9 de novembro de 2012

PI / O INTERIOR/ Guarda/ 8-11-2012






Incautamente tropecei numa estultice do tipo “Casa dos Segredos”, numa TV que foi da Igreja quando da liberalização “encavacada” da imprensa, para dar oportunidades a uma malta onde poderiam proliferar os Maxwell, Murdoch, Berlusconi, Martinhos ou o doméstico Balsemão, nos tempos idos do fascismo deputado pela UN (ou ANP) pelo distrito da Guarda.
A Igreja foi bafejada (oh, suprema admiração!) com um canal que começou a lançar a Bárbara Guimarães e outras bem-apessoadas jornalistas, com uma programação muito discreta, interessante na reposição de filmes, mas muito pouco apelativa no que às audiências diga respeito. Os administradores nomeados pelo patriarcado, na busca incessante de uns capitais que permitissem mais-valias interessantes, mesmo que colidissem com os fundamentos de comunicação da doutrina social da SMI, acabaram por vender a “estação” a uns grupos de capitais de duvidosa proveniência, que se comprometeram a levar “valores cristãos” aos cidadãos, mas de uma forma mais ousada como, aliás, se tem visto.
De um momento para o outro, a TVI, que tinha inicialmente uma cruz numa vela, passou a trepar nas audiências através de uma programação desanuviada, aberta e com uma linguagem pejada de Pis, que nada tem a ver com os 3,141592653589793238462643382795 que aprendemos numa sala em que tínhamos na parede, por cima do estrado, as fotos solenes do venerando Chefe de Estado, o santacombense Salazar, e o cruxifixo a oxidar.
Teresa Guilherme, em determinada altura, alimentou a expectativa de que podia ser um mix de Ophra e de Hermano Saraiva; escolheu francamente mal o trilho pois ligou-se ao multifacetado Goucha, que horripilantemente faz a figura ao microfone de um Nel Monteiro trajando fatos escolhidos nos fundos de alguma loja do “Exército de Salvação”.
Exageradamente amadeixada de lourice, aperdigotada na linguagem, coloca as questões a um conjunto significativo de idiotas que estão numa casa fechados, e que pontualmente exercem o direito a ter uma audiência enorme que valoriza a flatulência verbal para gáudio de uma população que cada vez mais tem que permanecer numa casa que não sabe se consegue pagar ao fim do mês.
Dessei se, ao ver assiduamente programas destes, se conseguem créditos para equivalências nas cadeiras ou promoções nalgumas carreiras, e se os galhofeiros que estão na casa podem aspirar a entrar diretamente no D. Maria e saltarem de imediato para representarem o Macbeth; Convenhamos que era uma circunstância trágica antecipada, pois é uma peça associada a grandes tragédias ao longo dos tempos. No intervalo da “Casa dos Segredos” tem o António Sala, e muita gente fica com a sensação de que ele é o Paul Krugman, tal a forma expedita como historia as crises económicas e como as resolve num ápice, tal Conde de Aguilar da prestidigitação moderna. Depois dele, um produto para a micose das unhas, que resolve o seu problema com um frasco, mas se ligar de imediato dão-lhe dois, sem conseguirem explicar para que se querem os dois milagrosos frascos, produtos das unhas micose adas do Brasil.
Tenho estado aqui a falar da Teresa Guilherme para evitar falar da novela que foi deitar abaixo um quiosque atamancado numa das rotundas de maior movimento na Guarda, a que chamavam a tasca da Ti Jaquina, senhora que nunca conheci, nem tampouco consegui perceber o que estava ali a fazer aquilo, quando as regras para se abrir o que quer que seja são cada vez mais apertadas, exigentes e desconexas nalguns casos, há vários anos. Em determinada altura fiquei com a convicção de que andava por ali mão do IGESPAR, tantas foram as hesitações para que um pardieiro fosse demolido.
Pelo tempo que demora certas implosões na nossa cidade capital de distrito, fico com a sensação de que o futuro nunca deixa de ser um passado permanente no quotidiano de cada um. Paira sempre alguma coisa de escatológico quando se ousa mudar o que quer que seja por aqui.
Fernando Pereira
2/11/2012

Intervenção alusiva à homenagem a Agostinho Neto em Coimbra 7/11/2011





Minhas senhoras e meus senhores.

