18 de maio de 2012







Fernando Tavares Pimenta é doutorado em História e Civilização pelo Instituto Universitário Europeu de Florença e investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidade de Coimbra, onde frequenta uma bolsa de pós-doutoramento financiada pela FCT. È simultaneamente colaborador do Instituto de História Contemporânea de Ferrara e da Universidade de Bolonha.
Acedeu a ser entrevistado pelo Novo Jornal, na qualidade de investigador da história de Angola no século XX.
NJ- Nascido depois do 25 de Abril de 1974 (1980), em Soure, num concelho rural do distrito de Coimbra, com nenhumas afinidades familiares a Angola, o que o levou há já uns anos a interessar-se por um tema que aparentemente tem muitas “estórias” mas pouca história?

FP – O meu interesse por Angola foi sempre de carácter historiográfico, nomeadamente pelas suas estreitas ligações a Portugal. Interessei-me pela história dos brancos angolanos, em especial pela identidades e comportamentos políticos dessa minoria, por ser um assunto que considero fulcral para um correcto entendimento da historia quer do colonialismo português, quer do nacionalismo angolano. Contudo, antes da publicação dos meus estudos, essa temática era praticamente ignorada pela historiografia. Havia uma lacuna de conhecimento, que contrastava com a relativa abundância de estudos para outros países africanos, por exemplo a África do Sul, o Quénia ou o Zimbabwe. No fundo, foi isso o que levou a interessar-me pelo tema.
NJ- Surpreende-me, e admito com satisfação, ver um tão grande número de jovens investigadores portugueses, com nenhuma ligação familiar, económica ou afectiva a Angola, desenvolver trabalhos que dão hoje contributos indispensáveis a uma História de Angola que se pretende despartidarizada e despida de preconceitos. Provavelmente admite que já começa a ser citado com alguma insistência por angolanos em trabalhos científicos, artigos de opinião ou tertúlias em Angola? Isso deixa-o confortado?
FP – Fico satisfeito pelo meu trabalho servir para uma clarificação da Historia de Angola. Mas o mais importante é ter a consciencia de ter realizado um trabalho sério e rigoroso e que contribui de algum modo para a construçao de um conhecimento mais estruturado do passado angolano.
NJ- Fernando Tavares Pimenta, Claudia Castelo, Nuno Moreira de Sá, Margarida Calafate Ribeiro e alguns outros investigadores tem acabado por trazer para a história recente de Angola contribuições que, quer se queira ou não, acabam por fazer cair alguns dogmas, que se transformaram em quase palavras de ordem para a independência e vida colectiva de Angola enquanto País independente. Naturalmente que gostava de ter a sua opinião de investigador de uma ciência com método e objectivo próprio sobre isto.
FP – A historiografia é uma ciencia social com métodos especificos e que se fundamenta na leitura de fontes documentais. Por isso, a historiografia nao pode ser conivente com a existencia de dogmas – muito menos de dogmas do foro politico. Dogmas e mitos nao podem – ou pelo menos nao devem – interferir na pesquisa historica, que deve ser efectuada com isenção e rigor científico. Isto aplica-se à história de Angola e de todos os paises. Na minha investigaçao procuro sempre manter essa isenção – é essa a minha formação, e julgo que muitos outros historiadores se pautam pelo rigor nas suas pesquisas.
NJ – Há relativamente pouco tempo, em conversa com o nosso comum amigo, Fernando Catroga, insigne catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, homem de grandes cumplicidades políticas e ideológicas com muito angolano, estudantes em Coimbra nos anos 60, e que depois abraçaram a causa independentista, dizia-me algo consternado, que não havia mais jovens historiadores angolanos a trabalhar em áreas que ainda hoje permanecem “nebulosas” na história de Angola. Tem sido procurado por colegas seus de Angola para alguma partilha de conhecimentos?
FP – Tenho poucas relaçoes com a historiografia angolana. Alias, nunca fui “procurado” – em termos cientificos – por nenhuma instituiçao angolana. Contudo, mantenho alguns contactos informais com alguns historiadores angolanos, nomeadamente com Maria da Conceiçao Neto, cujo trabalho aprecio. Certamente, seria positivo haver maiores contactos entre as historiografias portuguesa e angolana.
NJ- Citando Catroga:” Historia e memórias partilham uma mesma feição de ser: são ambas narrativas, formas de dizer o mundo, de olhar o real. São discursos, pois. Falas que discorrem, descrevem, explicam, interpretam, atribuem significados à realidade.”, e lembrando que tem morrido recentemente angolanos protagonistas de lutas de libertação e cabouqueiros de Angola enquanto País, o mais recente Paulo Jorge, não acha que se devia apelar à memória dos que ainda são vivos para legar vivencias para memória futura?
