30 de julho de 2010

Portanto /Opinião / Novo Jornal/ Luanda/ 31-7-2010




Portanto, estou agradavelmente surpreendido, pela homenagem que o Pepetela e o Ruy Mingas vão ser justamente homenageados na Chá de Caxinde.
Como começo a ser um articulista com alguns leitores, acho que como o Pepetela, tenho o pleno direito de começar um artigo com o “Portanto”, mesmo que isso não esteja contemplado nas regras gramaticais do português escorreito.
Homenagear dois cidadãos impolutos, intelectuais eméritos, antigos dignitários do estado Angolano, combatentes pela liberdade, e embaixadores mores da cultura angolana, é só um acto de justiça tardia.
Homens da “geração da utopia”, ajudaram a trilhar o dealbar de uma Republica Popular de Angola, que foi o princípio do fim de uma nova luta, protagonistas de uma expressão colectiva, construída a golpes de vontade.
Pepetela com a verve, Ruy Mingas com a música e a voz, foram em todos os momentos, bons e maus, a expressão do que pensava e sentia a gente certa.
Pepetela é hoje o mais renomado escritor angolano no contexto da contemporaneidade internacional, e um dos mais prodigiosos da escrita de língua portuguesa. O seu percurso prima pela descrição, quase a pedir desculpa por ter publicado um livro, o que vai de encontro à sua personalidade de assumida simplicidade, que o acompanha desde a sua meninice na Benguela onde nasceu há quase setenta anos, segundo relatos de companheiros ao longo de um rico trajecto de vida na busca e defesa da liberdade para o seu País. Ao invés de outros, que tudo fazem para serem conhecidos, e daí que talvez leiam os seus livros, com Pepetela acontece exactamente o contrário, algo como, leiam os meus livros e deixem-me no meu canto.
Tenho mais dificuldade em falar do Ruy Mingas, porque sou suspeito, já que sou seu amigo, e sei que é uma amizade recíproca.
Lembro-me de ter estudado em Lisboa no fim dos anos 60, e nas disputas entre mim, um dos raros angolanos no vetusto Liceu Camões, e os portugueses, nas provas de atletismo, assumíamos o que hoje se chama de “nick name”, e o meu era invariavelmente o de Rui Mingas, quer fosse nos 100m, no dardo, nos 1500m, ou no salto em altura; Só mais tarde soube que tinha sido recordista do salto em altura.
Foi com enorme emoção que o vi cantar no Zip Zip, com uma camisola de lã clara, e na altura comprei um single, que nas voltas da vida me desapareceu, que tinha a magnífica interpretação da Cantiga para Luciana, naquela voz timbrada que me habituei a ouvir de forma agradada.
Se maior contribuição não houvesse do Ruy Mingas, o hino de Angola perpetuá-lo-ia como uma figura presente na história do País, mas a sua contribuição para a edificação de uma educação física e desportos com estruturas sólidas e resultados com enorme visibilidade, dão-lhe um lugar de grande reconhecimento, pelo que tarda a justa homenagem ao grande cabouqueiro de muitas modalidades que Angola é líder africana e respeitada nos areópagos internacionais.
O seu trabalho como embaixador de Angola em Portugal, em momentos particularmente difíceis, vilipendiado até por próximos, terá que ser avaliado no futuro, de forma a aquilatar quais os obscuros desígnios, que alguns dos seus detractores usaram, de forma a armadilhar o seu trabalho, sério e coerente com os valores que o Ruy Mingas se habituou a defender, desde os tempos do anonimato.
A sua passagem pelo ministério da cultura, foi o canto do cisne da sua longa carreira no topo da administração central do Estado Angolano, e aí talvez tenha percebido, que era chegado o momento de outras realizações.
Ruy Mingas, com o meu compadre e amigo Paulo Murias, edificaram a Universidade Lusíada de Angola, projecto de suprema relevância na formação de quadros dos novos tempos de Angola.
Aos setenta anos, o Ruy Mingas tem razões de sobra para estar em paz consigo, já que nunca se violentou, nem tampouco procurou fazer mal a quem que fosse.
A homenagem que fazem a estes dois vultos da cultura angolana, tem uma enorme expressão, apesar da singeleza da realização. Talvez mesmo ambos assim o desejem, e mesmo a maior parte dos amigos prefere que assim seja!
Portanto…
Fernando Pereira
26/07/2010

