29 de julho de 2011

“A crítica pública devia ser um direito e não um risco”/ Ágora/ Novo Jornal 184/ Luanda 29-7-2011



Nesta coluna há uns tempos, fiz uma referência a um julgamento em que três cidadãos estavam no banco dos réus, porque de diferente forma participaram na peça do Teatro D. Maria II, “ A filha rebelde”.
A peça baseada num texto de José Pedro Castanheira, com Margarida Fonseca Santos como encenadora e Carlos Fragateiro na qualidade de director do D. Maria II, réus num processo em que eram acusados de difamar a figura do falecido Fernando da Silva Pais, o ultimo director da PIDE- DGS em Portugal. Os familiares acusaram os autores da peça de “colocarem na lama” o bom nome do seu tio, e o que se me oferece dizer é que o Silva Pais tem que ter o nome e a vida dele sempre na lama, que é o seu lugar, tais os crimes que cumpliciou.
Aconteceu a absolvição dos réus com o argumento do juiz que deveria fazer jurisprudência: “a crítica pública devia ser um direito e não um risco”.
Ao contrário de algum marasmo qualitativo na literatura angolana actual, assistimos na literatura portuguesa ao aparecimento de excelentes talentos que temos que referenciar, já que cada vez mais a expressão oficial portuguesa é a unidade da nossa vida comum. Walter Hugo Mãe (pseudónimo de WH Lemos) por acaso nascido em Saurimo em 1971 é hoje um dos emergentes romancistas portugueses com enorme êxito em Portugal e no Brasil, tendo Saramago comentado em 2008 que “estávamos perante um tsunami na literatura” e curiosamente um dos poucos que António Lobo Antunes elogiou. “A máquina de fazer espanhós” é um livro de leitura urgente, deste multifacetado artista plástico, romancista, poeta, editor e DJ.
Outro dos brilhantes escritores da nova geração, por acaso também nascido em Angola (Luanda 1970) é Gonçalo M. Tavares que em 2007 recebeu vários prémios, um deles entregue por José Saramago e que disse a propósito do romance “Jerusalem”: «é um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!». Este ultimo livro “Uma viagem à Índia” recentemente editado pela Caminho, é uma obra extraordinária e corolário de todo um percurso de vários “Senhores”, conjunto de livros surpreendentes do autor.
Se juntarmos a estes um José Luis Peixoto, um João Tordo ou um Jacinto Lucas Pires, para citar apenas meia dúzia de romancistas, podemos afirmar sem rebuço estarmos perante um período muito interessante das letras do “Ultramar” com a capital em Lisboa!
Estamos no ano da comemoração do centenário do nascimento de um dos poetas portugueses que melhor escreveu o Alentejo, suas gentes e lutas; Manuel da Fonseca (1911-1993) foi um dos grandes do neo-realismo, fundador da Vértice, onde colaboraram também Eugénio Ferreira e Manuel Rui Monteiro, e presidente em 1965 da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta foi encerrada, na conhecida circunstância da atribuição do prémio a Luandino Vieira pelo seu romance Luuanda.
Manuel da Fonseca viu muitos dos seus poemas serem musicados por um dos cantores de intervenção mais injustamente esquecidos em Portugal e em Angola: Adriano Correia de Oliveira.
Adriano Correia de Oliveira (1942-1982), um enorme coração de 1,80m foi um exímio intérprete da canção de Coimbra, “baladeiro”, cantor de intervenção, actor de teatro, jogador de voleibol, estudante de direito e acima de tudo um homem solidário e um verdadeiro distribuidor de afectos.
Participou com Zeca Afonso, Fausto, Ruy Mingas entre outros num espectáculo de apoio ao MPLA na Cidadela, e entre muitos apertos que teve ao longo da vida lembrava sempre o do “canto livre” da cantina da Universidade, na baixa de Luanda ao pé da Igreja da Nazaré, quando a cantina foi invadida por provocadores armados da FNLA nesse distante 1975.
Trabalhou com alguns de nós em muita coisa relacionada com a emergente Republica Popular de Angola, nomeadamente no Órgão Coordenador do MPLA para a Europa, no Luciano Cordeiro em Lisboa, onde se fazia de tudo em pouco para se substituir uma embaixada que não havia então em Portugal.
O Luis Filipe Colaço, nosso insigne estatístico, colaborou com o Adriano nos arranjos musicais do disco “O Canto e as Armas” de 1971 onde tem uma canção com poema seu, editado pelo Arnaldo Trindade, antecedendo a sua fuga de Portugal para se juntar aos muitos que lutavam por uma Angola diferente.
Fernando Pereira
24/7/2011

