30 de maio de 2009

COMER, LER E CONTAR/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 29/05/09





No último fim-de-semana, reuniram-se na Malveira, perto de Lisboa, cerca de oitocentas pessoas para o almoço anual promovido pela Associação dos Antigos Alunos do Liceu Salvador Correia em Portugal.
Foi a grande festa anual, em que se encontraram diversas gerações, e onde durante umas horas, se misturaram sentimentos díspares, num contexto que não é fácil explicar.
Todos os anos, de há sete a esta parte, “ei-los que chegam velhos e novos, de outras paragens, de outras aragens”, para o maior encontro da diáspora angolana, e no fim fica em todos, o desejo que o ano voe, para que o próximo Maio venha e nos leve à festa.
Continua a ser um enigma esta mobilização, pois reunir trinta e alguns anos depois, oito centenas de pessoas, normalmente com uma percentagem significativa de presenças neófitas em cada ano que passa, é algo incomum em eventos do género.
No ano em que se comemora o nonagésimo aniversário do Liceu, o primeiro de Angola, é gratificante ver-se o entusiasmo desta gente em trabalhar em eventos, em fazer sair um livro e a propor iniciativas diversas, que mobilizam as pessoas para as envolver num espírito positivamente corporativista, mas de grande generosidade.
Este fim de semana, coincidiu com a apresentação do novo livro do Fernando Teixeira (Baião),” Kimalanga”, numa Casa de Angola em Lisboa, espaço demasiado exíguo para a presença de tantos amigos, que não quiseram deixar de lhe tributar o merecido carinho pelo seu trabalho em criar personagens, que complementem na escrita a sua forma peculiar de contar histórias.
Foi também para mim uma boa surpresa, o livro que adquiri do Pedro Benga Lima “Foguetão”, “ Percursos Espinhosos”, editado pelo INALD, um repositório de memórias de uma vida vivida e lutada, e que não deve ser ignorada.
Este trabalho, longe de grande verve, é uma descrição séria do que foram tempos difíceis, numa sociedade colonial segregacionista, e de uma guerrilha em que tudo era incerto e difícil, em prol de uma sociedade que emergiu diferente.
Foi com gente desta que se fez a Angola mais difícil, e por isso em futuras Ágoras irei tentar fazer um levantamento, ainda que sumário, de muitos depoimentos de pessoas que lutaram, participaram e que fizeram a história menos conhecida do País.
Ignorar esses depoimentos, é caucionar um reescrever torto a história de Angola.
Fernando Pereira
26/5/09

24 de maio de 2009

O Painel do Neves e Sousa não sabe voar/ Angola/ Novo Jornal /22-5.09






Há cinquenta anos que vou seguindo atentamente, tudo o que se vai passando no aeroporto internacional de Luanda, que já foi “Craveiro Lopes”, “Bela” e actualmente 4 de Fevereiro.
O aeródromo Emílio de Carvalho, apesar de ver acrescentada uma pista, já não oferecia segurança aos Skymasters, nem tão pouco poderiam permitir a aterragem dos Super Constelation , os mais virtuosos aviões a hélice que havia nos anos 50. Emílio de Carvalho, foi um tenente de cavalaria, diletante dos aviões, que faleceu num desastre nocturno de aviação em 13 de Novembro de 1924, numa modesta pista de aviação em Luanda. Foi o pioneiro dos raids aéreos entre Luanda e Leopoldeville, hoje Kinshassa.
Voltando ao aeroporto internacional 4 de Fevereiro, que ou desde a sua inauguração tem uma particularidade interessante: Ou anda em obras de beneficiação ou ampliação, ou precisa de obras de ampliação ou beneficiação!
Desenhado por Keil do Amaral e pelo luandense Fernando Lopes Simões de Carvalho, podemos dizer que era um excelente edifício, para os tempos em que a aviação comercial era elitista, e naturalmente com poucos aviões a chegarem e a partirem, sem que houvesse pois necessidade de grandes espaços.
Apesar de tudo o aeroporto dispunha de uma excelente sala de embarque, e de uma pequena sala de saída, quase tudo no que está hoje disponibilizado, como sala para as formalidades de embarque de passageiros.
Nesse espaço, está o verdadeiro ex-líbris do aeroporto de Luanda. Um painel com 345 m2 em grafite, que pouca gente olha com atenção, principalmente desde que fecharam o terraço ao cimo das escadas onde se encontra a sala do protocolo de Estado.
Este painel notável, em que está desenhado um conjunto de referencias aos povos e etnias de Angola, Neves de Sousa faz uma homenagem às gentes e também à sociedade crioula de Luanda. É provavelmente a obra mais emblemática que Neves de Sousa tem em Angola, embora haja muito trabalho dele espalhado por todo o País, mas nenhum tem esta dimensão, nem uma mensagem tão arreigada aos valores da terra como tem este.
Resolvi fazer este texto, porque realmente vi que o aeroporto anda novamente em obras, para quando acabarem se der conta que precisa novamente de novos trabalhos, já tem sido essa a sua sina, e fiquei preocupado por não ter visto um cuidado suplementar para preservar o mural de Neves e Sousa, nem tampouco cobri-lo de forma a acautelar alguns pingos de cal ou tinta que lhe caiam em cima, de forma involuntária obviamente.
Claro que nem sequer me passa pela cabeça, que o painel seja removido do lugar, como já tem acontecido com outros locais classificados, como tem sido recorrente ultimamente. Podendo, numa hipótese meramente académica ser uma ideia peregrina em alguém que decida sobre estas coisas, só me resta lamentar que a estultícia por vezes não tenha limites no aceitável, o que permitiria pelo menos evitar que males maiores pudessem acontecer, o que não tem sido o caso.
Desculpem este lembrete, mas quando vejo obras ao pé de certas coisas, algo me diz que alguma coisa boa vai desaparecer, e disso é que tenho receio, e também por isso lembro a tempo e horas, se é que vale alguma coisa.

