12 de junho de 2015

NO ANTIGAMENTE NA BOLA!/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 12 -6 - 2015













Em 2009 saiu do prelo o “História do Clube Atlético de Loanda”, numa edição do Clube Atlético de Luanda e Saudade. Tive o privilégio de ter estado na apresentação que decorreu no Espaço Verde do Chá de Caxinde.
O livro é um excelente documento sobre a evolução do desporto angolano no período de 1924-1953, com as suas conotações de natureza politica e social numa sociedade colonial fechada e profundamente retrógrada.
È um precioso auxiliar para quem quiser saber o que de importante aconteceu numa sociedade vincadamente estratificada do ponto de vista social, económico e político com as inerentes ligações ao associativismo.
Ao contrário do que é muito frequente comentar-se, o desporto tem ligações muito estreitas com o circunstancialismo politico, e é indisfarçável o alinhamento ou a rutura que determinadas associações ou clubes desportivos tem com os poderes instalados.
O Clube Atlético de Loanda foi desde a sua criação um clube de forte espírito nacionalista, a que não serão alheias as convicções emancipalistas dos seus fundadores, em contraciclo com os clubes emblemáticos do regime colonial, normalmente filiais dos clubes de Lisboa.
Numa das páginas do livro, que mereceria uma cuidada revisão, conta-se o episódio da vinda a Angola da Associação Académica de Coimbra a 2 de Agosto de 1938, acompanhando o então general Oscar Carmona na 1ª visita de um chefe de Estado Português às colónias.
Vivia-se na comunidade branca de Luanda a euforia da inauguração da Exposição-Feira, no bairro onde hoje estão instaladas a maior parte das embaixadas, e o convite à Académica partiu da direção da Exposição, entidade organizadora de um torneio onde participariam as seleções de Luanda, Benguela e Huíla.
A taça em disputa foi entregue à Académica, por iniciativa da direção da Exposição, provocando veementes protestos pela direção da Associação de Futebol de Luanda e do conjunto de selecionadores, técnicos e jogadores do selecionado local. A taça “General Carmona” foi disputada com pundonor pelas equipas entusiasmando o público que encheu os “Coqueiros”.
A versão do livro do Atlético:”… no referido jogo os luandenses marcaram a primeira bola . Coimbra empatou, e minutos depois sob perfeitíssimo centro de Julio Peyroteu , Júlio Andrade corre, esgueira-se entre os defesas, bate Tibério atirando a bola onde quer. Luanda 2 – Coimbra 1. Ardeu Tróia. Tibério apossa-se da bola e reclama off-side (pretenso). Os outros “académicos” acompanham-no. O árbitro valida o goal e manda a bola ao centro. Os “académicos” não cedem, e Tibério chefe do motim não quer entregar a bola. O árbitro insiste na sua resolução, e os académicos querem bater no árbitroque ante a impossibilidade de ser respeitado, se vê forçado em abandonar o campo, sempre sob a ameaça de pancada”. Tibério era o guarda-redes da equipa de Coimbra, e ainda entra Gentil Santos, a quem não é entregue a bola o mesmo acontecendo com o 3º árbitro, Serra Coelho. Tal o sururu que a polícia é obrigada aq intervir para acabar o jogo que já se prolongava para horas que não permitia a legislação relativa a espectáculos.
“… A direção da Exposição Feira de Angola, contra tudo, entregou a taça ao grupo académico: E essa entrega (?!) tem o seu quê de interessante. A taça foi levada para bordo do gasolina, que transportou os jogadores de Coimbra ao vapor “Colonial”, para a sua viagem à outra costa (Moçambique). Ora se a Taça foi ganha com merecimento, porque não foi entregue publicamente.”
Há contudo outra versão dos acontecimentos que vem no livro do meu saudoso colega João Mesquita “Académica / História do Futebol”.
Diz o seguinte esse livro, editado pela Almedina em 2007: “ …Corre o dia 6 de Agosto e os estudantes queixam-se de uma certa frieza na recepção” “… No segundo encontro é que o “caldo” se “ entorna”. Jogam Académica e a seleção de Luanda, com o ex-atleta da Briosa, Bernardo Pimenta, a recusar-se a alinhar por esta última. Desde o início que os estudantes se queixam de parcialidade por parte do árbitro, por sinal o treinador do selecionado luandense. Às tantas Luanda faz 2-1. Protestam veementemente os coimbrãos, alegando que o marcador se encontra fora de jogo. Em resposta o juiz abandona o campo. Os Angolanos não aceitam. Sugerem outro. É a vez da Académica recusar. Com tudo isto, a luz do dia vai desaparecendo e a polícia entra em acção para mandar os jogadores para o balneário.
Uma vez que não se esgotam os 60 minutos que o regulamento estipula para duração de cada jogo, é marcado segundo encontro. Mas Luanda não comparece. Como a Académica batera entretanto a seleção de Benguela por 3-1, a taça é atribuída aos estudantes. Estes antes de deixarem Luanda, envoltos numa acesa polémica, ainda defrontam a seleção de Angola. Com quem perdem por 4-3.”
Neste jogo que se disputou a 28 de Agosto de 1938, com a arbitragem de Armando Serra Coelho, pai do Serra Coelho que posteriormente representou a Académica no dealbar dos anos 50, a seleção de Angola orientada por João Francisco Mendonça alinhou com: Oscar de Lemos, António Arsénio e Apolinário Mendonça (todos de Luanda),Duarte Cabral (Benguela),Saldanha Palhares (Luanda), Jaime Adriano (Benguela), José Cruz “Gégé” (Benguela), Julio Andrade (Luanda), Telmo Vaz Pereira (Luanda), Nuno Vaz (Benguela) e Julio Peyroteu (Luanda).
A Associação Académica de Coimbra orientada por Puskas alinha com Tibério Antunes (depois Cipriano), João Teixeira (Alberto Cunha), José Maria Antunes, Faustino (Teixeira), Alberto Carneiro, Octaviano, Alberto Gomes, Peseta, António dos Santos, Nini e Manuel da Costa.
António Santos(2) e Nini marcaram pela Académica e Julio Andrade (3) e Telmo pelo selecionado de Angola.
António Santos não fazia parte da equipa da Académica que disputava os campeonatos nacionais. Era jogador do Futebol Clube do Porto e estudava na altura em Coimbra.
Estes jogos, aparentemente “amigáveis”, entre equipas da Metrópole e da então colónia eram sempre marcados por uma grande rivalidade, a que não eram alheios os propósitos emancipalistas de alguns elementos do selecionado local, e o nacionalismo exacerbado de alguns elementos das equipas de Portugal, que eram escolhidas naturalmente a contento do regime.
Este texto visto na perspetiva dos dois contendores, talvez consiga dar outra verosimilhança a esse episódio nesse longínquo 20 de Agosto de 1938 na cidade de Luanda.