22 de julho de 2011

LIVROMENTE/ ÁGORA / Novo Jornal nº 183/ Luanda 22-7-2011



Editado pela “Afrontamento” já no fim do ano passado só agora acabei de ler o livro “Os donos de Portugal”, um relato de “cem anos de poder económico” da autoria de Jorge Costa, Luis Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas.
Talvez alguns dos autores suscitem reservas políticas pertinentes, mas isso não invalida que estejamos perante um trabalho sério, em que naturalmente as relações entre Portugal e Angola no último período de um século sejam escalpelizadas com detalhe. Das relações dos grupos económicos portugueses em Angola no período entre 1910 e 1974, o livro pouca novidade traz a muitos outros que foram sendo publicados há longos anos a esta parte, desde o estudo de Maria Belmira Martins, Maria Filomena Mónica, Pedro Ramos de Almeida, Eduardo Sousa Ferreira, Armando de Castro e quejandos ao nosso conterrâneo Henrique Guerra, no seu “Angola, Estrutura Económica e Classes Sociais”, livro escrito na prisão de Peniche em 1972 e 1973, onde esteve preso por actividade política na luta anti-colonial.
O que acaba por ser interessante neste livro são a constituição dos novos grupos económicos portugueses e a sua interligação e participação no capital por grupos angolanos, e a sua reciprocidade.
O livro é a compilação de textos académicos a que os autores deram uma discutível componente política de um espaço económico pronunciadamente agrilhoado.
Foi com surpresa que li que o Presidente José Eduardo dos Santos, teria dito que quando da independência, Angola teria apenas quarenta licenciados! Não faço a menor ideia em que contexto o disse, mas qualquer que seja está completamente equivocado.
Recordo-me que em 1978 na esteira do 1º Congresso do MPLA houve por parte da então Universidade de Angola, hoje Agostinho Neto, a necessidade de se criar uma comissão que determinasse o número de doutorados, mestres, licenciados e bacharéis existentes no País e ao que se apurou por exemplo no tocante a médicos angolanos eram pelo menos 58, se a memória não me trai. Esse documento foi muito badalado pois havia profissões em que o número de licenciados era de três, falando por exemplo de geólogos. Era curioso o número de antropólogos e sociólogos que apareceram então, e que era motivo de alguns dichotes, no que o angolano é de uma prodigalidade assinalável.
O livro de Carlos Rocha Dilolwa de 1978, “Contribuição à História Económica de Angola”, apontando os números da colonial FASTA (Fundo de Acção Social no Trabalho), refere 3094 alunos matriculados no ensino superior em Angola e 274 docentes em 1972. Convirá não esquecer que Angola no tempo colonial não tinha várias faculdades, como por exemplo Direito, Arquitectura entre outras. Dilolwa aponta para a existência de 561 médicos em 1973 na colónia, exceptuando os da tropa colonial. Mesmo grande como foi a debandada houve muitos que permaneceram e outros que regressaram O próprio livro encomiástico sobre Angola, da Progresso de Moscovo, de L.L. Fituni diz que Angola em 1976 tinha 50 médicos de um total de 750 no tempo colonial.
Estes livros da editorial Progresso deviam ser elevados a objectos de culto, nomeadamente os que existem sobre Angola e que guardo religiosamente na minha estante. Ocasionalmente, como foi o caso, abro-os e não me fico pelo que vou procurar; Vou começando a ler e realmente os “sovias” conseguiam mostrar uma Angola que nem os próprios angolanos mais acérrimos defensores de qualquer causa tinham “peito” para defender.
Oleg Ignatiev, o citado Fituni, Albert Nenarakov ou o Tarabrin, doutor em ciências históricas (leis gerais e carácter específico da luta anti-imperialista), são alguns dos muitos e pujantes escritores da ex-URSS que falavam de Angola com pouco ou nenhum conhecimento, mas lá enxameavam as poucas montras das livrarias com livros que empoeiradamente se iam mantendo, até que alguém se lembrasse que o sol já tinha descolorada a encadernação.
No livro do tal Fituni vem um quadro com a população de Angola em 1980 dividido em etnias: Africano, Branco e Mestiço! Uma “pérola” entre várias.
Estou convencido que alguns destes livros só poderiam ter vindo na cabine de algum limpa-neve!

