12 de agosto de 2011

"Massa Bruta" / Ágora / Novo Jornal nº 186/ Luanda 12/8/2011





O Negage no tempo colonial era uma cidadezinha (???) sem grande piada, que não destoava de todas no grande Congo Português.
A figura marcante do Negage durante décadas foi um ex-degredado de Valpaços, vila portuguesa transmontana, João Ferreira de sua graça.
Tinha um porte físico avantajado, sempre andrajoso com umas calças de serrobeco coçadas, uma camisa de xadrez que poucas vezes terá visto água e sempre nas costas com um casaco ensebado que nunca largava, fizesse frio ou calor argumentando que “o que tapa o frio tapa o calor”.
Segundo constava, este iletrado era provavelmente uma das maiores fortunas de Angola e à sua volta multiplicavam-se as histórias mais inverosímeis. Eu conheci-o em miúdo e nunca mais me esqueci da abundante pilosidade das suas mãos, sempre em movimento no meio de berros quase imperceptíveis.
Tinha uma actividade comercial fecunda e as suas cantinas proliferavam por todo o Norte de Angola desde o Ucua, Camabatela, Kimbele, Quitexe, Kalandula, Ambriz, Cangola, Tomboco, uma teia que percorria várias vezes por ano para fazer contas com empregados locais. Quando fazia as contas e o empregado se queixava que “o negócio estava mau”, o “Massa Bruta”, como também era conhecido, dizia ao feitor que o acompanhava que “faça contas com este tipo”; Perante a estupefacção do empregado dizia: “Um empregado meu tem que roubar para ele e para mim, só roubar para ele não é negócio ”.
Tinha umas fazendas de café, uma demarcação de gado e muitos prédios urbanos espalhados pelo norte de Angola, Luanda, Lisboa e Valpaços, onde quando ia de férias havia sempre uma festa programada com banda fanfarra e bailarico durante dias, onde as pessoas comiam por sua conta. Era um gastar à tripa-forra de uma pessoa que era avaro no que tocava a fazer face às suas obrigações, para com os contratados nas suas propriedades em África, muito pouco respeitados aliás.
Em Luanda, num terreno na Valódia onde até há bem pouco tempo havia um mercado numa miserável adaptação africana dos jardins do Dali em Figueras, o João Ferreira preparava-se para fazer o maior prédio de África, “donde se avistasse Catete”, que felizmente se ficou pelas intenções, frustradas pela evolução política angolana.
Contam-se histórias surpreendentes do João Ferreira, como aquela de ter ido ao BCA, no início dos anos 60, e com o ar andrajoso terá pedido 15.000 contos da sua conta, ao que o empregado disse que tivesse juízo; Como o Ferreira insistia que queria o dinheiro, o gerente do banco é chamado ao balcão e fica lívido quando se depara com a situação. O fanfarrão do Ferreira exigiu que o empregado fosse demitido e que lhe fosse dado todo o dinheiro que por lá tinha, algo que o Banco despodia fazer. Depois daí a história espalhou-se que seria para instalar o BCCI, que o dinheiro teria ido em camionetas para o mato em notas de vinte, que o caixa que contou o dinheiro se enganou na contagem e deu mais de mil contos, tendo ido ao Negage de avião e depois de sanado o erro, o Ferreira terá dito: “ Tome lá os mil contos, que dinheiro só quero o meu, e leve mais este molho de cem para os gastos e o susto”. Conta-se a história de ter comprado o “Hotel Mundial”, depois de lhe ter sido barrada a entrada por se apresentar sujo e andrajoso, tendo exigido o despedimento imediato do empregado.
O João Ferreira em determinada altura, numa atitude recorrente de “coronel” brasileiro do interior, quis impor no Desportivo do Negage algo que desagradava aos outros directores, que ousaram desafiá-lo. Não esteve com meias medidas, fundou o Sporting, mandou alguém a Lisboa comprar uns jogadores das reservas do Benfica, alguns já com varizes, e eis que nos deparamos no fim dos anos sessenta, uma vila do interior com duas equipas a disputar um campeonato de doze equipas, numa afirmação clara que o dinheiro abrutalhadamente conseguido vale mais que tudo.
Para muitos era uma figura notável, que colocou o Negage no mapa, tendo inaugurado em 1971 o Hotel Tombwaza à entrada na estrada que vinha de Camabatela, mas não passava de uma figura ridícula apaparicado porque tinha dinheiro, não sabia ler nem escrever, não sabia conduzir, não andava de avião, em síntese uma pessoa amiudadas vezes recordada pelos piores motivos.
Não respeitava a autoridade, porque entendia que era ele que a pagava, tratava toda a gente com sobranceria e era excessivamente grosseiro com os seus empregados principalmente com os trabalhadores negros; Não usava cheques e o seu mundo era limitado e talvez mesmo os seus maiores devaneios foram as garrafas de espumante marado que pagava a rodos nos cabarets luandenses Bambi, Marialvas, Embaixador etc., onde a sua boçalidade era insistentemente comentada.
Gente deste jaez era dispensável em Angola.
Fernando Pereira
8/08/2011