Há algumas décadas que não entrava neste edifício onde estudei pelo que é gratificante estar aqui num momento destes, nesta homenagem singela a António Agostinho Neto nas comemorações do seu nascimento em Kaxicane há noventa anos e simultaneamente na comemoração do 37º aniversário da independência de Angola.
Com tantos oradores e com tanto que haveria para dizer o melhor que poderemos fazer para não aborrecer as pessoas aqui presentes é apelar à nossa parca capacidade de síntese.
Porque a minha intervenção é sobre o papel que as Republicas dos “1000-y-onários” e o “Quimbo dos Sobas” tiveram na mobilização dos estudantes angolanos e de outras ex-colónias portuguesas sedeados em Coimbra, na luta contra o colonialismo e no engajamento na luta de libertação nos territórios africanos, obriga-me a contar duas histórias passadas de um tempo em que somos cada vez menos as testemunhas.
Quando eclodiu o 25 de Abril de 1974 começou um movimento de ocupação das estruturas físicas onde estavam instaladas organizações do regime salazarista. Os estudantes das colónias, com alguns angolanos que por cá estavam a trabalhar e aqui recordo os médicos Manecas Balonas e Fernando Martinho, e o advogado Manuel Rui Monteiro, resolveram ocupar na Rua Guerra Junqueiro um andar onde estava instalado o CEU (Centro de Estudos Ultramarinos), o responsável era o mediático José Adelino Maltês, logo transformando na Casa dos Estudantes das Colónias.
Não vou perder muito tempo a falar sobre esses tempos, as múltiplas atividades que se desenvolveram, as discussões que se multiplicaram, mas evocar uma situação marcante para nós estudantes angolanos em Coimbra, e que teve a ver com a presença do Luandino Vieira e do saudoso N’Dunduma (Costa Andrade), primeiros a visitarem-nos entusiasmando-nos para o princípio de uma luta que seria longa e difícil como se previa. Eram os nossos escritores de referência principalmente o Luandino, um preso com muitos anos de Tarrafal e o orgulho partilhado de ter ganho o prémio que o regime não queria que se atribuísse. Foi uma agradável tarde de Junho desse 1974 não esquecido em que ouvimos gente nossa. É bom estar aqui de novo consigo hoje, trinta e oito anos depois pelas mesmas boas razões.
José Alberto Teixeira é um antigo estudante de direito de Coimbra, capitão da seleção de Angola de voleibol, jurista e administrador de uma importante empresa agroalimentar angolana, bom amigo e cúmplice de muitas lutas. Certa vez, estávamos a recordar umas gentes de Coimbra e fomos vendo umas fotos desses anos que partilhámos por cá. A determinada altura começámos a ver as fotos do cerco que se fez à sede da PIDE-DGS, na Antero Quental, um pouco acima da “República do Quimbo dos Sobas”, e numa dessas fotos reparo que estou num telhado num edifício contíguo sentado com o José Luis Carrilho, que entretanto regressa a Moçambique onde durante anos foi Procurador-Geral da Republica e com Guilherme Pousser da Costa, ex-primeiro ministro de S. Tomé e Príncipe. Não estávamos a cercar nada, estávamos a assistir ao estertor do regime. Serve apenas esta história para ilustrar a grande cumplicidade que havia entre as poucas dezenas de estudantes das colonias em Coimbra.
As nossas cumplicidades estendiam-se às farras, aos jogos de futebol, às discussões políticas à surdina, aos piqueniques e aos passeios pelos arredores, porque o dinheiro era pouco mas partilhado.
O nacionalismo angolano passou por aqui, é o que se oferece dizer e desde o dealbar do seculo XX com Alfredo Troni, ilustre poeta e advogado de causas em Luanda, o famoso Dr. Videira causídico e maçom dos anos 30 e 40 a Eugénio Ferreira, ex-director da revista Coimbrã do neo-realismo “A Vértice”, advogado, Presidente da Sociedade Cultural de Angola e Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, até ao surgimento do Tribunal Supremo em 1991 , cabouqueiro da angolanidade a partir dos anos 40 foram marcos importantes de gente que apoiou sempre a causa independentista.
