8 de abril de 2011

Prémio ao Lubito / Ágora / Novo Jornal / Luanda 8-4-2011






Fiquei naturalmente satisfeito pela atribuição do prémio na vertente de Arquitectura, do prémio da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) ao arquitecto Francisco Castro Rodrigues.


“Quando se chega a velho é que nos dão os prémios”, respondeu de forma bem-humorada quando o parabenizei pela distinção.

O arquiteto Francisco Rodrigues é aos noventa e um anos uma pessoa loquaz, irreverente, com uma memória prodigiosa e arreigado às suas convicções de homem progressista e defensor da liberdade.

Um episódio que FCH conta da visita do presidente português Craveiro Lopes ao Lobito na sua viagem a Angola em 1954 e que é em tudo de semelhante à rábula da chegada de Mussolini a Berlim no “Grande Ditador” de Charlie Chaplin, uma das cenas maiores do cinema mundial.

Entre o Tamariz e o edifício dos Correios foi criado um espaço pomposamente chamado de “Portas do Mar”, que recebeu melhoramentos de tomo para receber Craveiro Lopes. No dia aprazado para a chegada, sob um calor intenso a fina-flor da sociedade do Lobito, um rancho folclórico do roupas minhotas composto por trabalhadores negros do Cassequel, uma banda, tudo a preceito para que a chegada antes do almoço fosse uma manifestação de grande enlevo.

As horas foram passando, a incomodidade das pessoas foi progredindo e as manchas nos sovacos aumentavam de diâmetro e quiçá mesmo a deixarem no ar um odor a que não eram alheias as pituitárias mais insensíveis.

O navio presidencial vinha de Novo Redondo (Sumbe), mas os planos foram alterados entretanto e a comitiva veio por terra; Resultou daí que a comitiva deslocou-se logo para o Terminus e admito quão hilariante foi ver a correria de gente de fato a rigor, vestidos compridos, saltos dos sapatos a partirem-se o que levou a que nessa “maratona” alguns chegassem descalços, a maioria esbaforidos e quase todos num estado de desmazelo nada condizente com a “elevação” do evento.

Este prémio é também para a cidade e tem que ser partilhado com o Engenheiro Fernando Falcão, técnico que Francisco Castro Rodrigues nunca se esquece de mencionar quando a sua obra é elogiada, dizendo apenas que era impossível construir o que quer que fosse sem a colaboração do prestigiado cidadão do Lobito.

Hoje diluído no imenso amontoado de casas no monte sobranceiro à estrada entre o Lobito e a Catumbela, existe em ruínas um conjunto de casas para trabalhadores “indígenas” da Sociedade Agrícola do Cassequel, uma verdadeira montra do esforço feito pela açucareira na “promoção social dos trabalhadores”. Não há ninguém com mais de trinta anos que por ali tenha passado que não se lembre de as ver ao longe, e encontrá-las em inúmeras fotos e postais do local. Era um conjunto de 120 casas, pintadas de cor de rosa cobertas com colmo. Era uma verdadeira obra de “portugalidade”, tão ao gosto de Gilberto Freire e dos prosélitos do luso-tropicalismo. Quando para lá foram transferidos os trabalhadores, imediatamente começaram a arranjar casa de adobe junto a esse aldeamento e deixarem as casas que tão elogiadas eram, para preferirem viver nas suas casas com paredes de barro, telhado de colmo e terra vã no interior.

Foi quase um sacrilégio quando os responsáveis da açucareira viram esta situação, o que deu azo a inúmeros dichotes racistas tipo: “os pretos não sabem viver em casas decentes”, “ali anda mão da Kuribeka” , “é para verem que cidades querem quando tivessem a independência”, e por aí fora.

A realidade é que as casas eram construídas com blocos, numa exposição solar permanente, sem ventilação, com o chão cimentado, perto de pântanos e de plantações de cana do açúcar, tornavam essas bonitas habitações em verdadeiras frigideiras onde o calor e os mosquitos tornavam a sobrevivência impossível. Julgo que já terão desaparecido, porque na realidade pouco serviram mais que para tirar fotos ao longe durante décadas, tendo em conta que foram construídas no final dos anos trinta.

Este exemplo proliferou por Angola inteira em muitos lugares de norte a sul do País, com as obrigações decorrentes do “desenvolvimento social” do fim do Império colonial na sua transição maquilhada para “províncias ultramarinas”. Na verdade era recorrente colocar divãs com esteiras em habitações de construção definitiva, casas lúgubres, sem iluminação natural e permeável a um espaço de nidificação de insectos e repteis, tal a humidade e o calor que havia no interior dessas casas para “contratados”.

O Lobito, que segundo Francisco Castro Rodrigues se chama Lubito por razões que já expliquei noutra crónica era a “Catumbela das ostras”, já que era o local privilegiado para a apanha das ostras, não só utilizadas para a alimentação, como a sua concha depois de moída foi durante anos um dos bons substitutos da cal no revestimento das casas da burguesia colonial.

Um dos mais conhecidos comerciantes de ostras foi o pai do José Aguas, campeão europeu de futebol pelo Benfica em 1960.

Já que se fala de grandes jogadores do Lobito e Catumbela não esqueçamos o sportinguista Fernando Peiroteu precocemente desaparecido, Santana, companheiro de Águas na vitória europeia de Benfica e depois ostracisado por questões políticas pelo clube, irmãos Couceiro que brilharam na Académica e Yaúca, em que a sua transferência para o Benfica foi paga pelas torres de iluminação do campo do Catumbela, que eram as do estádio do Campo Grande em Lisboa antecessor do antigo Estádio da Luz, enquanto campo de jogos do Sport Lisboa e Benfica.

A Catumbela teve o primeiro campo iluminado da província de Benguela e a segunda do território à boleia da transferência do malogrado Yaúca.



Fernando Pereira

5/3/2011
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