26 de fevereiro de 2010

O “Sputnik” do tempo! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/26-02-2010


Dificuldade de governar
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.
Bertold Brecht (1898-1956)

Esporadicamente, a bem dizer cada vez mais esporadicamente, leio “ A Caras” e outras revistas “enrosadas” de Angola, ou de outras latitudes, em que o denominador comum seja adornar o bem viver de certa gente.
Sou normalmente apanhado com estas revistas em riste, nos locais onde tenho de esperar por alguma coisa que me desagrade, e então vou folheando as paginas, e entediando-me com o normalmente execrável texto, que invariavelmente, ilustra fotografias razoavelmente boas, protagonizadas por gente amiudadas vezes não tão boa quanto isso.
A imprensa cor-de-rosa, gosta de mostrar o que de bom tem a sociedade, o glamour das iniciativas culturais genuínas e aculturadas, os casais felizes com quatro viaturas na garagem, duas moto quatro, quatro empregados a quem pagam pouco mais de cem dólares por mês, e comida, colocando-os ao nível dos servos da gleba no feudalismo da Europa, e mais proximamente no colonialismo português em África.
Não gosto do ar pouco natural com que certas senhoras recebem a repórter da revista em casa, a tentarem imitar os cruzamentos de pernas à Sharon Stone no “Instinto Fatal” , com roupa de cerimónia a maior parte das vezes mal engomada, e com um ar de tão pouco à vontade que nem os pés escondem algum indício de inchaço, sintoma claro de nervosismo.
Desculpem a ousadia de querer ser pedagogo, mas na realidade quem é verdadeiramente rico, não quer que se saiba, muito menos expor publicamente a riqueza. Nas revistas cor-de-rosas, o que vemos são remediados à procura de espaços ainda não conquistados, o que quer dizer ainda não tolerados em determinados círculos, ou gente muito tesa e endividada na busca de mais uns créditos junto de alguns incautos que possuem dinheiro, o que só por acidente sucede, confirmando a excepção à regra.
Aqui há anos, num conhecido restaurante de Lisboa, Américo Amorim, o nosso homem na Galp e simultaneamente o homem da Galp na nossa Sonangol, entre outros negócios no País, jantava com Jorge de Mello, ex-dono da CUF, símbolo maior do monopólio privado em Portugal e nas colónias antes da independência e naturalmente falavam de negócios; A determinada altura Amorim, para fazer valer alguma posição na conversa, sai-se com esta:” Comigo não, sou o homem mais rico de Portugal”, audível em toda a sala, ao que Jorge de Melo replicou num tom mais moderado replicou: “ Eu já fui, só que havia uma diferença entre nós, eu era mais discreto”!
Isto vem a propósito de algo que me intriga há muito tempo. Mudam dirigentes, ministros, vice-ministros, governadores provinciais, e não sabemos nada deles, a não ser fazermos a avaliação da sua governação, ou nalguns casos a sua desgovernação.
O que acabo de dizer é extensível ao nosso Presidente da Republica, Chefes de Estado Maior dos diferentes ramos das forças armadas, e até mesmo entidades eclesiásticas. Não sei que pratos gostam, que livros lêem, que filmes os marcaram, que musicas lhes são sensíveis, que viagens guardam, que medos e fobias tem, que gostariam de fazer depois de ocuparem os lugares que desempenham, até banalidades, e histórias de bairro, para que o cidadão os sinta com maior afectividade, sem que perca o respeito dos cidadãos.
Um País que se diz moderno “despe” os seus dirigentes sem tabus, sem tibiezas, e revelam-nos coisas interessantes, que nós nem supúnhamos possíveis de acontecer aos que nos habituámos a ver de forma distante e convencional.
Começo a ficar farto de ver gente banal a insinuar-se em revistas sociais, mascaradas entre reposteiros e vasos com plantas plastificadas.
Ah, esquecia-me que gostava de saber o clube da sua eleição, e desde já dou alguma margem de tolerância a quem for do 1º de Agosto, do Futebol Clube do Porto e já agora da Académica de Coimbra!!!