Fernando Pereira 11/05/09

A vida que os portugueses deixaram/Novo Jornal/Angola/22-5-09


Na segunda metade dos anos setenta, Lisboa foi inundada por uma panóplia de títulos, em que invariavelmente, os temas eram o ódio visceral ao MPLA e a incitação ao linchamento de Rosa Coutinho e a de outros elementos do MFA!
Nenhum desses livros, é particularmente importante para se retirar algum detalhe importante para a história de Angola, ou até mesmo para memória futura da “descolonização”. Os armazéns de distribuição ficaram pejados de inutilidades, que mais tarde acabaram vendidos para reciclagem. Pela minha parte só lamento, o tempo que perdi a ler tanto desperdício de papel e tinta.
Com o passar dos anos, para os portugueses que deixaram Angola em 1975, e os que acidentalmente lá nasceram, a palavra “retorno” foi perdendo significado. Os devaneios literários das pessoa, passaram para um quotidiano de trabalho e de vida, onde cada vez menos tinha lugar a palavra “saudade”.
Há uns poucos anos a esta parte, mercê de inovadoras formas de comunicação, de reencontros possibilitados pelo acesso generalizado da internet, assistimos ao renascer de um novo surto da literatura de “Aquém e Além-mar e África”, e de um momento para o outro, os escaparates das livrarias voltaram a ter livros, com textos ligados a uma pituitária emocional, impregnada pelo “cheiro da terra vermelha molhada”.
“Retornados” de há trinta e cinco anos, ou seus descendentes com algumas imagens difusas da terra que largaram em condições particularmente desagradáveis, voltam de pena afiada a produzirem livros. São menos ideológicos, romanceados e polvilhados aqui e ali por imagens, que se encontram com mais facilidade em brochuras turísticas de domínios exóticos, ou no imaginário de algumas pessoas, frutos de sonhos de anos, do que a realidade do que aconteceu ou do que existe, e que afinal não está tão destruído como durante anos lhes foi pintado.
Recentemente saíram pela Oficina do Livro, “A Balada do Ultramar” do jornalista Manuel Acácio ; A reedição desta vez pela editorial Cristo Negro, “Os retornados, o Adeus a África” do médico António Trabulo; O “Lobito” de Antonio Mateus, editado pela “Guerra e Paz”. Este conjunto de livros não merecem grande comentário, porque não me despertaram alguma emoção quando os li.
Simultaneamente apareceu, editado pela “ Saída de Emergência”, com o título “Angola a Ferro e Fogo”,de um tal Gerard de Villiers, que é um romance no mínimo absurdo. É uma tentativa medíocre de imitar Laterguy, polvilhada aqui e ali com um misto de “África Adeus” com os “Jogos Africanos” do Jaime Nogueira Pinto. Mais uma vez, penso que quem evitar a sua leitura, será mais feliz que eu, que o tive que ler, para escrever e dar esta minha benevolente opinião.
No meio disto tudo, e quando começava a desesperar, tive uma magnífica surpresa, que é o interessante livro da jornalista free-lancer,Ana Sofia Fonseca, “Angola Terra Prometida” , editada pela “Esfera dos Livros”, graficamente muito bem concebido, em que a capa indicia claramente a forma como se vão desenrolando textos, fotos e anúncios diversos ao longo da obra.
Quando adquiri o livro, confesso que o fiz com alguma reserva, pois esperava mais do mesmo, mas à medida que avançava na leitura, as reservas iniciais iam-se rapidamente dissipando, já que a escrita é absorvente e muito bem contextualizada no tempo e também no modo.
Ao longo de trezentas e tal páginas, a autora fala com portugueses, mas levanta o biombo, que muitos deles se esqueceram de espreitar, durante os anos que viveram em Angola, e que tinha a ver com a segregação, e que é salientada no livro, sem atavismos de natureza ideológica ou necessidade de algum exercício de expiação. “ A vida que os portugueses deixaram”, foi fruto de um belíssimo trabalho das autoridades coloniais que no cínico e aparente diáfano da linguagem do “muitas raças, muitos povos, uma só nação”!
Uma coisa a reter no livro, tem a ver com o denominador comum da saudade dos entrevistados, que ao tempo do desenlace com Angola eram jovens, solteiros ou casadinhos de fresco, e sem saberem quão sofrida a sua vida. Também isso muda tudo, pois todos invariavelmente temos alguma saudade do nosso passado de juventude, quer se viva em Angola, Portugal, Brasil ou Nepal. Eu próprio, que partilho a opinião do José Gomes Ferreira, de que “tenho saudades é do futuro”, não escondo alguma emoção quando recordo algumas coisas de um tempo ido que só teve muito de bom, porque era jovem, já que de qualquer forma irrepetível, e ainda bem!
Merece ser comprado, mas que ninguém espere um “livro militante”.É acima de tudo um brilhante e sério trabalho de uma jornalista ainda pouco mais que debutante, que iremos começar a olhar com atenção.


Fernando Pereira
19/05/09

15 de maio de 2009

Toponimando II/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/15-05-09



Talvez seja mesmo um chato, mas não podia deixar que este assunto da toponímia se reduzisse a um artigo, e não deixa de ser curiosa a observação do meu amigo Eduardo Trindade, antiga glória do hóquei angolano, reformado bancário, morador no muceque Braga, e não no Bairro do Café, como insiste em dizer, que desabafava abafadamente no transito da cidade:” Toda a gente tem nome de rua, só eu, Trindade, que vivo aqui há sessenta anos não tenho direito”.
Este desabafo do Trindade pode parecer extemporâneo e até aparentemente reaccionário, mas a realidade é que ele, eu e muitos de nós interrogamo-nos quem é certa gente que está nas tabuletas, porque não há sequer menção ao seu nascimento ou morte, no caso das pessoas, ou a relevância de certos lugares.
Por acaso o Trindade mora na Rua Salvador Allende, um cidadão digno de figurar em todas as cidades do mundo, porque foi um homem que morreu no seu posto a lutar pela liberdade e por um Chile mais equalitário e progressista. O único senão, foi este nome ter sido dado a uma rua, que tinha um nome de um botânico, insigne professor catedrático da Universidade de Coimbra, e um dos grandes estudiosos da flora africana, o Dr. Luis Carriço. Teria sido bem melhor ter dado o nome de Salvador Allende, a uma rua que tivesse um anódino subalterno colonial, que por dá cá aquela palha ficou com direito a placa na cidade que crescia e que não tinha heróis para tanta rua.
Falei de Allende, como podia falar da substituição do Largo Alves da Cunha, por praça Lenine, que já tem uma avenida, que o povo ironicamente chama de “Brito Lenine”, numa engraçada articulação entre o antigo nome de Brito Godins e o actual Lenine.
Podia fazer aqui uma série de reparos, que diga-se de passagem não são mais que opiniões subjectivas, e que podiam ajudar a um debate interessante sobre o futuro da toponímia da cidade, para que não seja apenas para homenagear quem muito fez, mas também num contexto pedagógico, pois alguém há-de dizer porque é que determinada rua se chama assim, ou determinado largo tem esse nome, e aí por diante.
Acho que Iko Carreira, Pedalé, Loy, Holden Roberto, Gentil Viana, Ben-Ben, Joaquim Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, e tantos que lutaram pela libertação de Angola e por valores de liberdade mereciam que em Luanda, e nas suas terras de origem, lhes fosse prestada uma homenagem, e nada melhor que perpetuar o seu nome numa rua, ou num espaço publico onde possam ser lembrados por gerações vindouras.
Estabelecer para determinado bairro uma toponímia de escritores ligados à lusofonia, recordando obviamente em primeiro lugar António Jacinto, António Cardoso, Henrique Abranches, Raul David, Eugénio Ferreira, Bobella-Motta, Alda Lara, Ernesto Lara Filho, Sebastião Coelho, Eugénio Ferreira, para depois passarmos a um José Saramago, Jorge Amado, o cabo-verdiano Manuel Lopes, o santomense Francisco José Tenreiro, o ignorado Daniel Filipe, o moçambicano Howana, ou o “Timorense” Rui Knophly , não esquecendo Mário de Andrade, Castro Soromenho, o recentemente falecido Tomas Jorge, Eugénio de Andrade, Aquilino Ribeiro, Alves Redol, Machado de Assis, José de Alencar entre muitos africanos e de outros lugares, que iriam dignificar a nossa cidade.
Pegar em nomes de artistas plásticos como Vitor Teixeira (Viteix), Rui de Matos, ao lado de arquitectos que fizeram Luanda, e dar-lhes o relevo que merecem, a par de outros homens de cultura como Teta Lando, Paz Victorino, o incontornável N’Gola Ritmos, e o mestre “Liceu” Vieira Dias.
Gente do Desporto como Demóstenes de Almeida, Matos Fernandes, Couto Cabral, isto para não ser demasiado exaustivo.
Em síntese, acho que é tempo da cidade dar relevo aos que a fizeram, aos que lutaram por ela, aos que escreveram, cantaram e pintaram sobre ela, acima de tudo gente que amou a sua cidade, e ela não lhe virou as costas e homenageou-os para que as gerações do futuro perguntem quem foi, e haja alguém que os ensine, ou que saibam onde procurar quem lhes ensine.
Que a cidade faça por merecer ter esta gente entre si!