Fernando Pereira
10/6/2015

CONTRA TEMPO - O Interior- 11/6/2015



Acho risível quando vejo um coro de protestos relativo à entrada em vigor do recente acordo ortográfico.
Num Portugal, ou mesmo numa lusofonia, que agora também já fala um espanhol enviesado, onde e iliteracia e o analfabetismo têm números que nos devem deixar preocupados, é no mínimo redutor andar com rodriguinhos por causa de um acordo, situação que tem sido recorrente desde 1931.
Nunca me preocupei com isso e curiosamente muitas vezes a única coisa que une os bons e os maus escrevinhadores é só a frase “escrito de acordo com a antiga ortografia”.
Há causas mais importantes a dar algumas das nossas forças, e essas tem a ver com a restituição do primado “de cada um segundo sua capacidade a cada um segundo suas necessidades”, matriz ideológica fundamental para uma sociedade solidária e mais justa, bem diferente do neoliberalismo que tem sido o quotidiano político e económico de uma Europa envelhecida e deprimida.
Os “condes de Abranhos” da política local e nacional começam a aquecer as suas depauperadas máquinas partidárias, uns na tentativa de se perpetuarem no poder outros para lá retornarem, fazendo uma cosmética de políticas velhas e de soluções que não trazem nada de novo à região e ao País.
Acho que é completamente dispensável a vinda ao interior dos responsáveis nacionais e líderes partidários dos partidos do arco da governação, porque de facto não vem fazer rigorosamente nada de novo, a não ser distribuir sorrisos artificiais e gastarem o resto do tempo em repetidos lugares comuns do tipo “não virar costas ao interior”, “promover emprego e lutar contra as assimetrias da interioridade” e outras tretas habituais neste quotidiano que defrauda os valores da democracia.
Não sinto que mudar pormenores resolva os problemas do quotidiano de vida de uma região onde vivemos, onde tudo é particularmente difícil de conseguir e onde cada vez somos menos a pensar que as coisas não melhoram sem resistência. Paciência!
Adam Smith (1723-1790), por exemplo, não sentiu embaraço em sentenciar: “Na realidade, a diferença de talentos naturais em pessoas diferentes é muito menor do que pensamos; a grande diferença de habilidade que distingue entre si pessoas de diferentes profissões, quando chegam à maturidade, em muitos casos não é tanto a causa, mas antes o efeito da divisão do trabalho. A diferença entre as personalidades mais diferentes, entre um filósofo e um carregador comum da rua, por exemplo, parece não provir tanto da natureza, mas antes do hábito, do costume, da educação ou formação. Ao virem ao mundo, e durante os seis ou oito primeiros anos de existência, talvez fossem muito semelhantes entre si, e nem seus pais nem seus companheiros de folguedo eram capazes de perceber nenhuma diferença notável.”
Para que conste Adam Smith morreu quase cinquenta anos antes de ter nascido Karl Marx.
Que tem isto a ver com o acordo ortográfico? Provavelmente muito pouco, mas reitero o que disse: Acho que é melhor desgastarmo-nos em batalhas que valham a pena!

Fernando Pereira
7/6/2015

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