22 de junho de 2012

Fotografia a la minute/ Ágora/ Novo Jornal 231/ Luanda 22-6-2012







Com a proliferação de demolições, gruas, tapumes e condicionamentos de toda a ordem no Kinaxixe, veio-me à lembrança a enorme mafumeira que por lá havia num tempo em que as pessoas de Luanda julgavam conhecer toda a gente na cidade.
Ciclicamente, todo o largo e as lagoas anexas se cobriam com um ténue manto branco, que invariavelmente me fazia espirrar ininterruptamente pois a minha rinite não se compadecia com a sumaúma que, depois de recolhida, servia para encher almofadas e um ou outro colchão de alguém mais abonado que tivesse meios para substituir o colchão de folha e sabugo de milho seco.
A mafumeira, que não sabia a idade, era o verdadeiro centro do largo e local que acolhia um conjunto de pessoas que tinham misteres diversos. Entre os profissionais que os ramos frondosos da árvore abrigavam estava o “fotógrafo de rua”, profissão que hoje desapareceu de todo, com o advento das máquinas digitais e telemóveis que dão para tudo.
Todos os dias lá estava a sua máquina com tripé, com fotos a cobri-la, e aquele pano preto longo, que me fascinava em miúdo, porque imaginava tudo o que lá pudesse haver dentro sem conseguir ter qualquer certeza; No chão, o balde, a corda com as molas onde secavam as fotos e um lençol branco esticado numa espécie artesanal de estirador num canto, onde estava pendurada a gravata e o casaco, indispensáveis para que qualquer um fosse fotografado a rigor. Um caixote de sabão, cadeirinha e um espelho completavam o quadro que eternamente me fascina, hoje como uma saudade distante. A mafumeira já foi há muito ano deitada abaixo; o fotógrafo também se transferiu para outra mafumeira que ficava no que é hoje o Largo da Independência, e que também foi destruída para dar lugar à que hoje é a Av. Ho-Chi-Min. Com ela desapareceu o homem que metia a cabeça no pano preto e com a mão fazia de sinaleiro para a melhor posição do fotografado.
Já que falo de fotos, vem-me à lembradura uma situação curiosa que ocorreu comigo uns anos depois da independência. Amiúde ia à baixa comprar café numa casa esconsa que ficava ao lado do Quintas e Irmão (hoje loja da Moviflor) e que dava àquela rua um cheiro inigualável. O ritual era passar no “Aníbal de Melo”, ver as fotografias que por lá colocavam regularmente relativas a eventos de “Estado e Partido” em Luanda e nas províncias. Costumava deixar o carro em frente à “Lusolanda”, e como as montras nesse tempo eram pouco apelativas, nem sequer olhava para ver o que quer que fosse. Um dia, nem sei bem a que propósito, olhei para um expositor do que era a “Foto Castro”, e digo para alguém que me acompanhava: “Deixa cá ver quem são os colonos que estão aqui na foto!”. No meio de uma quantidade de fotos a preto e branco, desbotadas e empoeiradas, dou com uma foto minha num postal de Natal, que mirei e remirei vezes sem conta para ver se era efetivamente eu, e recordei-me então de ter tirado aquela foto na primeira metade dos anos sessenta. Poucos anos mais tarde quando a quis mostrar a um familiar, vi que o expositor tinha sido vandalizado e as fotos tinham desaparecido, admitindo contudo que não terá sido por minha causa.
No tempo em que se tentavam edificar os caboucos da sociedade socialista de Angola havia algumas bizarrices que hoje são recordadas com particular nostalgia e vão fazendo parte do historial humorístico do quotidiano do País.
Certa vez no Lubango, por ocasião de uma viagem de serviço, passeava no “Picadeiro”, nome por que se designava a “Pinheiro Chagas”, fazendo tempo para jantar. Entrei na “Tirol”, que era uma pastelaria emblemática da colonial “Sá da Bandeira”, e entre espelhos primorosamente limpos, vi que havia três balcões de vidro. Num deles havia um expositor cheio de rebuçados de cores diversas e com magnífico aspeto. Perguntei às duas meninas que estavam ao balcão o preço dos drops e elas responderam que “não sabiam porque o camarada responsável por aquele balcão não estava, nem já viria nesse dia”. Procurei perceber a lógica e então compreendi que cada vitrina tinha um responsável, e que, na ausência de qualquer um deles, "despodíamos" ter acesso aos poucos produtos que havia. No dia seguinte ainda lá voltei, mas o “camarada responsável pelos rebuçados e correlativos”, e que tinha consigo a chave do balcão, não tinha aparecido, ficando sem poder adoçar a boca.
Isto aconteceu quando o ex-Beatle Paul MacCartney tinha cerca de quarenta anos. Já que ele fez esta semana setenta, todos conseguem, com umas continhas, determinar em que ano sucedeu este episódio “Tirolês”.
Parabéns Sir Paul e obrigado por tudo o que nos ajudaste a sonhar com o que compuseste e cantaste.
Fernando Pereira
19/6/2012

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