Escrito no Jornal de Angola de 17-05-09


Postal diário: A questão da toponímia e os insultos à dignidade angolana

Luciano Rocha

A questão da toponímia não é fácil de resolver, ainda por cima se, como acontece com Luanda, carrega uma série de nomes que se confundem com a própria história da cidade.
Os rebaptismos, muitas vezes feitos de ânimo leve, nem sempre resultam. Os luandenses, ignorando decisões oficiais, continuam a utilizar nomes antigos.
Angola não teve tempo, até 2002, de se debruçar sobre questões dessa natureza. As atenções e preocupações centravam-se na defesa da integridade nacional. Mesmo, agora, em época de reconstrução do país, continua a não ser assunto de grande relevância, a não ser em casos que atentam contra a dignidade dos angolanos. Não escandaliza ninguém que haja locais públicos com nomes de estrangeiros. Acontece em todo o mundo. Mas, continuar a ver artérias e bairros, com placas a lembrar figuras gradas do colonialismo é insultuoso.






Fernando Pereira
5/05/09

10 de maio de 2009

Toponimando I / Ágora / Novo Jornal /Luanda 8-5-09



O cidadão de Luanda, há muito que se esqueceu de olhar para as placas indicadoras do nome das ruas e avenidas da cidade, porque senão seria motivo para criar novos dichotes, particularidade muito comum no estar normal do caluanda.
Deambular descontraído pela Luanda de hoje, que ao contrário do que diz certa gente, é possível fazer-se com alguns cuidados, nada que não seja comum noutras cidades grandes, noutras latitudes e noutros contextos económicos mais favorecidos, aqui as pessoas deparam-se com um verdadeiro caos no que se refere à toponímia da cidade.
Acho de elementar bom senso, que a toponímia da cidade capital do País passe a ser coerente, com o facto de termos mais de trinta anos de independência, e de sentirmos que Luanda é uma cidade de múltiplas referências, mas com a identidade da angolanidade bem vincada.
Despercebo porque razão as placas de toponímia tem que ser com azulejos, quando a azulejaria nunca foi marcante em período algum da nossa história, como também não entendo porque se escolhem cores que nada tem a ver com as cores da cidade, ou do País, ficando ao critério, e neste caso ao mau gosto, de alguém que só por um aumento desmesurado de “besuguice” urbanística , deixa de relevar o seu mau trabalho.
Não é pretensão minha elaborar a “carta guia da toponímia Luandense”, mas apenas tentar alertar que o que está feito, está muito mal feito, pois quando há trinta anos se ultimou a primeira fase de substituição da toponímia colonial, não houve a preocupação de tirar as antigas placas, e nalguns casos até é bizarro, ver-se a placa actual por baixo da denominação antiga (Facilmente constatável em muito lugar, como por exemplo na Rua Sequeira Lukoki, que tem a placa do Rua Governador Eduardo Costa precisamente ao lado!!).
Outro ponto em destaque, tem a ver com a total ausência de informações sobre a pessoa que dá o nome à rua! Refiro-me a Valódia, por exemplo, que tem justificadamente o seu nome numa das mais emblemáticas avenidas de Luanda, e que cada vez há menos gente a saber quem é. A sua perpetuação numa rua, é objectivamente para honrar a sua memória e ser lembrado por todos os cidadãos angolanos. Também sobre esta avenida, cumpre-me esclarecer que ela é Valódia até certa altura, depois volta a ser Combatentes da Grande Guerra, para novamente terminar como Valódia, tendo em conta as placas existentes ao longo da via.
Outro exemplo caricato, tem a ver com as placas recentemente colocadas, e que mais uma vez reflectem a falta de um critério uniforme nos “dizeres” . Na Rua do 1º Congresso do MPLA, que não percebo porque é que passou a rua, quando tem todo o perfil de avenida, há uma placa que diz “Rua do 1º Congresso” (sic), sem que alguém consiga perceber a que congresso se refere, quando foi, ou se de facto é uma rua que homenageia todos os 1ºs congressos passados e futuros, isto numa de devaneio humorístico.
Ainda outro exemplo, relativamente a placas, deve-se citar a da Rua Frederich Engels, que é a Rua da EPAL, e que tem aquilo que vulgarmente se chama excesso de informação: “Rua Frederich Engels 1820-1895, filósofo alemão que com Marx e Lenine criaram o socialismo”
Sinceramente estou a falar de evidências, e nem sei se Luanda tem uma comissão de toponímia a trabalhar com regularidade, se tem um regulamento aprovado, e quem tem assento nessa eventual estrutura. Só me cumpre dizer que se tem, está demasiado letárgica, se não existe, devia começar a trabalhar-se já para que começasse a produzir resultados de imediato.
A toponímia numa cidade capital reflecte a realidade histórica e social de um País, e só os eleitos tem pleno direito de figurar no quadro de honra da cidade que os resolveu eleger como seus cidadãos, ou parceiros no caso de cidades ou acontecimentos históricos.

(Continua)

3 de maio de 2009

CRÓNICA PREGUIÇOSA/ Ágora / Novo Jornal / Luanda / 30-4-09


Em 28 de Abril de 1889, nascia o ditador António de Oliveira Salazar, figura sinistra que governou Portugal durante quarenta anos, e perpetuou a ultima “impotência” colonial da história.
Porque vem a talhe de foice, prefiro falar de Jorge de Sena que observou um dia, algo adaptado ao nosso quotidiano de angolano: “O nosso mal, entre nós, não é sabermos pouco; estarmos todos convencidos de que sabemos muito. Não é sermos pouco inteligentes; é andarmos convencidos que o somos muito.”
Engenheiro civil e escritor de fim-de-semana, primeiro, depois no exílio voluntário, professor, na área das humanidades e escritor a tempo inteiro. Como tantos outros, recusou viver numa sacristia de 92.391 Km2, a que se acrescentavam outras quintas, umas maiores que outras da Europa à Oceânia, numa imitação em versão miniatura do império Vitoriano, “Onde o sol nunca se punha”!
Abdicou de viver numa pátria povoada de sombrios contentinhos suficientemente «reaccionários» e suficientemente «dos nossos». Partiu com apoquentação, de não poder pensar e dizer livremente. Leccionou, escreveu muito, imenso e fabulosamente. Viveu nos Estados Unidos até ao epílogo de 1978.
Homem atento, conheceu e pensou maduramente os americanos. Porque estou preguiçoso a escrever, roubo-lhe um poema lucidamente recidivo.

Ray Charles

Cego e negro, quem mais americano?
Com drogas, mulheres e pederastas,
a esposa e os filhos, rouco e gutural,
canta em grasnidos suaves pelo mundo
a doce escravidão do dólar e da vida.

Na voz, há sangue de presidentes assassinados,
as bofetadas e o chicote, os desembarques
de «marines» na China ou no Caribe, a Aliança
para o Progresso da Coreia e do Viet-Nam,
e o plasma sanguíneo com etiquetas de blak e white
por causa das confusões.
E há as Filhas da Liberdade, todas virgens e córneas,
de lunetas. E o assalto ao México e às Filipinas,
e a mística do povo eleito por Jeová e por Calvino
para instituir o Fundo Monetário dos brancos e dos louros,
a cadeira eléctrica, e a câmara de gás. Será que ele sabe?

Os corais melosos e castrados titirilam contracantos
ao canto que ele canta em sábias agonias
aprendidas pelos avós ao peso do algodão.
É cego como todos os que cegaram nas notícias da United Press,
nos programas de televisão, nos filmes de Holywood,
nos discursos dos políticos cheirando a Aqua Velva e a petróleo,
nos relatórios das comissões parlamentares de inquérito,
e da CIA, do FBI, ou da polícia de Dallas.
E é negro por fora como isso por dentro.

Cego e negro, uivando ricamente
(enquanto as cidades ardem e os «snipers» crepitam»
sob a chuva de dólares e drogas
as dores da vida ao som da bateria,
quem mais americano?

