livrarias: “O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é péssimo conselheiro para o historiador. Quantas vezes, levado de tão mau guia, ele vê os factos através do prisma das preocupações nacionais, e nem sequer suspeita que o mundo se rirá, não só dele, o que pouco importara, mas também da credulidade e ignorância do seu país, o qual desonrou, crendo exaltá-lo! […] Caluniadores involuntários do seu país são aqueles que imaginam estar vinculada a reputação dos antepassados a sucessos ou vãos, ou engrandecidos com particularidades não provadas nem prováveis”.

A fase inicial do ” Angola 61” começa por ser um livro de temas recorrentes na história contemporânea do Portugal colonial e convenhamos não é supletiva a um conjunto de trabalhos de outros historiadores e aqui posso colocar Pedro Ramos de Almeida, Armando de Castro, Sousa Ferreira, Gerald Bender, e mais recentemente alguns jovens doutorados como por exemplo Fernando Tavares Pimenta, Cláudia Castelo e Julião Soares de Sousa.
Apesar do contexto do 4 de Fevereiro de 1961, o livro ignora os desmandos da primeira Republica e da sua figura marcante, Norton de Matos, idolatrado por uma franja significativa de colonos da média burguesia com interesses instalados na colónia. O salazarismo aumentou a repressão, privilegiou as relações com a igreja através da adenda à Concordata entre Portugal e a Santa Sé, através do Acordo Missionário.
Pode parecer despiciendo abordar isto, mas julgo que a influência das missões protestantes na mobilização dos guerrilheiros na eclosão dos acontecimentos de 1961 era capaz de merecer maior detalhe.
À data de 4 de Fevereiro de 1961, o governador-geral era Silva Tavares um juiz de carreira politicamente cinzento como convinha a Salazar é substituído por Venâncio Deslandes, provavelmente o mais prestigiado militar das forças armadas portuguesas. Do que leio no livro partilho a opinião dos autores em relação à figura camaleónica de Adriano Moreira, que substitui Lopes Alves no ministério das colónias, e que entra em rota de colisão com Deslandes. Este general da força aérea, figura prestigiada do regime, não se coíbe de dar as opiniões a Salazar, que “manholas” como sempre foi , vai-se aquecendo na fogueira ateada pelas faíscas das opções e dos egos dos dois governantes. As vicissitudes de muito do que aconteceu nesse longínquo 61, acabaram por permitir que Salazar numa atitude de feitor de quintal se visse livrem dos dois quando as circunstâncias militares começaram a ter outro rumo. Deslandes, quando disse que tinha sobre a sua “direcção o maior efectivo de sempre das forças armadas portuguesas na sua história”, e que “essa teoria do Portugal de Minho a Timor era uma figura de retórica”, para além de pedir uma Universidade para Angola, e dizer que Angola e o Minho não tinham nada a ver uma coisa com outra foi cavando a sua sepultura política, perante o olhar embevecido de Adriano Moreira que acabou por ser pontapeado também por Salazar, quase na mesma oportunidade; De delfim do “Botas” cova foi um ápice!
O livro tem muita documentação e fundamenta de com verosimilhança um conjunto de relatos sustentando alguma opinião que apesar de tudo contraria algo oficial em Angola sobre o 4 de Fevereiro de 1961. Percebo a coerência política das autoridades angolanas em relação ao que foi o 4 de Fevereiro de 1961, mas também é de enorme utilidade que comecem a aparecer trabalhos como este que possam de certa forma incentivar ao estudo dos acontecimentos determinantes na história do nosso País.
O livro, que me pareceu interessante parece-me apesar de tudo limitado, o que também me prevalecer em Dalila e Álvaro Mateus cingirem-se a muita documentação que existe em Portugal, mas que deveria ser complementada com relatórios que provavelmente estão no “Hotel Miradouro”, como era conhecida a sede da PIDE em Luanda na rua do Balão.