Generais Cerveja/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 31-7-2010



Casualmente tropecei, é o termo mais adequado, no meio de um conjunto de revistas e jornais do fim dos anos cinquenta ao dealbar dos anos sessenta.
Disponho-me a gastar horas, a folhear uma panóplia de títulos ilustrativos, como se via o mundo há cinquenta anos.
Entre algumas revistas, demorei-me a ler a descrição de Raymond Cartier (nada tem a ver com perfumes, jóias e outro pechisbequismo da moda) no Paris-Match de 23 de Julho de 1960, sobre a independência do Congo, com um título adequado à linha editorial chauvinista desta revista: “Au Congo la chasse aux blancs”. Ilustrado com dois militares congoleses armados a perseguir um talvez colono belga.
Há mais intervenções dos correspondentes do Paris-Match nesses meses do antes e após o 30 de Junho de 1960, independência da Republica do Congo, num contexto onde avultou a frase mais marcante da história africana das independências:“Nous ne sommes plus vos singes” (“Nós não somos mais vossos macacos”), disse o primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba, ao rei Baudoin, da Bélgica, no dia da independência do país, 30 de junho de 1960.
Baudoin, nesse dia, proferira um dos mais arrogantes discursos já ouvidos de um colonizador. Na então Leopoldville (hoje, Kinshasa), o rei belga fizera uma elegia à “genialidade” de seu tio-avô, Leopoldo II – que em 1885, por cima até do Estado belga, tornara o Congo uma fazenda pessoal, com sua população como escravos.
O discurso de Lumumba foi um dos mais irrecorríveis libelos já pronunciados contra a escravidão, o racismo e o colonialismo: " A independência do Congo, hoje proclamado , de acordo com a Bélgica, um país amigo com o qual lidamos em uma posição de igualdade, foi conquistado por uma luta diária , uma ardente e idealista luta, uma luta na qual não faltaram as nossas forças, nossas dificuldades , nosso sofrimento (...) e nosso sangue , e estamos orgulhosos disso. Foi uma luta justa e nobre, a luta necessária para acabar com a escravidão humilhante que nos foi imposta pela força. ".
Ideologicamente tenho pequena uma costela de Lumumbista, ainda que tardiamente descoberto, e mais cedo que tarde, irei colocar aqui todos os documentos que provam o envolvimento da CIA no seu vil assassinato, agora que a administração americana resolveu abrir os documentos confidenciais e reservados à consulta publica e ao conhecimento dos cidadãos. Um exemplo a seguir noutras paragens e apeadeiros!
Por vezes, qual rato dos papeis, pego em determinado material vem-me à lembrança muitas vivencias, quer de pormenores, difusos na poeira dos tempos, quer o recordar conversas dos mais velhos que escutávamos nos tempos em que não havia TV, disco, cassete pirata, cd, dvd, internet e outras modernidades.
Apesar de ter nascido em Luanda, na Casa de Saúde, hoje “ Maternidade Augusto Ngangula”, os meus primeiros anos foram vividos no Songo, uma simpática terra do mato, perto do Uíge.
Era muito miúdo, mas lembro-me de ver gente branca, que falava uma língua despercebida por mim, a passar lá na nossa bwala e a contar coisas, que deviam ser graves, pois a minha mãe impôs-me um horário de recolher inabitual, mesmo nas faldas da serra da Kinanga. A minha mãe era farmacêutica, e dominava bem o francês, pois era a língua da moda, nos seus anos de estudo na distante Coimbra, onde se licenciou, e foi a tradutora oficial de uns quantos casais belgas, com filhos de uma alvura de pele que me surpreendeu. Procuravam chegar rápido a Luanda para irem para a Europa, onde só se confrontassem com negros, no “Tintin em África”, o Hergé mais racista de toda a BD conhecida! Estavam em transe, e qualquer menção a preto deixava-os num estado de indisfarçável preocupação e não iludiam alguma taquicardia; Tiveram sorte em nossa casa, os mosquiteiros eram de uma alvura impecável!
Passados uns poucos anos, e já a viver em Luanda, menos acriançado, lembro-me de ver o Bob Denard, com a cabeça entrapada, numa mesa do “Arcádia”, com um conjunto de sequazes, todos eles com pequenos ferimentos e algumas muletas. Falavam alto, línguas esquisitas, aviavam muitos finos e demasiada sobranceria para com os locais, tendo em conta as características da sua mal afamada profissão.
Na Portugália, na Palladium, no Amazonas, em qualquer lugar onde houvesse cerveja a preceito, era ouve-los (mistura de ver e ouvir) nas suas fardas garbosas, com as ligaduras a cobrir-lhe qualquer ferimento, a darem entrevistas ao “Notícia”, e outros órgãos da imprensa local, nunca escondendo o envolvimento do Portugal colonialista com os secessionistas do Katanga, e as alianças espúrias com Tchombé, que morreu na Argélia em 1967.
Conheci um dos que foi evacuado de Bukavu, um belga Jean Schrame, lumpen na sua terra, coronel graduado em Kishangani, depois da saída de Mike Hoare “o Louco”, e que vem para a retaguarda do “Baleizão” aviar “kanhangulos” de Cuca, já que a outra guerra tinha sido perdida. Não o conheci aí, foi-me apresentado anos depois, numa festa de amigos em Oliveira de Frades, uma vila beirã, onde o “guerreiro Schrame” lutava para aumentar a produção de ovos e galinhas num aviário nas faldas da Serra do Caramulo, ultimo esconderijo conhecido do “soldado da fortuna”!
Ao tema, havemos de voltar, como bem disse o poeta!
Fernando Pereira
26/07/2010
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