Fernando Pereira
21/2/10

19 de fevereiro de 2010

Rua da Maianga/Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 19-2-2010



“Penso que dentro de dois anos poderei publicar uma História do surgimento do nacionalismo em Angola, desde que surgiu a imprensa, portanto é uma coisa baseada em depoimentos escritos…”
Estas palavras foram de Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1989), na ultima entrevista que deu em vida, ao recentemente falecido Michel Laban, para o seu livro “Angola, Encontro com Escritores”(2 volumes), editado em 1991 pela Fundação Engº António de Almeida.
Mário António pode ser considerado um dos fundadores do MPLA, já que foi com António Jacinto, Viriato da Cruz e Ilídio Machado, que em 1955 fundaram o Partido Comunista Angolano, um dos partidos que terá estado na génese do MPLA, segundo a maior parte das versões conhecidas.
Tive o prazer de ter conhecido Mário António, que na qualidade de director da Gulbenkian para as relações com os países africanos de língua oficial portuguesa, ajudou muito angolano, que por razões de caciquismo cultural e político em Angola, agradeciam a tantos que nada tinham feito, e omitiam o Mário, porque ao tempo era politicamente dissonante do regime!
Mário António de Oliveira deixa o PCA em 1957, porque “ia casar e não podia a mulher ficar fora de tudo, por isso vou-me embora”, ao que Viriato da Cruz terá dito que era a “primeira grande crise que surgia no nosso Partido”, isto segundo relato de um livro editado postumamente, “Reler África”, em 1989 pelo Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra.
Voltando à introdução a esta crónica, a realidade é que infelizmente para todos, Mário António deixou-nos sem que tivesse feito o que se tinha proposto, embora tivesse deixado uma obra poética considerável, que hoje só possível de encontrar em alfarrabistas, já que em lugar algum se reeditou: “Farra no fim-de-semana” (1961), “Gente para romance” (1961),”Crónica da cidade estranha” (1964), entre outros títulos, no domínio da prosa e do conto. Na poesia, para além da sua colaboração na “Mensagem”, e na “Cultura”, tem uma vasta obra publicada, como refere Manuel Ferreira no “Reino de Caliban II” (1976) editado pela Seara Nova e no livro do mesmo autor “Literaturas africanas de expressão portuguesa II” (1977), na Biblioteca Breve, do Instituto de Alta Cultura.
Mário António, antigo aluno do Liceu Salvador Correia, ex-director do Estudante, licenciou-se no Instituto de Ciências Sociais em Lisboa, e tem alguns trabalhos interessantes sobre a “Formação da Literatura Angolana (1851-1950) ”, e “Luanda, ilha crioula”, onde é o primeiro escritor angolano a utilizar a crioulidade. Mário Pinto de Andrade, na sua Antologia Temática de Poesia Africana (1) ” lembra Mário António com os seus poemas “Sob as acácias floridas”, “Linha quatro” e o incontornável “Rua da Maianga”.
Desde o primeiro livro, editado pelo Ministério da Educação e Cultura da R. P. Angola em 1976, “Poesia de Angola”, que Mário António tem sido injustamente ignorado, e penso que chegou a hora, de Angola relevar todos, os muitos que foram lutando pela elevação cultural dos angolanos, pela sua dignificação através da palavra escrita, e neste caso na sua participação, ainda que efémera, mas decisiva, na edificação do que veio a ser o MPLA.
Os organismos angolanos deveriam empenhar-se em procurar o arquivo de Mário António, e colocá-lo ao serviço de investigadores, de forma a ajudar a escrever a história do País, numa fase em que cada vez há menos vivos desse tempo, e dos vivos alguns já com pouca memória para se lembrar que tiveram memória.
A Fundação Calouste Gulbenkian, numa tentativa de homenagear o seu antigo colaborador e o poeta insigne, instituiu o Prémio literário Mário António de Oliveira, que teve início em 2001, tendo vencido Mia Couto, “O Ultimo Voo do Flamingo”, prémio entregue trienalmente, no valor de 25.000€
Seria de inteira justiça, que se desse o nome de Mário António de Oliveira a uma escola e a uma rua, preferentemente na Maianga, tão presente na sua quase “clandestina” obra. Podem fazê-lo em Maquela do Zombo, onde nasceu, mas realmente segundo ele diz “nasci no norte de Angola, mas nada me liga à terra pois o meu pai foi colocado lá como funcionário público, e durante pouco tempo”, pelo que julgo que não homenageavam objectivamente muito bem nem a terra, nem o escritor. Mas valeria mais isso, que nada!
Fernando Pereira
13/2/2010