Jorge de Sena
1964

Portugal foi governado pela demência durante quase quarenta anos!
Salazar era um rato de sacristia, provavelmente a cheirar a uma explosiva mistura de incenso e mirra, e ouro aferrolhado, com uma governanta que vendia ovos de um galinheiro no quintal da residência oficial de S. Bento, marcou a mentalidade de gerações, que de certa forma se perpetuam no tempo.
Em Angola e em Portugal temos os resquícios mentais, e materiais do que foi a insanidade de tanta letargia, e água benta na resolução dos problemas políticos. Num século, quarenta anos de governo intolerante, num país que já era atrasado em relação à Europa, deixou marcas profundas na sociedade e nas pessoas.
Fernando Pessoa, Um dos maiores da língua portuguesa, fica o poema, neste lembrar para nunca esquecer, os 120 anos de um nascimento, que não deveria ter havido.


SALAZAR

António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular...
António é António
Oliveira é uma árvore
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.

Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal
E sob o céu
Fica só azar, é natural.

Oh, c'os diabos!
Parece que já choveu...


Fernando Pereira
28/04/09

2 de maio de 2009

25 de Abril de 1974/ Edição Especial de 35 anos / Novo Jornal /Luanda/ 25-04-09




Mais vale uma tempestuosa liberdade, que uma tranquila escravidão

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andersen (1919-2004)


Minha querida amiga R.

Lembras-te quando chegámos de Luanda, naquele Outono frio de 197...? Lembras-te certamente, meu amor!
O cinzento das casas, das pessoas, dos polícias, dos governantes, de tudo! Portugal era pintado de névoa!
O nosso pequeno quarto, num 3º andar de um prédio com uma entrada lúgubre, onde uma enfezada passava dias inteiros a apanhar malhas de meias de nylon, num vão de uma escada de madeira carunchosa.
Lembras-te das nossas primeiras aulas e o que por lá acontecia?
Lembras-te da primeira carga policial que apanhámos, só porque resolvemos ir ver onde é que outros colegas nossos iam manifestar-se, sem percebermos bem porquê?
Lembras-te dos comunicados que começámos a distribuir?
Lembras-te das eternas noites de discussão que tínhamos em casa de L?
E a aflição que foi, quando a Pide foi a casa de L naquela manhã teimosamente cinzenta e triste? Os dias de angustia que se seguiram, com aqueles dois, sempre junto daquela cabine telefónica amarela da esquina da praça, com uma gabardina e um chapéu enterrados, sem que nunca lhe conseguíssemos ver a cara?
Lembras-te de A. vir ter connosco, naquela noite e dizer que eu teria de bazar, pois L. falou e não havia hipótese! Ainda por cima comigo era pior, porque era das colónias!
Lembras-te?
A partir dessa noite lembro-me eu!
Fui para os lados de O, numa casa distante da aldeia, onde a comida era coisa que só se via de tempos a tempos, e chegar à janela era do pior.
No rádio da sala íamos ouvindo coisas que nos entusiasmavam, mas em Portugal tudo na mesma!
Recebi e ainda guardo a tua carta, e não hesito em colocá-la, porque ainda a guardo:"Às vezes, apetece-me estar a conversar contigo ao pé da lareira (que bonita é a luz que dá aos nossos rostos), como tu gostas. Às vezes, tenho vontade de estar contigo na praia, em Luanda, como eu gosto. Às vezes podia ser na ribeira do teu jardim, onde tu gostas, mas também ao fim do dia, olhando o nosso mar de Angola, porque é especial. Podia dar-te a mão, e até encostar a cabeça no teu ombro. Teria vontade de te abraçar com forca e dizer-te ao ouvido, que gosto bue de ti. Mas, e depois?"Tanto chorei quando a recebi, e compreendi que de facto mais nada senão a resignação.
Numa qualquer madrugada de Abril, que não foi bem qualquer, foi o princípio de tudo! Abril, 25/1974!
Lembro-me bem querida R., peguei na carta que me tinhas enviado amargurada, e eis-me a caminho de uma Lisboa, que vi diferente, vi pela primeira vez, Lisboa diferentemente bonita, gente linda, alegria, e o frenético de uma liberdade por que tanto ousámos e que afinal estava ali. Lembras-te como nos beijámos nesse dia? Beijei-te tanta vez, mas só me recordo como foi dessa vez!
Lembras-te como vagueamos numa Lisboa que era enfim nossa, e que sentimos que pele de galinha, por termos medo de tanta euforia.
Mas não esta liberdade tínhamos que a gozar, querida R, podia ser efémera e não podíamos perder um minuto que fosse que não a desfrutássemos.
Pela primeira vez sentimos liberdade, e pela primeira vez olhamo-nos nos olhos e sentimos que a nossa Angola, a Angola independente estava perto! Querida R., o tempo e as circunstâncias da vida separaram-nos, mas ainda juntos vimos subir a nossa bandeira bi-color com a roda dentada, catana e estrelinha no Novembro do nosso muito grande contentamento. Escrevo-te 35 anos depois, de muita coisa, para te agradecer o que passámos nesses anos de lutas, alegrias, angustias, incertezas e tanto ou quase muito oportunismo.
Pouco interessa, quero pegar na carta já amarelecida pelo tempo, e fazer tudo aquilo que desejávamos fazer nos anos da ditadura e do ostracismo.
O 25 de Abril não foi nosso, mas também foi nosso, e por isso querida R.,hoje sinto-te como ontem, a desfilar por Lisboa de mãos dadas, a cantar e a inebriar-nos por aquela contagiante amálgama de gente que sentia o pulsar da linda palavra. LIBERDADE!
Querida R, lembras-te quando os dois declamávamos Eluard, façamo-lo sempre onde quer que estejamos!
Estamos juntos...sempre e por perto!!!!
Fernando