FP – Os testemunhos e os depoimentos dos agentes historicos sao sempre importantes para a conservaçao da memoria e para a investigaçao historica, na medida em que sao fontes que os historiadores nao devem ignorar no seu trabalho de pesquisa. Em termos historiograficos, cada testemunho é uma fonte, cuja valencia cientifica deve ser apurada através de uma analise criteriosa e critica. Neste sentido, seria salutar que esses agentes historicos escrevessem as suas memorias ou transmitissem doutra forma os respectivos testemunhos para que nao se perca uma parte significativa da memoria do passado.
NJ- Tem acompanhado o trabalho de alguns centros de investigação e documentação em Angola, a título de exemplo a Associação Tchiweka?
FP – Acompanho os progressos da historiografia angolana, que julgo serem significativos, bem como os esforços desenvolvidos por algumas instituiçoes e pessoas no sentido da preservaçao da memoria historica. Mas, tal como jà referi, nao tenho qualquer ligaçao a nenhuma instituiçao angolana.
NJ- O seu livro, editado pela Minerva de Coimbra “Brancos de Angola – Autonomismo e Nacionalismo”, acabou por motivá-lo para um trabalho mais detalhado na obra editada pela Afrontamento (2008), os “Brancos e a Independência”. Há na esteira destes dois trabalhos mais alguma obra em preparação sobre o tema?
FP – Continuo a trabalhar sobre a realidade colonial angolana em termos de artigos, capitulos de livros, conferencias ou mesmo aulas, mas para jà nao tenho nenhum outro livro em preparaçao sobre Angola. Neste momento estou mais interessado em Moçambique, cuja realidade colonial tenho estudado nos ultimos tempos. Embora diferente da angolana, a historia moçambicana também é muito interessante.
NJ- Sei que um académico não gosta de se ver envolvido em questões de vulgar discussão política, mas tem que admitir que a sua obra “Angola no percurso de um nacionalista. Conversas com Adolfo Maria” terá sido a sua obra mais lida, comentada e controvertida no seio da sociedade política angolana! Só procurou história nessa entusiasmante conversa?
FP – O meu interesse por Angola é puramente cientifico. Esse livro tem um intuito historiografico e de conservaçao da memoria de um agente da historia angolana, neste caso o senhor Adolfo Maria. Nao tenho interesse na discussao politica angolana. É algo que nao me diz respeito. Julgo, porém, que esse livro deu um contributo importante para uma clarificaçao da historia recente de Angola, sobretudo para o periodo da guerra de independencia.
NJ- A título de informação tenho que lhe dizer que é uma obra muito procurada, e a realidade é que a paupérrima distribuição faz com que não se encontre esse livro no circuito convencional em Portugal ou Angola. Não está a pensar reeditar o livro, com novas conversas com Adolfo Maria, que talvez por causa dessa obra começou a ser olhado duma forma mais respeitada num País que muitas vezes convive mal com a sua própria memória?
FP – Esse livro é fruto de um trabalho concluido em 2006. Nao faz parte da minha agenda efectuar “novas conversas” ou entrevistas com o senhor Adolfo Maria. Contudo, o livro acaba de ser reeditado – no formato original – pela Afrontamento. Espero que seja feita uma boa distribuiçao da obra.
NJ- No fim desta nossa pequena entrevista posso perguntar-lhe com que olhos vêem uma Angola que apenas conhece no mapa, pois não teve a dolorosa experiencia de seus pais de terem que saber que a serra maior de Angola era Tala Mungongo, que o caminho de ferro de Luanda tinha o ramal do Dondo e que o rio Cunene limitava Angola no sul, entre outras aparentes estultices. Os angolanos eram obrigados a estudar o goiveiro em ciências naturais, a linha do Douro, estações e apeadeiros, o monte Ramelau em Timor e outras bizarrices do tipo, que faziam de Portugal uma imitação serôdia da Inglaterra, num conceito de uma “Nação onde o sol nunca se punha”.
FP – Angola é um grande pais, com muito potencial humano, para além de economico. A sua historia ainda està em larga medida por investigar, mas a historiografia està a fazer passos importantes no sentido de produzir um conhecimento mais aprofundado sobre o passado angolano. O futuro depende sobretudo do trabalho dos proprios angolanos, que tem a oportunidade de construir um pais melhor para si e para os seus filhos e netos. Embora nao tenha ligaçoes pessoais a Angola, desejo paz e prosperidade a todo o Povo Angolano.
NJ- Muito obrigado por esta entrevista e a convicção que Angola vai aproveitar o seu contributo quando se fizer a “história de Angola”.