12 de fevereiro de 2010

Hay Goberno? /Ágora / Novo Jornal/ Luanda /12-2-2010



Conheço a "estória" do anarquista espanhol contada assim: o anarquista fazia uma viagem de barco, quando naufragou. Nadou, nadou, nadou até chegar a uma ilha onde viviam miseravelmente, algumas pessoas que tinham naufragado num outro naufrágio. Quando chegou à praia, exausto, perguntou: "Hay Gobierno?". Responderam-lhe que sim e ele disse: "Soy contra!". Fez-se ao mar e continuou a nadar…
Ultrapassado este primeiro parágrafo, com as reticências inerentes, só posso dizer que estou entusiasmadíssimo pois resolvi rever “La Dolce Vida” de Frederico Fellini. Estreado há cinquenta anos (5-2-1960), com Marcello Mastorianni e Anita Ekberg, é um filme icónico da sua filmografia, recheada de uma visão social de uma sociedade italiana e europeia do pós-guerra. É uma marca de um cinema europeu, que urgia ser reinventado.
Por falar em revisões da matéria dada, recuperei o livro de BD de Quino, “Potentes, Prepotentes e Impotentes”, editado pela D.Quixote em 1972. O livro tinha sido emprestado a alguém, que felizmente ao mudar de casa, descobriu-o e devolveu ao seu lídimo proprietário. Porque é um autor referente para mim, porque é um livro de indiscutível mérito, fiquei naturalmente satisfeito por reavê-lo. Um livro obrigatório para os “Potentes, Prepotentes e Impotentes”, e para todos os que o são sem o saberem, e para os que os outros sabem que há gente que não o é!
O ultimo livro de Francisco José Viegas, foi o mais desinteressante do que dele li até hoje, “O Mar em Casablanca”. É pouco mais que um arremedo de um policial, em que o personagem central é talvez um cadáver encontrado num hotel de umas termas decrépitas do Norte de Portugal, e que teria estado ligado ao 27 de Maio de 1977. Toda uma história que não percebi porque ligava o homem ao 27, aos diamantes, e por aí fora! Um livro, talvez mesmo a evitar, embora o Francisco José Viegas seja um excelente escritor e um prestigiado divulgador cultural.
Na esteira dos livros, uma verdadeira pedrada no charco são os “Cadernos de Memórias Coloniais” de Isabel Figueiredo da Angelus Novus, pequena editora de Coimbra. Esta obra, embora fossem memórias de Moçambique, terá aberto a caixa de Pandora do que procurou ser escondido pelos retornados que viveram em África. Um livro sem margem, sem fronteiras, com descrições duras de realidades vividas ou de histórias ouvidas, mas sem recorrer ao artificio, e sem procurar qualquer exercício, ainda que dissimulado de expiação, ou abjurar o que quer que seja. Um livro duro de ler, mas como tem levado tanta pancadaria em fóruns e na blogosfera, por parte de retornados das ex-colónias em Portugal, já há garantia de que de facto mexeu com eles e bem.
Fui no dia 4 de Fevereiro à Casa do Alentejo em Lisboa, à apresentação do livro “Lucio Lara, imagens de um percurso”, e gostei do que vi; Numa das salas mais bonitas da cidade, completamente cheia, muitos colunáveis e outros nem por isso, prestaram uma homenagem a um Homem, que merece de Angola a eterna gratidão e o redobrado respeito. Zeferino Coelho, da Caminho, Conceição Neto e Veiga Pereira, recordaram um pouco o percurso do Tchiweka, e relembraram-nos na necessidade de apoiar a Associação, que a paciente organização de Lucio Lara, permite hoje ter divulgado esta obra magnífica.
Mais um 4 de Fevereiro muito bem passado!

