11 de setembro de 2009

Os “Ficheiros” não são fixes!/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 11-09-09



Na esteira do que tem acontecido com alguma frequência, acabou por dar à estampa um novo livro, sobre um tema estafado, e que é nem mais nem menos que uma obra menor, com um título pomposo: “Ficheiros secretos da descolonização de Angola”.
A autora, Leonor Figueiredo, inicialmente jornalista do sensacionalista “Correio da Manhã”, e depois do asséptico ” Diário de Notícias”, resolveu fazer um livro, onde ao contrário do que sugere o título, poucos “ficheiros secretos” aparecem, numa de muita benevolência nesta avaliação.
Avultam no livro depoimentos, a maioria dos quais já reproduzidas noutras obras de igual jaez, e alguns relatos de “pesquisas”, que em nada tem a ver com a realidade nalgumas circunstancias, fazendo nalguns casos lembrar o 007, feito pelo inimitável Sean Connery, indiscutivelmente o melhor James Bond de todos.
Há alguns depoimentos interessantes do general Heitor Almendra, esse sim actor importante, de uma determinada fase, da conturbada história de Angola de 1974/75, e a quem se pede, que publique um documento circunstanciado do que se passou nesses tempos, para acabar de vez com algumas hipóteses, que se tem transformado rapidamente em teses, tantas vezes hiperbolizadas.
As razões do aparecimento deste livro, surgem num depoimento da autora a um jornal: “Nunca tinha pensado em pegar no assunto, até que, há uns anos, começaram a ser publicados livros de fotografias de Angola e Moçambique. Eu fiz essa reportagem, e nessa altura, em conversa com a Zita Seabra [editora da Alêtheia], que procurava material sobre as ex-colónias, disse-lhe a brincar: ‘se eu algum dia contasse a história da minha família...’. Diz-me ela: “escreva que eu publico”. E esta pequena conversa veio abrir um cofre que estava fechado a sete chaves, há muitos anos. Nós não mandamos na nossa cabeça, não é? Saltou qualquer coisa e decidi: ‘vou escrever a história do meu pai.’ Eu sempre achei que nós, retornados, e eu odiamos esta palavra , fomos mal compreendidos cá. “. A realidade é que sobre o pai ao longo do livro, os depoimentos são poucos, e do que nos apercebemos é que o leitmotiv vai-se desvanecendo, à medida que o livro vai decorrendo, com partes que não sendo totalmente plagiadas de outras obras já lidas e referenciadas, acabam por ser mais do mesmo.
Um livro para esquecer, e só a grandiloquência do título pode levar algum incauto a adquiri-lo, pois de ficheiros tem muito pouco e de secretos absolutamente nada.
Já que faz afirmações sobre certas pessoas, desprovida de uma enorme sensatez, e nalguns casos até extraordinariamente lesiva do seu bom nome e probidade intelectual e cívica, pois conheço-as bem e há muito tempo, acho que não devo ser condescendente para com a autora.
Para quem leu o livro do Botelho, dos generais Gonçalves Ribeiro, Silva Cardoso e Amaro Bernardo, escusa de ler este, pois é uma síntese francamente má de todos esses.
Já que o assunto é presumivelmente livros, aconteceu-me recentemente passar num alfarrabista e comprei um policial da “Regra do Jogo”, editado em 1984, “A Morte do Artista”, de Artur Cortez, pseudónimo do escritor Modesto Navarro. Este policial tem a particularidade de ter no seu enredo, a versão romanceada do processo instrutório do “processo Kamanga”, que marcou a justiça angolana na primeira metade da década de 80.
Ainda no mesmo alfarrabista, adquiri um verdadeiro romance, com ficheiros secretos e morte à mistura, que pelos vistos tem escapado a tanto escriba, que de um momento para o outro apareceram qual cogumelos em caules de árvores. O livro chama-se Secret Mission: Angola, da autoria de um tal Don Smith, e foi publicado no longínquo 1970, editado simultaneamente pela Award Books em New York, e Tandem Books em Londres. Uma pérola sobre a “guerra fria” em África nos anos 60.
Houve alguém que disse, que só a abundância de livros maus, é que valoriza os poucos livros bons!
Fernando Pereira
7/9/09
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