Fernando Pereira
20/11/2011

Quem muito viu! / Ágora/ Novo Jornal 226/Luanda 18-5-2012





Benguela comemorou a 17 de Maio de 2012 os seus trezentos e noventa e cinco anos de “idade”, fundada que foi pelo Cerveira Pereira, um pouco maltratado pelo Pepetela, no seu o “a Sul, o Sombreiro”, o seu mais recente romance.
A incontornável macrocefalia de Luanda acaba por não dar o devido relevo ao desenvolvimento que se vai assistindo um pouco por todo o País e ignora-se como Benguela se tem afirmado num polo de desenvolvimento económico e cultural do centro sul de Angola, conseguindo recuperar alguma da auréola que o Lobito foi usurpando na fase final da ocupação colonial, mercê da posição privilegiada do seu porto e do terminal do CFB.
As gentes de Benguela foram sempre muito ciosas na defesa da sua cidade, e veja-se a luta que travaram quando o Caminho de Ferro de Benguela, a então majestática empresa inglesa se preparava para atravessar a cidade, como fez no Lobito, Huambo e outras vilas no seu percurso até ao Luau. A população não deixou, e nem as promessas da administração do CFB, acolitados pela indiferença cumplice das autoridades, conseguiram demover a população para que a cidade fosse dividida. Este é apenas um dos múltiplos exemplos da tenacidade das gentes da cidade, a segunda fundada pelos portugueses na costa do que veio mais tarde a ser a colónia de Angola.
Outra vetusta povoação de Angola, outrora um grande porto de exportação de café tem o seu rico património a degradar-se sem que se veja uma atitude coerente e incisiva por parte das autoridades para manter de pé uma vila que durante muitos anos foi marco importante no tecido económico do território. O Ambriz, situada na foz do Loge vê os seus edifícios a degradarem-se, nomeadamente a torre sineira da Camara Municipal, que era só um dos edifícios do início do século XX, orgulho das suas gentes e de características únicas no País.
Lembro-me, ainda que vagamente, da horrível estrada que ligava Luanda ao Uige, num total de 386km, no meio de lamaçais que passava no Cacuako, Kifangondo, Libongo, Capulo, Ambriz, Toto, Bembe, Lukunga, Songo e finalmente Uíge. O stress da viagem para além da necessidade de enfrentar lodaçais onde chegavam a estar atolados centenas de viaturas dias a fio, aumentava quando havia necessidade de se chegar a tempo das jangadas que placidamente cruzavam os rios Loge e Dande (Dange, na provincia do Uíge). Se perdesse a jangada Luanda ficava para o dia seguinte e lá tinham as pessoas que se arrumar numa sórdida pensão, que era a única solução para mitigar o desespero dos viajantes.
Há ainda que em mau estado um conjunto harmonioso de vivendas e lojas que atestam a vitalidade dos tempos áureos do café principalmente nos anos 50 com o boom do preço do “ouro negro” de então. Luanda e Lisboa crescem com prédios, bairros e avenidas novas, a construção civil dispara e nessas cidades surgem novas centralidades e um novo ordenamento do perímetro urbano.
Este alerta para a recuperação da vila do Ambriz é extensível ao património arquitetónico e cultural do País alertando que na antiga fazenda Tentativa, paredes meias com o Caxito, ainda era possível juntar algum material para perpetuar o duro trabalho da cana e a sua transformação em açúcar e álcool, criando-se um núcleo de arqueologia industrial que se revelaria útil para memória futura dos cidadãos.
O Ambriz perde toda a sua importância como porto de exportação, quando Luanda passa a ser o destino final da chamada “Estrada do Café”, que sai do Caxito, Sassa, Ucua, Puri, Quibaxe, Aldeia Viçosa, Vista Alegre, Quitexe e Uige. Esta estrada esteve sempre fechada ao tráfego normal no tempo colonial, recorrendo-se às colunas militares. A insofismável verdade que mesmo com a 1ª região político-militar do MPLA debilitada por razões sobejamente conhecidas, as tropas coloniais nunca conseguiram pacificar-se em relação à realidade quotidiana da guerra colonial nesta região dos Dembos, naquela que é das estradas mais bonitas do País, com o verde extasiante da sua paisagem ao logo dos 340km que ligam Luanda à capital da província.
Já que se falou no rio Dange não gostava de deixar de referenciar uma obra de grande probidade intelectual de um antigo habitante do Quitexe já falecido, João Nogueira Garcia, que ao longo de um livro pouco mais de cem páginas conta detalhadamente, com recurso a fotos e a documentos, o que foi o 15 de Março de 1961. João Garcia viveu esses dias e faz uma análise muito cuidada dos antecedentes e revela as vicissitudes desses dias que marcaram o futuro da guerra colonial e determinaram o princípio do fim da presença portuguesa em Angola enquanto colónia.
Um livro que merece uma leitura, sendo que talvez o mais difícil será mesmo encontrar. Sugiro que procurem um blog interessante sobre o Quitexe onde o filho, Engº João Garcia tem estado a postar partes do livro e outras histórias que não foram ainda publicadas em livro.

Fernando Pereira
16/5/2012
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