Acho que os historiadores angolanos devem ser estimulados a fazerem trabalhos destes, para depois não ficarmos na situação algo embaraçante de termos que dizer “nós é que cá estivemos” ou “nós é que sabemos”.Este livro embora com omissões é mais um desafio aos licenciados angolanos, e quiçá mesmo a empresas e fundações para criarem condições para a execução de trabalhos científicos de qualidade que possam ombrear com o que tenho à minha frente, e que prometo voltar em ulteriores oportunidades.
Não sou historiador e por conseguinte posso estar a especular sobre alguns detalhes que não terão relevância histórica nenhuma, mas na leitura que fiz do livro Angola 61 e recordado algumas conversas que tive com Rebocho Vaz, vizinho e amigo de meus pais em Coimbra e baseando-me no que escreveu num livro publicado em 1993 –“ Norte de Angola/1961 A Verdade e os Mitos”, há algo que como se diz em bom português não bate a “bota com a perdigota”, no que concerne à Baixa de Cassange. Penso que devia ter sido dado um maior enfoque ao trabalho de Eduardo dos Santos, nomeadamente o seu livro “Maza”, editado pela AGU.
Há todo um conjunto de artigos e alguns livros saídos agora sobre o desvio da Santa Maria” que provavelmente mereceriam que se fizesse alguma ligação, de forma a acabar de vez com mitos construídos e desconstruídos conforme a oportunidade do seu aproveitamento para circunstâncias diferentes.
Aqui há dois anos tive oportunidade de ler o livro de Frederico Delgado Rosa sobre o seu avô, o general Humberto Delgado e que tem revelações que teriam sido úteis, numa visão aportuguesada do livro Angola 61, que é objectivamente mais importante para Portugal que para Angola. Ainda sobre isto e não querendo andar com os panegíricos do regime tipo Amândio Cesar, Horácio Caio, Falcato, Alves Pinheiro, Amadeu Ferreira, Barão da Cunha, Diamantino Faria, João Simões, Artur Maciel, Pedro Pires, Hélio Felgas, Carlos Alves, Borja Santos, e quejandos, acho que se deveria aprofundar o factor insurreccional iniciado em 1961 com a leitura de muito depoimento de gente que foi para Angola por perseguição política, e aqui lembro entre muitos os exemplos de Antero Gonçalves, com um livro de 1965 “O Norte de Angola” e de João Garcia sobre o “ Quitexe” de 2000, que deixaram depoimentos interessantíssimos sobre o que politicamente se passava nas suas bualas e à volta, fora do contexto urbano da cidade capital.
Acho que a professora Dra. Dalila Cabrita Mateus tem cumprido cabalmente o seu propósito de investigar e simultaneamente oferecer trabalhos de grande qualidade científica, mesmo quando pontualmente estou em desacordo. O que não devemos, e aqui repito-o, é vilipendiar a autora porque tem opiniões cientificamente alicerçadas em documentos e depoimentos que contrariam convicções suportadas por opções ideológicas fabricadas em tempos que era necessário fazer-se força com base em verdades, que nalguns casos se revelaram falácias.
Acho o Angola 61 um livro interessante, a que voltarei quando o puder ler com calma, e só me cumpre agradecer aos autores, pelo menos a possibilidade de discordar com algumas opiniões que por lá andam, mas isso já justifica eu ter que ler e documentar-me bem para ripostar.
Pelo que ouvi dos autores era possível que este livro fosse polémico em Angola, mas julgo que não o será porque infelizmente quem se interessaria por levantar essa polémica está no seu cantinho a tratar da vidinha. Se o contrário acontecer, é muito bom, porque só se desenvolvem ideias com polémica assente em pressupostos de seriedade, respeito e tolerância pela diversidade.
Já agora, talvez a despropósito, há um outro Angola 61, já com uns aninhos de Rocha de Sousa, da Contexto que é um quase romance excelente, sobre a guerra colonial.

Fernando Pereira
2/2/2011
Related Posts with Thumbnails