Com a instalação em Coimbra da Casa de Estudantes do Império, inicialmente numa casa no Penedo da Saudade, inaugurada por Marcelo Caetano então ministro das colónias e fundador da CEI, começa a surgir um movimento aglutinador de ideias em torno de uma independência começando a ultrapassar-se o atávico e vago conceito da “autodeterminação progressiva” onde cabiam as propostas colonialistas de Norton de Matos, as rebuscadas de Armindo Monteiro e as tardiamente colocadas em prática por Adriano Moreira.
Agostinho Neto vem para Coimbra já com ideias bem claras, até porque era mais velho que a maioria dos que o acompanhavam e politicamente com outra tarimba.
Vem do Liceu Salvador Correia, hoje o encerrado Mutu-Ya-Kevela, com o Antero de Abreu, jurista, Procurador-Geral da República nos anos que se seguiram à independência, os irmãos Guerra Marques, o médico Eduardo dos Santos, jogador de futebol da Académica, Diógenes Boavida de direito, João Videira e João Vieira Lopes de medicina, foram outros que vieram do Salvador Correia. Do Sul de Angola, do Liceu Diogo Cão, que absorvia as gentes do Huambo, Benguela, Lobito e Namibe vieram Lúcio Lara, Emílio Quental, Carlos Mac-Mahon Vitória Pereira, Freitas de Oliveira (mais tarde delegado da FNLA no Huambo), a poetisa Alda Lara e outros que me deslembro.
A CEI, para além das atividades desportivas e culturais, foi um local onde começaram a fervilhar as ideias que eram ecos de Frantz Fanon, Césaire, Senghor, Kenhyata, Nkrumah e outros que partilhavam os ideais de libertação das colónias. No âmbito cultural, Agostinho Neto funda com Lúcio Lara e o moçambicano Orlando Albuquerque, médico que casa entretanto com Alda Lara, a revista “Momento” órgão da filial da CEI em Coimbra. No âmbito desportivo a CEI constitui uma equipa de futebol e de hóquei em patins, que disputa o nacional e onde pontificam os lobitangas irmãos Couceiro (Amandio, Júlio e Carlos).
Agostinho Neto vive uma parte da sua vida académica em Coimbra desde o fim dos anos 40, transferindo-se na primeira metade dos anos 50 para Lisboa onde entra na direção da CEI, complementando as tarefas que fazia em Coimbra. Nessa altura a delegação da CEI em Coimbra encerra.
Alguns dos que andaram por Coimbra nesses tempos participaram em atividades culturais na Academia como foi o caso de Lúcio Lara e Carlos Alberto Mac Mahon Vitória Pereira que integraram no Orfeão Académico de Coimbra. BAVIL, nome de guerra de João Vieira Lopes, recentemente falecido, fez parte dos órgãos sociais da DG da AAC numa lista com Salgado Zenha. França Ndalu, Daniel Chipenda, José Araújo (Ben Barek), Avidago e o moçambicano José Julio jogavam futebol na AAC e em 1962 saem clandestinamente de Portugal para apoiar a luta armada. Nessa fuga saíram também dois irmãos Bernardino (o Zé e o David) e o Liahuca que saiu com a mulher, todos do Huambo.
No fim da década de 50 começam a afluir a Coimbra muitos angolanos, Já que as companhias onde os pais trabalhavam davam bolsas para a continuação dos estudos superiores em Portugal.
Um grupo de estudantes provenientes de várias colónias decidem constituir a primeira república, os 1000-Y-Onários que acaba no fim da década de sessenta. No núcleo inicial entra Norberto Canha a quem se junta o moçambicano António Cardoso, os angolanos Fausto Martins da Costa e “Manecas” Balonas, todos médicos. Mais tarde junta-se o António José Miranda, o M’beto Traça e o Carlos Pestana (Katiana), que acompanharam a célebre fuga dos 100 em 1962, para se juntarem à luta armada, e hoje generais nas FAAs. Na casa ainda permaneceu Rui Clington, Orlando Ferreira Rodrigues, insigne professor da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Foram repúblicos nos 1000 os angolanos Filipe Amado, Piricas, Arnaldo Pereira (José dos Calos) o moçambicano Óscar Monteiro, ministro da informação no governo de Samora Machel e os santomenses Celestino Costa e Carlos Graça, que chegaram a 1ºs ministros em S. Tomé e Príncipe. Alguns cabo-verdianos foram os que fecharam a casa, na Antero Quental do outro lado da rua do Quimbo dos Sobas.