Fernando Pereira
19/7/2011

15 de julho de 2011

CONSAGRADA TOPONÍMIA/ Ágora/ Novo Jornal nº 182/ Luanda 14-7-2011




Durante uma temporada num período pós-colonial as placas da sinalização vertical e os traços da sinalização horizontal da cidade desapareciam num ápice e só anos mais tarde é que eram substituídas.
O cidadão de Luanda não raras vezes confrontava-se com posturas municipais que alteravam o trânsito, publicavam essa alteração na imprensa, comunicavam à polícia (então CPPA) e placas ou riscos no chão nem sombra, o que acabava sempre por originar discussões e multas recorrentes.
Uma certa manhã, numa altura em que o movimento de viaturas nada tinha a ver com o de hoje, numa rua ali para os lados de S. Paulo que sabia ter um único sentido no tempo colonial confronto-me com um carro em sentido contrário. Naturalmente desviei-me porque a ideia com que fiquei foi que o condutor era um neófito na cidade e iria fazer o mesmo, devendo explicar-lhe que estava enganado. O homem, um expatriado, ao tempo cooperante começou a vociferar e a agitar os braços de forma ameaçadora, como a razão lhe assistisse.
Eu, cidadão nado e criado em Luanda resolvi perder uma parte das boas maneiras e resolvi desfacilitar pela falta de propósitos do indivíduo. Saiu do carro e dirigiu-se a mim e peremptoriamente afirmava, com tiques até simiescos, que eu estava a transgredir, respondendo-lhe que quem estava a fazê-lo era ele pois aquela rua sempre teve aquele sentido. Ele argumentava que não havia placa nenhuma, e disse-lhe o mesmo que faziam os polícias de Luanda enquanto passavam a multa: “já lá esteve”. O tipo saiu a abanar a cabeça, deu meia volta e reentrou na legalidade, ainda que desconvencido.
Se houve placas que já caíram várias vezes houve outras que se mantém de azulejo, cimento e ferro de pé na cidade com a toponímia colonial bem vincada e quase a afirmar que “aqui foi Portugal”!
A Igreja da Sagrada Família foi executada segundo o plano gizado pelos arquitectos António de Sousa Mendes e Sabino Luis Martins, que ficaram em segundo lugar no concurso para o projecto em 1964, tendo sido preterido o desenho do arquitecto do Lobito, António Campino (1917-1997), o vencedor do concurso, considerado demasiado arrojado pelas autoridades eclesiásticas.
Em tempos quando a sua conservação deixou muito a desejar o léxico verrinoso do luandense chamava-lhe a “desgraçada família”. Nas traseiras do templo há uma placa que indica a Rua D. Manuel I, Rei de Portugal (sec. XV e XVI) que termina no Largo da Independência.
Convenhamos que é no mínimo irónico, quando vemos ruas com nomes de cientistas, escritores e cidades serem substituídas pelas razões políticas mais pueris e permanecer este nome, que terá sido o rei que mais “colheu” com os “descobrimentos” ou “achamentos” como bem dizem os brasileiros.
Lembro que a Sagrada Família foi inaugurada pelo Américo Tomas, ao tempo presidente da Republica de Portugal e logo se me amemoriou o discurso feito pelo Tomaz em 1970 noutras circunstancias não menos risíveis.
Ao presidir à cerimónia da inauguração da estátua de D. Manuel I, em Alcochete, o Chefe do Estado afirmou: «Vive hoje a vila de Alcochete o dia mais festivo da sua existência milenária, ao encerrar as comemorações do quinto centenário do nascimento do rei D. Manuel I com a inauguração da estátua erguida na terra em que o rei «Venturoso» viu a luz da vida, há 501 anos. ( ... ) Primo direito do rei D. João II, sobrinho do rei D. Afonso V, sobrinho-neto do Infante D. Henrique ,o excelso príncipe das Descobertas, e bisneto do rei D. João I, D. Manuel foi o nono filho do Infante D. Fernando, irmão único de D. Afonso V. Quando aqui nasceu em 1469, nada faria 'prever que pudesse vir a ser rei de Portugal, mas uma série de imprevisíveis acontecimentos caprichou em o tomar o único herdeiro legitimo de D. João II, quatro anos antes da morte do grande rei e notabilíssimo governante, que pela sua sagacidade e persistência excepcionais, se tomou num dos maiores homens portugueses de todos os tempos. Desígnios da providência”. Depois de referir que “as palavras que proferia não eram propriamente para acrescentar qualquer achega às que foram ditas e muito bem ditas”, o Chefe do Estado afirmou, a certo passo: “D. Manuel I beneficiou de um passado que lhe preparou magnificamente o futuro. Foi, sem dúvida, sumamente venturoso por isso, mas não o teria sido se o não tivesse sabido ser. Esta uma verdade que seria injustiça não lembrar nesta ocasião solene. Termino, apresentando os meus respeitosos cumprimentos aos nobres descendentes do rei Sr. D. Manuel I e lembrando também que devemos ser gratos à sua memória e honrar a obra imensa que realizou. É o que estamos presentemente fazendo em África”.
Falta só dizer que este texto foi objecto de censura pelos serviços do “Exame Prévio”.