"O Imenso Adeus"/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 25-04-09



Reeditado, agora pela Asa, de Milan Kundera, “O livro do Riso e do Esquecimento”, lançado em Paris há 30 anos, e segundo o Observer, é um dos cem melhores livros da literatura mundial.
Lembro-me de o ter lido, de ter gostado, mas de facto Kundera não era do meu “clube”, e para mim não era fácil, ao tempo, aceitar que um escritor que tinha abjurado o socialismo da Checoslováquia, escrevesse bem! O seu outro livro, “A Insustentável leveza do ser”, saído em 1984, é uma obra mais trabalhada, imensamente cáustica para com o regime saído da invasão soviética de 1968, e só me caiu no goto, porque estava num processo de rotura com alguns dogmas, talvez porque tinha tido a oportunidade de “ver para descrer”.
Já que se efemeriza, recordo António Machado (1875-1939), escritor sevilhano ,dizia que “há horas que são minutos e outras que são séculos”, foi um dos muitos que sofreu na guerra civil de Espanha, que comemorou no dia 1 de Abril deste ano, setenta anos sobre o seu trágico epílogo.
A história da guerra civil de Espanha fascina-me, porque na realidade foi a ultima guerra romântica da história. Quando visito a “desinteressante” cidade de Guernika, no País Basco, e passeio nos lugares bombardeados, avulta-me um sentimento de indignação, pois a Europa, e os países ocidentais aceitaram e apoiaram economicamente a ditadura espanhola, que esmagou a democracia, até ao estertor de Franco na segunda metade da década de 70.
Quando o primeiro-ministro Zapatero, neto de um fuzilado na Guerra de Espanha, faz aprovar a “Lei da memória histórica”, demonstra uma invulgar coragem, porque vai mexer em feridas que só assim podem sarar de vez, recuperando a dignidade de muitos que tombaram, e jazem em valas comuns, porque cometeram o “crime hediondo de defender a liberdade”.
Foi a guerra que mais livro pariu, e foi a que teve maior número de voluntários a lutar por ambos os lados. Ao fim destes setenta anos é bom vermos, quando passamos em localidades emblemáticas de Espanha, os símbolos da falange e do seu caudilho Franco serem apeados, sem qualquer tipo de problema, já que a justeza da lei é incontornável.
Ainda de Espanha, fomos surpreendidos pela morte de Corin Tellado (1927-12/04/2009), a espanhola de literatura de cordel e fotonovelas, que era mais lida que Cervantes. Muito lida em Angola no tempo colonial, ainda manteve fãs durante estes quase trinta e quatro de independência!
Como estamos num mês de efemérides, é justo que se faça uma referência ao 17 de Abril de 1969, que marca o início de uma das greves académicas mais participadas e longas, do regime deposto em 25 de Abril de 1974.
Inaugurava-se em Coimbra o edifício das Matemáticas, com a presença do Presidente Tomás e outros dignitários do regime. A contestação à “Velha Universidade” assumia um cada vez maior entusiasmo, com o eco do “Maio de 1968” em Paris, e a vitória da lista de “Esquerda” para os órgãos sociais da AAC, proposta pelo Concelho de Republicas, contra o “Riso e Ritmo” apoiante da lista de direita, cilindrada na votação democrática dos estudantes.
Não acho que seja oportuno, estar aqui a explicar detalhadamente o que se passou, e talvez por isso recomendo entre outros, “Grandes Planos” de Gabriela Lourenço, Jorge Costa e Paulo Pena, editado pela Ancora, que ilustra bem esses tempos, num trabalho feito por jovens já nascidos no dealbar dos anos 80, e por isso com alguma distância do processo.
Só estou a referir esta efeméride, porque na realidade houve muito angolano engajado nessa luta. Alguns vivos, como Roberto Monteiro (Ngongo), Gil Ferreira, Décio de Sousa, Luis Filipe Colaço, Saraiva de Carvalho, Aníbal Espírito Santo, Orlando Rodrigues, Nene Pizarro, Manuel Rui, Carlos Correia, outros já falecidos como, Eurico Gonçalves, Garcia Neto e Fernando Sabrosa, entre outros.
A 19 de Março de 1959, em La Jolle, numa cidadezinha costeira perto de San Diego, falecia um dos meus preferidos escritores de romances policiais: Raymond Chandler, que curiosamente detestava o mar ("Too much water! Too much drowning!"), e por ironia acabou por morrer à sua beira. O seu Philip Marlowe, foi provavelmente a figura mais fascinante da literatura policial, e um anti-herói que todos, os que de forma quase omnívora, devorávamos Chandler desejávamos ter sido um pouco, levando menos surras. O seu “Imenso Adeus” traduzido por Mário Henrique Leiria, da Vampiro, é uma obra para reler muitas vezes, até que um estado demencial mo impeça.

Os sobrados em Luanda (II)/ Ágora/Novo Jornal / Luanda 17-04-09






Luanda era no virar do século uma cidadezinha costeira, que sempre me deixa algumas interrogações sobre o seu crescimento, pois a água rareava, ainda hoje sucede, e é das poucas cidades africanas que não está nas margens de um rio.
A cidade alta era constituída com a referência do Palácio do Governador, Episcopado, Misericórdia e um ou outro serviço publico. Porque era a zona dos funcionários e do clero, não era um local onde houvesse muito comércio, embora houvesse casas notáveis, que hoje vão ameaçando ruína.
Caracterizavam-se por terem grandes portas, divisões de tetos altos e janelas muito grandes, com curiosas bandeiras como decoração. Todas as divisões tinham ligação entre si, e o primeiro andar, que era a parte mais importante da casa, tinha um chão feito de madeiras de excelente qualidade. A construção era de pedra e paredes grossas, de forma a torná-las mais frescas. O piso térreo era para arrumos, e local onde viviam os serviçais.
Eram particularmente “cochichados” as festas e as suas incidências no “Jardim da Cidade Alta”, apenas acessíveis aos que estivessem na “boa conta do governador ou do clero regular”.
Com o crescimento da burguesia de origem portuguesa, na baixa de Luanda, no que outrora foi a rua Salvador Correia, hoje rainha N´Zinga, aliada a uma legislação racista, na tentativa de copiar a política britânica de Cecil Rhodes, as grandes famílias de Luanda entram em agonia, pois perdem influência económica, e é-lhe retirado de uma forma algo soes, muitos terrenos e propriedades, conseguidas por negócios e casamentos de conveniência, algo que era normal ao tempo, em Portugal e colónias.
Faço aqui um pequeno intervalo, para referir que no recente livro sobre o Dr. Eugénio Ferreira,” Um Cabouqueiro da Angolanidade”, nos documentos lá colocados por seus filhos, fala-se que por exemplo a “família Assis” era dona de terrenos que iam da “Exposição Feira” ao Cacuaco, e por não estarem registados foram-lhes todos tirados pelas autoridades coloniais.
A verdade é que a partir de certa altura só a burguesia mercantil luandense, que já tinha o privilégio de eleger um deputado às cortes, passou a deter a presidência da Câmara Municipal, inerentemente dominava a comissão de recenseamento eleitoral. Claro que todas as famílias tradicionais de Luanda eclipsaram-se, e justificadamente começaram a aparecer os primeiros focos de indignação tendo a germinado um ideal de autonomia, e independência em relação a Portugal.
A burguesia mercantil do fim do século XIX em Luanda, acantonava-se junto à baia, pois era aí que pulsava a vida económica da cidade, que era limitada pelas Ingombotas, um muceque, para onde foram empurrados os serviçais numa primeira fase de crescimento da cidade.
A Rua da Alfandega, a “Salvador Correia” eram o centro do comércio e também do bom gosto das casas de Luanda ao tempo. Com um piso térreo para charretes, loja, armazém, deixavam o primeiro andar para a família do proprietário, que em grandes salões, caiados de branco, com tecto altíssimo e nalguns casos trabalhado, viam-se “boas baixelas de prata, mobília importada do Brasil ou de Boston, o dourado dos espelhos suspensos sobre a consola, charões ricos sobre pedras de mármore e, recolhido no bojo do imponente aparador , lá estava o aparelho de louça inglesa, de tons leitos e aristocráticos” (George Tams in Visita às possessões portuguezas na costa occidental de África).
Vivia-se calmamente Luanda, com alguma cultura à mistura, pois importavam-se livros directamente de França e da Alemanha, em valores que eram interessantes para a época, e as pessoas cultivavam a musica e tinham algum cuidado no vestir, pois se virmos facturas da época, tecidos finíssimos de Paris, boquilhas, bengalas com cabos de prata, cachimbos, alfinetes de peito, brinquedos e perfumes, provava que alguém os comprava e consequentemente utilizava.
Com o deixar cair da “Cidade do Sobrado”, a Luanda de hoje só faz um favor ao colonialismo de mentalidade serôdia, que é o de deitar abaixo tudo que transpire a “antiguidade”. Em lugar das velhas casas da Luanda que respirava, vamos vendo novos E15s (prédios de habitação social construídas por cubanos no dealbar da independência, que tinham um projecto igual ao que fizeram noutros lugares do mundo e até em Havana).
São mais envidraçados, consequentemente pior para o ambiente, e de facto só conseguem tornar a cidade a rever-se cada vez menos em si própria, e já é inútil pedir muito mais, mas pelo menos tirem fotos ao que ainda está de pé para memória futura.