O “Quimbo dos Sobas” resultou da necessidade dos alunos angolanos possuírem uma casa sua já que os 1000-Y-Onários não tinham lugar para os que vinham. Inicialmente instalaram-se na Nicolau Chanterene, num andar que se denominava “Solar do Quimbo dos Sobas”. Em 1963/64 um grupo onde estava o médico Fernando Martinho, do Lubango e os homens do Huambo, Manuel Rui Monteiro e Segadães Tavares alugam uma casa ao Dr. Dantas, ao tempo proprietário da Clinica de Montes Claros para instalarem a entretanto aceite pelo Conselho de Republicas, a “Republica do Quimbo dos Sobas”. No Antero Quental, hoje praticamente em ruinas, o estado do edifício é para todos uma enorme amargura. “O Quimbo dos Sobas” tem muito a ver com os caboucos do nascimento do País, mais que não fosse porque Manuel Rui Monteiro, seu fundador, é o autor da letra do hino de Angola. Os hoje generais Joaquim Rangel, Roberto Leal Monteiro (Ngongo), João Saraiva de Carvalho (Tetembwa) e o assassinado a 27 de Maio de 1977 Comandante Eurico Gonçalves são alguns dos homens do “Quimbo” que saíram de Coimbra para se juntar à luta armada nas fileiras do MPLA. A PIDE era visita constante e Garcia Neto, outra vitima dos fraccionistas em 27 de Maio de 1977 e o falecido Fernando Sabrosa, médico, foram presos em 20/2/1970, o que motivou uma onda de solidariedade em toda a academia coimbrã para a sua rápida libertação. Por aqui ainda que por pouco tempo passou Gilberto Teixeira da Silva, o comandante Gika, morto em combate na 1º guerra de libertação do País, o jurista Aníbal Espírito Santo, um homem da Catumbela e Néne Pizarro, que conseguiu fugir um dia antes da PIDE fazer mais uma visita de “cortesia” ao Quimbo. António Trabulo do Lubango e alguns da prole, Fonseca Santos do Huambo e Benguela também estiveram na casa, aproveitando esta ocasião para fazer uma homenagem tardia ao Henrique José Fonseca Santos (Quicas), morto pela Unita em Fevereiro de 1979 no Longonjo. Jaka Jamba também passou pelo Quimbo e saiu para se juntar à UNITA. Rui Cruz, Aníbal João de Melo, Eloy Malaquias, Jaime Madaleno da Costa Carneiro, Hernani Santana, o malogrado Noélio da Conceição e outros reuniam regularmente nesta casa que durante muitos anos foi só um dos embriões do que viria a ser “República Popular de Angola” em Coimbra, mesmo com a vigilância atenta da PIDE a pouco mais de cem metros, na mesma rua. Não foram habitantes do Quimbo, mas eram habituais nas suas festas, e muitos “patos” proporcionaram a gente da casa, o Carlos Correia (Bóris) do Chinguar e o viola baixo dos Álamos, o Luis Filipe Colaço, que gravaram com José Afonso dois discos emblemáticos, “Cantigas do Maio” e o “Traz outro amigo Também”. Na gravação deste trabalho, Phil Colaço aproveita para sair para um exílio para o reencontro em 11 de Novembro de 1975.
Em Janeiro de 1975 Agostinho Neto reúne todos os angolanos residentes em Coimbra numa exígua sala do Hotel Oslo e incentiva-nos a lutarmos de todas as formas possíveis contra as ameaças que se preparavam para obstar à independência do País. Foi uma assembleia muito participada e discutida e Neto com serenidade ia refreando a nossa impetuosidade dos “verdes anos”. Não esqueci nunca mais esse momento, em tempos que eram bem difíceis.
É interessante fazer notar que o “centenário” do “Quimbo”, que mais não é que a festa anual de convívio entre novos e antigos repúblicos, se realiza desde sempre no dia 4 de Fevereiro, uma homenagem ao início da luta armada em Angola, outra iniciativa que muito aborrecia a PIDE.
O “Quimbo” está hoje em ruinas, mas antes de acabar só quero informar que há um grupo de antigos repúblicos que está a fazer um livro com a história completa da república e a participação dos seus elementos na história recente dos dois Países.
Há um pedido que aqui fica, por razões apenas de natureza funcional: Que as placas que por lá se encontram sejam entregues ao museu académico para preservar a memória de uma casa que Angola fez por merecer.