Fernando Pereira
12/7/2011

A Borracha do Rocha /Jornal O INTERIOR / 14-7-2011




Presumo que os próximos tempos serão de grande discussão no Partido Socialista num momento em que "O PS tem de ser refundado de alguma maneira, tem de ser melhorado, tem de discutir política a sério e tem de ter política a sério e grandes ideias para o futuro", segundo Mário Soares.
Fiquei perplexo porque sempre pensei que o Mário Soares tivesse sido alguém no PS, mas pelos vistos um de nós enganou-se, a história ou eu.
Nunca é tarde para começar, e já estou a ver que nos próximos tempos o que se vai discutir no Partido Socialista vai ser Hegel, Owen, Fourier ou Saint-Simon , o jovem Marx (estou a ver toda a gente com a Ideologia Alemã e as “Críticas a Feuerbach” na mão, ali para o lado da Rua dos Prazeres),Kautsky, Bernstein, Weber ou outros teóricos do socialismo moderno.
Acredito que vai ser mesmo isto e acho que se vai conseguir sair dos lugares comuns do quotidiano eleiçoeiro, onde magotes de gente com colarinho fechado, vestidos com fardas maoistas a brandir o livro vermelho poderão ocupar uma outra sede, ali perto da Álvares Cabral na cidade capital do País, onde todos os Prazeres de todos os distritos e autónomas fluirão num líder qual revisitação portuguesa de “The Last King of Scotland”, esse filme onde Forest Whitaker foi “oscarado”.
Vou gostar de ver, e quiçá participar neste conclave se me aceitarem, mas talvez ainda não veja grande movimentação porque os textos teóricos estarão presumivelmente a ser passados para PDF. Há sempre a possibilidade de poder consultar o site de uma fundação perto de si (neste caso, no largo de S. Bento, perto do Rato).
Como o Tomas enquanto presidente tinha mais piada que o Cavaco Silva, apesar das atribuições serem iguais, não resisto a colocar aqui uma parte de um discurso e reportagem em 1970 em Torres Vedras: O Chefe de Estado visitou Torres Vedras, onde inaugurou vários melhoramentos. À sua chegada, uma força da Legião Portuguesa prestou as honras da praxe ao Almirante Américo Tomás. Ao discursar, durante a sessão de boas-vindas, o Chefe do Estado evocou o papel histórico das linhas de Torres. Disse o Almirante Américo Tomás: “Tem esta terra, senhor presidente, largas tradições, tradições que vêm de muito longe; mas eu agora só quero referir aquelas que distam no tempo de século e meio. Aqui estão colocadas as Linhas de Torres, essas Linhas que conseguiram parar os exércitos de Napoleão e salvar a cidade de Lisboa na terceira invasão francesa. Pois bem, esta terra cumpriu, através das suas Linhas, o seu papel na defesa da Pátria. Tem cumprido sempre esse papel ao longo dos tempos e eu, neste momento, para terminar estas minhas palavras, quero dizer que as Linhas de Torres estão presentemente em todo o nosso Pais: começam no nosso Ultramar, mas, também, aqui na Metrópole, elas são absolutamente indispensáveis, porque temos que defender a nossa Pátria em todos os lugares onde ela existe. E hoje, nos tempos modernos, o campo de batalha não está apenas no sítio em que as lutas se travam: está em toda a parte, e nós, por conseguinte, precisamos de ter Linhas de Torres em todo o nosso Pais, em todo o nosso território,..”
Não sei se irei ler o “18 Brumário de Luis Bonaparte” de Marx para seguir as orientações do também Nobre, mas Soares.