No "Novo Jornal" de 15 de Maio de 2009, foi publicado uma extensa carta sobre o artigo, por parte do Engº Aires de Menezes Assis, que transcrevo na integra:
Exm.º Sr. Fernando Pereira


Tendo lido a sua coluna, ÁGORA, do
Novo Jornal, do dia 17/04/09, cujo título
é “Sobrados de Luanda II”, e não
concordando com o modo como são
lá abordadas algumas das questões
que dela fazem parte, venho por meio
desta tecer alguns comentários, relativamente
ao pouco que sei sobre as
mesmas. Sei que este texto é bastante
grande para uma só edição, mas agradecia
que o publicassem, na sua totalidade,
mesmo que de forma repartida.
- Segundo, Jared Diamond, antropólogo
Norte-Americano que publicou
uma obra bastante interessante, ”Armas,
Germes e Aço - Os destinos das
Sociedades Humanas” – Editora Relógio
de Água, das quatro (4) grandes
descobertas da humanidade, o fogo, a
agricultura, a roda e a escrita, os povos
bantus desconheciam as duas últimas
e só delas tomaram conhecimento,
com a chegada dos colonizadores
europeus. Só começaram a utilizá-las
muitos anos após essa chegada e por
influência destes. Isso não significa
que não contassem a tradição oral, os
acordos e leis verbais, que tinham mais
valor que qualquer papel escrito que se
começou a utilizar por imposição dos
mesmos, para seu proveito.
Foi o que aconteceu com os terrenos da
família Assis, que iam desde a “exposição
feira” (zona a que hoje corresponde
o bairro designado por Miramar) até
ao Cacuaco e que por não estarem registados,
lhes foram retirados.
A minha avó paterna contou-me algumas
vezes que o meu trisavô António
Diogo de Assis, homem do primeiro
quartel do Séc. XIX, era dono de um
grande terreno nessa zona.
Facto relevante, relativamente ao que
atrás foi escrito, é eu julgar só ter começado
a ser prática corrente, o registo
de propriedades e o pagamento de
impostos sobre vendas e aquisições,
em meados do Séc. XIX, como por
exemplo a compra que a minha bisavó
paterna fez da casa onde nasceu o meu
pai, cujo ano de registo é o de 1899 e
que tem uma das primeiras matrizes
prediais da Repartição de Finanças da
área onde está localizada.
Porém, a prática de esbulho de propriedades
por parte das autoridades coloniais,
às famílias tradicionais e não só,
também ocorria quando existiam documentos
que comprovavam a posse
das mesmas. Um desses exemplos
ocorreu com os terrenos que correspondem
hoje à zona da tourada, cujos
proprietários eram entre outros o meu
avô paterno, António de Assis Júnior
e Fernando Vieira Dias, e que nos primeiros
anos da década de 50 lhes foram
retirados por razões de interesse
público, (julgo ser esta a designação)
para se construírem os quartéis para
o exército português. Quando o primeiro
fez a reclamação junto das instâncias
competentes, comunicaram-
-lhe, que por ter prescrito o prazo para
a apresentação da reclamação, já não
era possível recorrer.
Quando escreve que, “claro que todas
as famílias tradicionais de Luanda se
eclipsaram, e que justificadamente começaram
a aparecer os primeiros focos
de indignação”, não estou de acordo
com a frase, pelas razões que a seguir
exponho: quando se dá a instauração
da República em Portugal, as leis e práticas
das autoridades coloniais endureceram
para com essas famílias, como
por exemplo, obrigando muitas delas
a mudarem-se das suas propriedades,
onde habitavam há décadas, para zonas
mais distantes, alegando a falta de
documentação relativa às mesmas como
aconteceu da zona da Ingombota
para o Bairro Operário. Mais do que
gerarem indignação despertaram, em
alguns elementos dessas famílias que
tinham atingido a idade adulta nessa
altura, o “ “cabouqueirismo” da angolanidade”
e não noutros, que para
além de serem uma ou duas gerações
mais novos, não são referidos nas primeiras
manifestações desse “cabouqueirismo”,
já publicadas por alguns
autores ou narradas pela tradição oral.
Exemplos disso, são :
A história que me foi contada algumas
vezes pelo meu pai, sobre a visita, em
1907, do Príncipe Herdeiro Luís Filipe
às colónias da Guiné, São Tomé e Angola,
visita esta documentada no romance
“EQUADOR” de Miguel Sousa
Tavares, tendo-se esboçado um plano
para o rapto do Príncipe, quando este
desembarcasse em Luanda. O resgate
para a libertação do mesmo seria a Independência
de Angola.

Tendo havido uma denúncia, antes
da chegada do navio relativamente a
esse plano, o Príncipe desembarcou
não com o seu traje de cerimónia, mas
com um traje de marujo e no meio dos
marujos o que fez com que passasse
despercebido, inviabilizando o plano.
O meu avô António de Assis Júnior, na
altura com trinta anos, (1877-1960)
participou neste plano.
Relativamente a António de Assis Júnior,
por tudo aquilo que tenho lido
e me tem sido transmitido sobre ele,
posso afirmar, sem equívoco, que terá
sido o líder político angolano da primeira
metade do século XX, tendo sido
escritor, jornalista e advogado.
Leiam-se a seguir alguns dos exemplos
que sustentam esta afirmação.
Foi considerado o primeiro romancista
angolano, com a obra “O Segredo
da Morta”. Para além disso, publicou
também o “Relato dos acontecimentos
de Dala Tando e Lucala” , um Dicionário-
Gramática de Kimbundu-Português,
um livro de contos “Histórias de
Ngana Eusébio” existindo também,
embora só em fichas, um Dicionário-
Gramática de Português-Kimbundu.
Devido à falta de advogados na colónia,
nos finais do séc. XIX, início do
séc. XX, as autoridades da altura licenciaram
algumas pessoas, após um
exame, para exercerem advocacia. Ele
foi uma dessas pessoas. Foi também
durante alguns anos o Director do periódico
“O Angolense”.
Foi na qualidade de advogado que:
- defendeu os camponeses na revolta
dos Dembos de 1911, devido às condições
de trabalho a que eram submetidos,
o que resultou na sua primeira
prisão ( foi-me relatado pelo meu
pai);
- defendeu, também, enquanto procurador
judicial na comarca do Golungo
Alto, (1917), os proprietários
de terras que estavam a ser roubadas
pelos colonos. Estava-se no início
da era do cultivo de café que gerava
grandes fortunas. Dizia aos seus
constituintes que deviam defender as
terras com tudo o que tivessem para
isso, porque elas eram o legado dos
seus antepassados. Daí resultou a sua
segunda prisão por parte das autoridades
coloniais, o envio para a fortaleza
de São Miguel onde esteve alguns
meses e em seguida o desterro para o
Cuito-Cuanavale. Com ele estiveram
também presos, entre outros, Domingos
van-Dúnem, Manuel Correia Vítor,
Agostinho Aleixo da Palma. Este
episódio foi por ele narrado no livro
“Relato dos acontecimentos de Dala
Tando e Lucala”;
- defendeu, enquanto também Director
do Periódico “O Angolense” os
camponeses de Catete, na altura com
44 anos (1922), que se revoltaram
contra os castigos corporais, prisões
arbitrárias, trabalho obrigatório por
cinquenta e dois (52) dias em casas
de particulares, pelo aumento de salário
devido ao facto de só receberem
vinte centavos diários pela recolha de
algodão ou pelo trabalho nas estradas
e pela abolição do pagamento do
imposto indígena a crianças de dez e
doze anos de idade. Na altura deslocaram-
se a Luanda cerca de sessenta
camponeses que dormiram em sua
casa, no actual Largo do Atlético (ex-
-Largo Luís Lopes de Sequeira). O resultado
dessa revolta foi a sua prisão
pela terceira vez, novamente na fortaleza
de São Miguel, a extinção da Liga
Angolana, cujo presidente na altura
era Manuel Inácio dos Santos Torres,
a suspensão do periódico “O Angolense”
e o encerramento da tipografia
Mamã Tita Lda. onde o mesmo era impresso
(na altura o administrador do
Jornal e da tipografia, e julgo eu seu
proprietário, era Manuel Pereira dos
Santos Van-Duném Júnior, também
membro da Liga), que segundo o auto,
não tinham sido estranhos a esses
acontecimentos. Este resumo foi extraído
do processo da Administração
do Concelho de Luanda nº 293, caixa
nº 2896 que se encontra no Arquivo
Histórico Nacional. É curioso que actualmente
existe em Luanda um “Semanário
Angolense” que é impresso
numa tipografia que também tem o
nome de Mamã Tita. Contudo, o primeiro
jornal “O Angolense” foi aquele
que existiu em Lunada no final do
Sec. XIX e para além dos três já citados
no final dos anos anos sessenta existiu
em Luanda um outro jornal “O Angolense“.
Pela ordem cronológica, “O
Angolense” do final do Sec. XIX, foi o
“cabouco/sapata/fundação” da angolanidade,
o dos anos 20 o “pilar”, o
dos anos 60 a “viga” e o actual a “placa”.
Continua
Aires Menezes de Assis
Engenheiro Mecânico - Pós-Graduado

