23 de julho de 2010

Calígula em Angola / Ágora / Novo Jornal / Luanda 24-07-2010





Francisco da Cunha Leal (1888-1970) escreveu um verdadeiro libelo acusatório, publicado em 1924, contra o general Norton de Matos, verberando a sua política nas suas passagens sucessivas pelo cargo de governador de Angola (1912-1915) e Alto-comissário (1921-1923), “Calígula em Angola”.
Não vou entrar em pormenores sobre essa disputa, que animou o Chiado, então o centro cosmopolita, social e politiqueiro de Lisboa desde as lutas dos Republicanismo português em 1895, até ao seu estertor em 28 de Maio de 1926.
Efectivamente foi um inusitado combate político, a relembrar nalguns casos um célebre duelo de espada entre Egas Moniz e o mesmo Norton de Matos, em 1912, por causa do afamado caso do Caminho de Ferro de Ambaca, motivo também da demissão do então ministro das colónias Freitas Ribeiro em 1912. Este foi um dos últimos duelos de espada de gume afiado, de defesa da honra na Lisboa política!
Tudo isto vem a propósito, de uma discussão acalorada que tive com uns amigos, com quem me vou encontrando para partilhar assuntos passados, quiçá preocupações presentes, sobre a história e realidade de Angola.
Nessa “tertúlia” despoletou-se a discussão para a probabilidade de se recuperar para um lugar de relevo a estátua de Norton de Matos, colocada no Huambo com todas as outras estátuas apeadas, aquando da restauração da soberania da Republica Popular de Angola na cidade no ido Fevereiro de 1976.
Como já não somos miúdos, muitos de nós ainda se lembravam de ouvir tecer loas em nossas casas ao Norton de Matos, e também alguns de nós nos lembrámos, quanto o general foi pernicioso para os angolanos, sobretudo para o asfixiamento de uma burguesia local, a que a monarquia português, apesar de tudo, se tinha habituado a respeitar, ainda que com inerente sobranceria.
O cerne da discussão era a justeza da colocação da estátua do fundador da cidade em 8 de Agosto de 1912, num lugar de destaque da cidade. Eu assumi-me claramente contra esse desiderato, pois Norton de Matos não foi mais que um Cecil Rhodes (1853-1902) português, com as limitações inerentes à pequena expressão do Portugal no contexto colonial de então. Norton de Matos era um racista, e a sua política assentou sempre nesse primado.
O seu projecto de desenvolvimento económico de Angola, tinha um objectivo claro: A construção de um grande país de brancos, que iriam impor os seus valores, a sua cultura, o seu modelo económico, em que os angolanos seriam os seus “servos da gleba”, e que pudesse ser o território o epicentro do mundo português.
Promoveu o desenvolvimento de vias de comunicação, com a construção de uma rede eficiente de estradas, fez algum esforço ao nível do equipamento, apoiou uma ténue industrialização, fomentou o comércio interno, e desencadeou um esforço de potenciar o desenvolvimento agrícola da colónia, através do trabalho forçado dos seus habitantes locais.
Aparentemente um programa perfeito, embora sem avaliar os custos de um projecto destes, o que levou ao desaparecimento do BNU enquanto banco emissor em Angola, e a proliferação das “Ritas”, um dinheiro tipo senhas, de notas de 50 centavos, emitidas pela “Republica Portuguesa - Angola”, que nada valiam, e que só compravam uma bebida quando empacotadas como um tijolo; Uma moeda tipo dólar do Zimbabwé actual, ou o Novo Kwanza em meados dos anos 90. As “Ritas”, assim chamadas, era aa designação popular das notas, pela associação com o nome da filha do general.
Um verdadeiro desastre a sua passagem por Angola, testemunha de Alves dos Reis, noutro muito badalado episódio de moeda, neste caso emissão de moeda falsa em que Angola é mais uma vez o centro da “vigarice”!
Assumo que violento a memória do meu pai, que foi membro da candidatura de Norton de Matos à presidência da Republica Portuguesa em 1948, na Catumbela, e seu intransigente defensor, mas paciência, nalgumas coisas tivemos que estar em desacordo, e ele sempre soube que nunca partilhei o seu entusiasmo pelo general, grão-mestre da maçonaria em 1929.
Talvez não seja bom opinar sobre o assunto, porque normalmente as coisas saem quase sempre, ao contrário do que gostaria: deixem estar a estátua onde está, com buraquinho e tudo…
Fernando Pereira
20/7/2010
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