Fernando Pereira
7/2/2010

6 de fevereiro de 2010

Angola Avante/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda /5-2-2010



Passaram quarenta e nove anos do 4 de Fevereiro de 1961. Não vou contar a história, porque na realidade nem os próprios intervenientes estiveram de acordo, com tudo que aconteceu nesse dia, que acabou por ser o princípio do fim do colonialismo português em África, que tem tentado ser branqueado de há uns tempos a esta parte.
Na polémica levantada no texto Constitucional, recentemente aprovado pela Assembleia Nacional de Angola, uma das questões que tem sido controversa, tem a ver com os símbolos do País.
Não conheço o texto, mas vou estando atento às críticas, e fico extraordinariamente agradado, com o facto de não se terem alterado os símbolos do Pais, no caso da Bandeira, do Brasão de Armas e do Hino. Já em relação a várias outras alterações não estou tão satisfeito, mas isso são “outros quinhentos”.
Esta discussão dos símbolos no nosso País, e a sua contestação é demonstrativo de alguma ignorância, do que representam os símbolos nos países do mundo, e principalmente mostram uma indisfarçável ausência, da mais elementar cultura e neste caso, é bem aplicada a frase “A cultura é como a marmelada, quanto menos se tem mais se espalha”.
Em relação ao Brasão de Armas não há grande rebuliço opinativo, embora vá recebendo os remoques, dos outros símbolos quando são exprobrados em conjunto. No caso da Bandeira Nacional já escrevi o que pensava, reiterando apenas o que sempre defendi.
Em relação ao Hino Nacional de Angola, com musica de Ruy Mingas e letra de Manuel Rui Monteiro, há talvez a maior controvérsia, pois a letra é adaptada a “outros tempos, e outras realidades”, como algumas bizarras opiniões salientaram numa tentativa vã de exigir a sua substituição.
O que esses “verdadeiros vituperadores” do hino não sabem, ou pelo menos mostram ignorar, que os hinos nacionais não são propriamente canções para festivais, que se realizam com determinada periodicidade, e vestidos com roupagens da moda.
O Hino de Angola foi o hino da independência do País, e a letra, que parece ser o pomo de uma discórdia que uns poucos querem fomentar, é adaptada às circunstâncias e ao sentir do tempo, embora numa hermenêutica do seu texto podemos admitir que não está nada descontextualizado.
Saúda-se o quatro de Fevereiro, enaltecem-se os que combateram e tombaram pela independência do País, afirmam-se propósitos de Homem Novo no trabalho, apela-se à solidariedade com povos de África e apoiam-se povos oprimidos, e escolhem-se os povos que combatem a liberdade. O refrão é uma reafirmação da soberania popular, de valores de liberdade e de unidade da Pátria. Desculpem qualquer coisinha, mas alguém consegue contestar estes valores?
Acabem-se definitivamente com discussões acessórias e discutam-se coisas importantes, porque o Hino Nacional está bem e recomenda-se, e espero continuar a cantá-lo com a emoção com que o ouvi pela primeira vez.
Por acaso sabem: que a Holanda tem o hino mais antigo do mundo, escrito em 1572? O da Alemanha, que nem Hitler ousou mudar, é de 1841 com um texto adaptado de uma peça de Haydn em 1797? Que o da França, com o violento texto da Marselhesa, é instituído como Hino Nacional em 1795? Que a Portuguesa de Alfredo Keil e Lopes de Mendonça, foi a hino dos republicanos contra a monarquia, e acabou por ser instituída em 1911, sem sequer Salazar a ter alterado? O hino da África do Sul é uma adaptação do Hino do ANC, pelo musico brasileiro Djavan?
Podia dar mais exemplos, mas acho que é uma discussão despicienda, porque em Angola encontramos de quando em vez pessoas isoladas, ou em grupo disponíveis para trazer para a ribalta da limitada opinião pública e publicada, temas que noutros países nem merecem atenção, independentemente de mutações políticas, ideológicas e económicas que se vão operando.
Ficas bem connosco “Angola Avante” !

Fernando Pereira 31/1/2010
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