Obrigado por me terem aturado este momento que desejei mais curto.
Fernando Pereira
4/11/2012

TEMPO PRESENTE/ ÁGORA/ NOVO JORNAL nº 251/ LUANDA 9-11-2012



«As pessoas não vendem a terra onde vivem» - frase Sioux
Conta uma velha anedota que o reitor de uma universidade americana, de visita a Inglaterra, via com sorriso superior e condescendente as instalações de uma famosa universidade britânica: na América tudo era maior, tudo era melhor, o equipamento superior; só uma coisa invejava, e essa coisa era a maravilhosa e impecável frescura dos relvados que se estendiam entre os edifícios vetustos da universidade. Como obtinham os ingleses relva tão magnífica? Nos Estados Unidos não se conseguia coisa que se comparasse. Qual era o segredo?
O reitor britânico que acompanhava na sua visita o ilustre colega yankee, até aí visivelmente agastado, não pôde esconder um sorriso de malícia e esclareceu com falsa candura: “O segredo? Muito simples. Basta regar e cortar a relva, voltar a regar e a cortar periodicamente; ao fim de trezentos anos fica assim…”
Gosto desta anedota: não é aquilo a que costuma chamar-se cultura qualquer coisa como o relvado britânico? Apenas a persistência do esforço, a rega e a poda regulares, a continuidade do empreendimento, a paciência e a perseverança do exercício, alcançam, no âmbito do saber e da criação, produzir esses frutos de polpa rica, densa, nutritiva, saborosa que são o tesouro das nações. E não basta que uns quantos se apliquem à tarefa por desfastio; é preciso que as gerações se sucedam, acumulando a experiência, suscitando a tradição do trabalho bem feito, renovando o viço.
"O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos falta as qualidades.". Esta frase de Almada Negreiros, um poeta português do grupo Orpheu, cúmplice e contemporâneo de Pessoa, nascido em S. Tomé e Príncipe no fim do século XIX, também se adequa a nós angolanos, que nunca temos tempo para nada, fazemos tudo a correr, e enleamo-nos em projetos múltiplos para no fim nos habituarmos a atamancar qualquer coisa, preocupando-nos mais com os “exteriores” do que propriamente com a solidez e eficácia dos “interiores”.
Não acho mal, a priori, que se rasguem novas avenidas; aceito que se sacrifiquem certas áreas verdes para fins necessários, em obediência a um plano de urbanismo bem estudado; compreendo, igualmente, que errare hunanum est e que não há planos perfeitos; mas que haja um plano! Quando os espaços escasseiam, e é o nosso caso, pobres de nós! Parece-me estultice destruir o pouco que há em nome de um futuro duvidoso, provavelmente nulo. Os trezentos anos da anedota serão por certo excessivos, mas quantos serão precisos para que a relva volte a crescer?
Há trinta e sete anos todos nós queríamos fazer rápido sem pensar que poderíamos fazer mal, porque nos sobrava em voluntarismo o que nos faltava em talento. Nesses tempos, olhávamos à volta e pensávamos que, com a nossa perseverança no trabalho criador, conseguíamos que o “slogan” abundantemente repetido de “Ao inimigo nem um palmo da nossa terra” era o suficiente para sentirmos que este País era rico demais para nos preocuparmos. Pepetela, numa resposta a um jornalista sobre o facto de Angola ser um País rico, metaforizou essa riqueza de uma forma que permanece com singular atualidade nos dias de hoje: “ Angola um país potencialmente rico, é mais ou menos a imagem de um cão esfomeado, preso, com um prato cheio de suculenta carne à sua frente, com o cheiro do pitéu a entrar pelas narinas, mas que tem uma corrente demasiado curta que o impede de lá chegar e comer!”.
Porque estamos a comemorar o aniversário do 11 de Novembro de 1975, e apesar de muito se ter resolvido, muito se ter feito, algo se ter conquistado, parece-me que ainda não estamos em condições de fazer desfiles de jaguares para dignificar um órgão de um País, em que o presidente Agostinho Neto chegou há trinta e sete anos, para ler a declaração de independência num “estafado” Citroen boca de sapo, com uma das portas visivelmente amolgadas.
Fernando Pereira
5/11/2012
Related Posts with Thumbnails