Segundo o meu pai, jornalista de
“O Angolense”, contribuiu através
dos seus editoriais para a defesa dos
mais desfavorecidos e contra as injustiças.
A sua exaltação às autoridades
pela não existência de um Liceu
em Angola, de modo a evitar-se
que os “filhos da terra” não pudessem
prosseguir os seus estudos secundários
por limitações financeiras
ou dela sair para os prosseguirem em
Portugal, contribuiu para a criação do
Liceu Salvador Correia, em 1919. Entre
os anos de 1915 e 1919, todos os
domingos escrevia uma coluna sobre
cultura angolana, que tinha bastante
aceitação por parte dos citadinos da
capital; Nos últimos anos da sua vida,
foi professor de Kimbundo, na Escola
Superior Colonial em Lisboa.
Outro dos exemplos de ”cabouqueirismo”
da Angolanidade”, são:
- A fundação da Liga Angolana, em
1913, em cuja cerimónia de inauguração
esteve presente o Alto Comissário,
Coronel Norton de Matos e cujos
membros fundadores foram:
- António de Assis Júnior – sócio nº 1
e seu primeiro presidente;
- Gervásio Ferreira Viana – (pai do advogado
Gentil Viana);
- Manuel Inácio dos Santos Torres;
- Fernando Torres Vieira Dias;
- José Cristino Pinto de Andrade –
pai, entre outros, do Dr. Mário Pinto
de Andrade, (membro do 1º Comité
Director do MPLA, fundador, em Connakry
- 1960) e do Dr. Joaquim Pinto
de Andrade, que foi presidente honorário
do MPLA;
- A fundação do clube Atlético Clube
de Luanda em 1924, como consequência
de não terem deixado negros
inscreverem-se no Clube Naval de Luanda.
Neste caso, para além de ser um
dos seus, julgo que vinte e nove ou
mais fundadores, o nome de todos
eles foi lido em Abril de 2007 quando
se inaugurou a sede do Clube Atlético
de Luanda e Saudade, António de Assis
Júnior cedeu, o R/C da casa onde
morava para Sede do Clube e uma parte
do seu terreno, nos Coqueiros, que
foi o local onde até ao início da década
de 60 do séc. XX tinham lugar as actividades
desportivas do clube ”o quintal”.
Com a sua morte em Março de
1960, venderam o terreno, e o Atlético
mudou-se para a estrada de Catete.
No lugar dos coqueiros onde se situava
a casa do meu avô e o Atlético foram
construídos em finais da década
de 60 vários prédios, um deles o prédio
Assis, que ainda lá está.
A António de Assis Júnior foi dado pela
Câmara Municipal de Luanda, em
1972, o nome de uma rua, no Bairro
de Alvalade, onde só havia nomes
de escritores, na quarta transversal à
direita de quem desce a Rua Marien
Ngouabi (ex-António Barroso), em
cuja placa, para além do nome estava
escrito “Jornalista e Escritor. Séc.
XIX E XX”, assim também como ao
meu avô materno, o médico-cirurgião
Aires de Menezes, (cujo nome também
foi dado a outra rua de Luanda,
que é uma transversal à já atrás citada
Rua Marien Ngouabi, na altura em
que Mendes de Carvalho era Comissário
Provincial de Luanda). Mário Pinto
de Andrade, no seu livro “Origens
do Nacionalismo Africano” da Dom
Quixote, denominou os dois como os
maiores vultos do Proto-Nacionalismo
Africano das colónias portuguesas.
Uma prova de que nós não nos eclipsámos
é que os descendentes desses
homens continuaram a honrar os seus
apelidos, como:
- Médico(a)s (como por exemplo
Américo de Assis Boavida, o único licenciado
que morreu em combate na
luta de libertação nacional ou Hugo
Azancot de Menezes, filho do já citado
Aires de Menezes, o primeiro das
colónias portuguesas a chegar a Connacry
em 1959 e que se responsabilizou
perante Seku Touré por todos os
outros que por aí passaram nessa altura,
tendo-os inclusivamente apoiado
financeiramente, membro do 1º
Comité Director do MPLA, fundador,
em Connakry), advogado(a)s (como
por exemplo Diógenes de Assis Boavida,
o primeiro negro licenciado em
direito em Angola), engenheiro(a)
s (como por exemplo Licínio, António
Faria de Assis, que era o Director
Técnico da CUCA do Huambo, em
1971, quando uma das suas cervejas
foi premiada com a medalha de ouro
na sua categoria num concurso internacional
na Suiça ou a sua irmã Albina),
directores de Finanças, funcionários
superiores do funcionalismo
público, professore(a)s, escritore(a)
s, artistas, enfermeiro(a)s, atletas,
músico(a)s (como por exemplo
o “Trio Musical Assis”, formado por
Guilherme, Mário Alberto, mais tarde
médico e Fernando, mais tarde economista.
Quando Armandinho, que
segundo Carlos do Carmo, o expoente
máximo da guitarra portuguesa no
fado, nos anos 40 esteve em Luanda,
Guilherme acompanhou-o à viola,
tendo sido dele, em 1948, a primeira
guitarra eléctrica em Angola. Carlos
Aniceto “Liceu” Vieira Dias, Euclides
Fontes Pereira, Carlitos Vieira Dias,
Rui Vieira Dias Mingas, Belita Palma,
Lili Tchumba, Lurdes Van-Duném,
Manuel Faria de Assis são alguns de
entre muitos outros).
Aires Menezes de Assis
Engenheiro Mecânico - Pós-Graduado
em Gestão Empresarial
Sobrados de luanda
(fim)

Nota:Sem querer polemizar, sobre algo em que estamos no essencial de acordo, cumpre-me apenas dizer a Aires Menezes de Assis, que agradeço a contribuição que deu para o tema do Ágora, pois há pormenores, ainda que individualizados, são relevantes para o assunto de que se fala.
Quero contudo salientar, que não fui eu que "falei" da família Assis, mas transcrevo de um livro sobre o Dr. Eugénio Ferreira, recentemente editado e à venda em Luanda com o subtítulo: " O cabouqueiro da angolanidade".
Cumpre-me também dizer que este trabalho é suportado documentalmente por vários trabalhos, alguns citados no texto e outros omitidos, de forma a não carregar demasiado o artigo, e para não ultrapassar os limites que os gráficos naturalmente impôem.
Posso dizer que escrever sobre este tema, surgiu-me já há algum tempo,depois de ter lido o trabalho da historiadora Maria João Martins, no nº1 da revista Camões.
Tendo em conta o que li do seu comentário, só posso ficar preocupado pela mensagem não ter chegado como desejaria, pois no essencial concordo com tudo que escreveu sobre o meu artigo, nem vendo tampouco dissonancias na abordagem ideológica comum.