Fernando Pereira
27/6/2011

10 de julho de 2011

UMA VOLTA PELO BAFIO! / Ágora / Novo Jornal 181/ Luanda 8-7-2011






Às vezes empoleiro-me na estante, arriscando os meus volumosos e mal distribuídos 94kg também os 1, 87m de altura e talento e reencontro verdadeiras obras e desgraças do Espírito Santo, de quem não sou adepto nem tampouco temente.
Voltei a pegar no livro de Mugur Valahu, “Angola – Chave de África”, editado pela P.A. M. Pereira em Lisboa 1968.
Peço que desculpem o termo, mas o livro é uma verdadeira náusea no que às relações humanas e raciais respeitam.
Vamos por partes. Este Mugur Valahu nasceu em Bucareste em 1920 e faleceu no sul de França em 2003. Aos vinte anos, como membro da organização fascista romena da “Guarda de Ferro” , a "Orastie Libertatea", participa e é ferido na “Operação Barbarrosa”, nome de código da intervenção militar nazi na URSS durante a segunda guerra mundial, integrado como voluntário no exército de Hitler.
Em 1946, algum tempo depois da queda do pró-nazi Ion Antonescu, Mugur foge para em Paris onde começa um percurso de jornalista na Rádio Free Europe, BBC, Fígaro e France-Press, tendo conseguido a nacionalidade americana graças aos bons ofícios de uns quantos romenos exilados nos EUA, acolitados pelo arcebispo da Igreja Ortodoxa, Valeria Trifa, presidente da National Union of Romanian Christian Students, organização de legionários do regime romeno, e serventuário das “potencias do Eixo”
Mugur Valahu começa a descobrir uma vocação africana, emoldurada com muito dinheiro à mistura, e em 1961 ei-lo no Congo, mais propriamente no Katanga posteriormente Shaba, onde escreve um livro: “Aqui jaz o Katanga” (The Katanga Circus 1964). O livro eivado de racismo primário é sintetizado no comentário do “Pantera Cor-de-rosa”, o general colonialista Kaulza de Arriaga:”Os povos negros são, de todos os povos do mundo, os menos inteligentes”… “O perigo da civilização colonial vem dos negros evoluídos, mas graças a Deus nós não temos possibilidade de fazer evoluir todos os negros”. Já nem me preocupo em reproduzir as recomendações do K. “na necessidade de crescimento da população branca e na limitação da população negra através da limitação científica da natalidade”.
Mugur Valahu, um mercenário da caneta, do tipo Cascudo ( que foi assessor de imprensa da FNLA, depois de muitos trabalhos laudatórios para o CITA , de Alves Cardos, conhecido entre os jornalistas em Angola em meados dos anos sessenta pelo “Major Cabaça” (polido por fora e oco por dentro).
Ler este livro ou discursos, publicações ou opúsculos de Henrique Paiva Couceiro, Norton de Matos, Mousinho de Albuquerque é exactamente o mesmo no conceito que tem do africano, e no caso do angolano.
“O contacto com o branco mudou naturalmente os hábitos dos negros, que muitas vezes tiveram que trabalhar a chicote. Há pessoas que perguntam certamente por que motivo os portugueses recorreram no passado ao trabalho obrigatório, e hoje ainda recorrem á disciplina dos contratos. É que se os deixassem viver à sua moda frugal, sem nada fazer, a maioria do tempo, os Negros de Angola, e também dos outros países, viveriam na ociosidade”…”Foi pois o branco que, com as suas tentações, os veio tirar do seu torpor” (SIC).
Outra pérola sobre a actividade psico-social do exército colonial numa determinada fase da guerra em Angola: “ Se o negro nos rouba qualquer coisa, é preciso censurá-lo abertamente e reclamar a restituição do objecto; nem ele se sente atrapalhado se for apanhado com a mão dentro da algibeira do próximo. Se, pelo contrário aceitamos as suas negativas, as suas mentiras, não hesitará em falar de nós como de imbecis que se deixam facilmente intrujar”(SIC).
Este livro, hoje uma raridade não é uma obra para se esquecer, é acima de tudo só e apenas mais um documento do que foi um passado em Angola há quarenta anos e qual era a ideologia prevalecente, no contexto de um tempo que muitos não se coíbem de dizer com total desfaçatez que nem foi mau de todo!
Parece descabido neste arrazoado de mentalidades bafientas falar de Ernest Hemingway, mas relembramos que fez cinquenta anos se suicidou na sua casa de Ketchum no Idaho (2 de Julho de 1961). Terá sido um dos melhores de sempre, e que no Velho e o Mar deixa esta frase: «o homem não foi feito para a derrota», «um homem pode ser destruído mas não derrotado.».

Fernando Pereira
30/6/2011

2 de julho de 2011

DA PANELA AO UGANDA! / Ágora/ Novo Jornal nº 180/ Luanda 30-6-2011





DA PANELA AO UGANDA!
As modernidades não param de me surpreender.
Fui recentemente convidado por uma amiga para comer um fungi e naturalmente não recusei, pois sei que normalmente fá-la sempre bem, sendo até demasiado escrupulosa na escolha dos ingredientes.
Naturalmente cheguei a sua casa no quarto de hora seguinte à hora previamente marcada, e curiosamente não a vi afogueada como das outras vezes em que fui presenteado com uma opípara muambada.
Fui à cozinha colocar o vinho branco na geleira e não vi a desarrumação habitual que um repasto destes costuma proporcionar.
Sentados à mesa reparei que o sabor não era exactamente o mesmo, mas há dias em que as coisas na cozinha não correm bem e o único comentário que fiz foi um desengraçado: “já comi pior e gostei”!
A surpresa estava guardada para o fim, quando essa minha amiga me disse que tinha sido cozinhada numa “Bimby”, a “Barbie” das cozinhas modernas e que pelos vistos dá para fazer tudo. Mercado muito, criatividade cada vez menos!
Em Luanda na segunda metade dos anos setenta levantou-se um coro de protestos em torno da exibição do filme a “Vitória em Entebbe” no Cine Atlantico. Uma parada de estrelas liderada pelo judeu Marvin Chomsky resolveu fazer uma recriação do resgate de um avião da Air-France, sequestrado por um comando palestiniano que exigia a libertação de presos em Israel. O filme era uma adaptação moderna do Weissmuler e a sua racista pose de Tarzan, num misto de qualquer coisa como “O ultimo comboio do Katanga” ou o “Africa Adeus”, filmes que recorrentemente passavam no Colonial, N’gola e S. João na primeira metade dos anos 60.
O filme era vexatório e nem os que se opunham a Idi Amin em África toleraram tamanha dose de arrogância sionista e racismo, daí os protestos no “Jornal de Angola” ao tempo o único jornal do País. Trinta anos depois a extraordinária interpretação do tranquilo Forest Whitaker no papel de Idi Amin, James McAvoy na pele de Dr. Nicolas Gerringan, numa realização superior de Kevin Macdonald do filme “ O Ultimo Rei da Escócia”, trata de forma fidedigna os tempos de crueldade num dos mais prósperos países agrícolas de África.
Idi Amin era presidente do Uganda e da OUA quando a Republica Popular de Angola se tornou independente e houve acordos com Nixon tendentes a que a UNITA fosse privilegiada na luta pelo poder em Angola. Foi Idi Amin quem forçou o reconhecimento da UNITA como movimento de libertação com o sórdido argumento de que Àfrica devia ser para os negros, como Deus lhe havia confidenciado a seguir ao golpe de Estado que depôs em 1971 Milton Obote.
Os britânicos apoiaram este antigo boxeur, sargento dos King’s African Riffles, na expectativa de terem alguém mais brando para defender os seus interesses. As elites africanas adaptaram-se a ele durante longo tempo, visto que aquele que afirmava que “nunca se chega tão depressa como uma bala de espingarda” foi eleito em 1975 para a presidência da OUA, e nessa qualidade recebido por Paulo VI. Nyerere em vão protestava:” Um assassino, um opressor, um fascista negro e um admirador confesso do fascismo”, e a realidade é que para além de cem mil mortos no seu consulado (1971-1979), o corte de relações com o Reino Unido, a sua promoção a marechal com toda a parafernália de pechisbeque e trajes, a expulsão de 90.000 indo paquistaneses, indispensáveis à economia do Uganda e deixou o País à beira da fome e a população no estado mais desesperado de indigência.
Idi Amin, o “Big Daddy”como gostava de ser chamado fazia parte dos 7% de muçulmanos dos vinte milhões de habitantes do Uganda e foi deposto por Yusuf Lule em 1979, que numa entrevista à Afrique-Asie de 16 de Abril desse ano disse que “ O Islão nunca foi tão terrivelmente caricaturado como por Idi Amin Dada, que acabará no caixote do lixo da história…”.
Ainda não andava a “Bimby” por perto!

Fernando Pereira
27/6/2011
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