Fernando Pereira 15/05/09

CARTA ABERTA A AIRES ASSIS
Fiquei bastante contente pela tua carta longa , em resposta ao artigo de Fernando Pereira sobre a questão dos terrenos de Luanda , contida no livro “ Um cabouqueiro da angolanidade “ . Entre o silêncio objectivo com mujimbos em várias áreas e a potencial discussão séria sobre o tema que essa tua carta aparenta encerrar , prefiro sempre discutir publica e acerrimamente se fôr necessário, à tradição cúmplice e indirecta e muito rodeante das pseudo- vergonhas de qualquer pessoa ou grupo se poder e se dever afirmar . A cronologia que descreves te, no geral , está correcta pois não é certamente por seres engenheiro e estares ligado às estruturas físicas que não te podem tirar o direito de teres uma opinião e veiculares o que é uma trajectória possível de 2 das principais famílias com poder económico – financeiro pre-capitalista , desde tempos anteriores ao nacionalismo que deu forma a Angola, como sabes formalmente iniciado nos anos 30 do século XX , por mais individualismos e grupismos anteriores tivessem despoletado : a família Vieira Dias – cujo mais importante actor social e económico tinha a veleidade do comboio da linha Luanda-Salazar, passar e parar na sua Fazenda no hinterland de Luanda ; e Assis - que tendo até nome de muceque em Luanda e, enquanto expoente máximo conhecido , teve António Assis Junior ,um dos homens da “ revolta de Dalatando e Lucala “ e dos “ mata –branco “ de 1917 , publicado não apenas pela União de Escritores Angolanos nos anos 80 , pela equipa liderada por José Luandino Vieira , embora já conhecido socialmente nos últimos anos da I República 1910 -1926 . Porque nada do que afirmas contraria o que é factualmente dito no livro “Cabouqueiro da Angolanidade“ e avançado por Fernando Pereira , pouco pode ser contestado sem investigação que transcenda a oralidade. No entanto , na transição violenta do tempo da honra e dos acordos verbais para as leis escritas e de mercado ,que se desencadearam em Luanda , muito fica por dizer quanto aos processos de aquisição por parte dos antigamente conhecidos por “ senhores feudais“ que tinham um relaciona mento social e político estreitíssimo com as práticas e a jurisprudência dominantes, articuladas formalmente , repito , formalmente , à existência de arimos , tra balho serviçal , tributos em género a colonos e naturais da terra com poder económico que constituíam a antiga “classe dominante “, chamada “crioula” por Mário António . O que revelas tem a ver apenas com o que são os interesses e uma certa forma de tentar refazer história , muito característica dos antigos do minadores que são ultrapassados pelo progresso tecnológico, económico e político , no caso concreto na transição de um sistema que o nacionalismo liberta dor classificou de escravocrata , depois trabalho forçado , discriminatório , etc. , e que mais não era , cientificamente , do que a transição violenta para o capitalismo , como em qualquer lado do mundo e atingindo , com maior ou menor vigor, as classes e segmentos sociais até aí dominantes e exploradores como a dos teus ascendentes . Como constatação simples ,é uma ideologia que está nos antipodas do que foram os radicais defensores de um mundo mais justo e de de fesa dos mais explorados que trabalhavam quotidianamente ao serviço dos pro prietários de arimos e terrenos, que mantinham uma articulação , muitas vezes , ao funcionalismo público ou à administração local -aspecto que ainda hoje conti nua a não ser novidade! - , até por vezes como resistência e/ou como resguardo . É uma simples forma de pensar que não tem em conta a exitência dos formalmente serviçais e que, na prática, eram tratados como escravos e como ser vidores definitivos dos seus “ donos “ , por via reinol , quase hegemonicamente até à chegada ao Poder de Paiva Couceiro e Norton de Matos . Mas principalmente, é uma forma de pensar reprodutiva de quem se (res)sente como detendo um estatuto definitivo advindo dessa classe dominante antiga , em face das restantes famílias da angolanidade – a velha estória da escola primária sobre as origens ! - fossem elas ascendentes de colonos de ladra-vaz , fossem elas ascendentes do indigenato , ou seja , das zonas desde o Cuando Cubango a Cabinda ou desde o Bié e Cazombo ao Uije . É uma forma de pensar que não tem em conta que a sua própria família assentava o poder não apenas na escravatura doméstica , como em relações de produção formalmente tributárias e, principalmente , com antecedentes directos ao tráfico escravista para as américas . Em concreto, e porque tudo isto interessa ser discutido sem azedume , mas claramente como uma constatação histórica – os bisnetos não podem ser responsáveis por aquilo que de”bom”ou de”mau”os bisavôs foram e fizeram - , vou te deixar dois exemplos , que devem ser estudados com rigor e precisão e não como um qualquer pretenciosismo ou tentativa hegemónica do conhecimento - muito menos como qualquer “desforra histórica “ à moda dos vários tipos de nacionalismo , até por que , como sabes , não sei nada de engenharia , sequer social ou política : a) há cerca de um ano atrás , um dirigente do MPLA conhecido , dizia no livro que publicou , que era um homem originário de famílias humildes . Anos antes já eu tinha descoberto o apelido dele entre os principais proprietários do hinterland de Luanda no tempo daquilo que o Nacionalismo por ele próprio defendido, classificava de tempo de escravatura. Basta ir ver os papéis,algures no mundo dos arquivos deste planeta terra , para verificares que sendo por consanguinidade , por apadrinhamento ou por imitação do nome de pessoas com força social , por várias zonas da nossa terra - e pelo mundo inteiro aconteceu o mesmo embora em doses diversas -, te vão aparecer nomes de pessoas com apelidos muito conhecidos . E que não eram propriamente mais simpáticas para com os explorados desses períodos do que esses “estranhos” que vieram de longe. E duvido que entre todas as famílias da nossa terra , originárias de naturais da terra ou de colonos , haja uma única que tenha uma trajectória perfeita , pura e harmoniosa; b) falar -te da minha bisavó ou da minha trisavó materna , seja através da versão romanceada pelo Gentil Ferreira Viana , descendente do Gervásio empregado de um Despachante da Alfândega de Luanda, de que a Avó dele e a minha Bisavó eram “ raparigas “ que foram “adquiridas” por dois amigos lá pelos anos 80 do século XIX, algures no Cazengo , seja através das certidões das igrejas , que retenho em meu poder com algum gozo , é ficares a saber indirectamente que se eu tivesse a mesma ideologia ou maneira de pensar dos nacionalismos triunfantes-e agora tardios ! - desde 1930 até aos dias de hoje, estaria agora a escrever sobre a necessidade de eu , descendente de escrava comprada , me ter de desforrar desses donos de arimos , parasitas que não tratavam das respectivas propriedades e andavam à “ boa vida“ por Luanda – lê Américo Machado , irmão de Humberto e Ilídio , sobre esse tema em “Novos Ideais se alevantam “nos anos 30 e outros . Em suma , vê se convences outros de outras famílias a contar essa estória oralizada e não te esqueças , Míudo Aires , de colocar dentro dela , os tempos em que ias , nos anos 60 , com a tua Mãe Antonieta Menezes e o teu pai , futuro professor Assis de fisico-químicas do secundário ,algures no Casal de São Brás , Amadora , Portugal (suponho) , a casa do Vaz Monteiro, quadro médio –superior da CUCA , filho do governador de São Tomé e sobrinho do governador de Benguela Lima e Lemos , morador na actual Rua Kwamme Nkrumah, 174, 1ºesquerdo , por cima da casa do Romeu e da Lurdes , para melhor teres que desadocicar a estória da relação da luta histórica entre gente de origens muitas , no seio da an golanidade em construção , entre opositores convictos e aliados submissos do Poder Imperial , a um plano ; e entre explorados e exploradores , a outro plano . Tendo a partilha como ponto de partida e como ponto de chegada , por Angola , “Estamos juntos” .
EUGÉNIO MONTEIRO FERREIRA , 01/06/09
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