"Trinca-Fortes" / O Interior/ 11-8-2011




A Lusofonia tem as suas vacas sagradas, e admitamos sem rebuço que Luís de Camões é uma delas pois é um dos símbolos maiores da escrita em língua portuguesa!
Desvou escrever sobre Luís Vaz de Camões da forma hermética que o discurso oficial e oficioso da Lusofonia nos habituou, mas sim do verdadeiro "Trinca Fortes", com as características do português suave de Fernão Mendes Pinto miscigenado com o Fado Tropical de Chico Buarque.
Na linguagem da filosofia, tentou-se criar uma ciência independente: "A Semiótica"! Realmente a primeira proeminente figura da Semiótica mundial foi Luís de Camões, ombreando com o Capitão Gancho e mais recentemente com o antigo ministro da defesa israelita, Moshe Dyan. O comum destes tipos era só terem um olho, ou apropriadamente dizerem, trazer tudo debaixo de olho!
Falando de Luís Vaz de Camões, que tem para aí dez terras a assumirem que nasceu por lá! Lisboa (os lisboetas só ainda não assumiram que o Pinto da Costa nasceu lá, porque ainda é vivo, e inevitavelmente daqui a 500 anos irão, de certeza fazer-lhe uma estátua, colocarem uma lápide numa casa a dizer:”Aqui presumivelmente nasceu Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, homem sério, vencedor como nenhum outro, incompreendido no seu tempo!”). Santarém, Coimbra, Constança, Porto, Linhares da Beira, outras e paradoxalmente no meio de todas Olhão, que presumo por um devaneio humorístico, pois só faltaria, terem dito, que o homem teria nascido na avenida da Boavista no Porto.
O Luís de Camões fascina-me em muitos aspectos! Começando pelo seu fim, admitamos que personifica algum pechisbeckismo dos portugueses. Estar na miséria, e ter um escravo com nome económico, Jau, para mendigar por ele. Tinha uma tença, que revela bem que o problema das reformas é já um problema antigo, que não lhe dava para sobreviver, e vai daí arranja um escravo para cobrir alguma zona da cidade. Esta de ter um escravo para pedir esmola é coisa grande!
Outra coisa que me fascina, é o facto de ele ter atravessado o mar da China, com os Lusíadas numa mão no meio da tempestade. Sinceramente era demais, sem um olho e só com um braço, o homem merecia uma toalha da GANT á chegada, um chá e uns scones quentinhos! Como ainda não havia a indústria da petroquímica, nem os derivados do petróleo, não se pensava sequer nos sacos de polietileno, para embrulhar o notável canto IX dos Lusíadas, que no liceu só um professor de português numa de clandestinidade ousou mencionar. Houve alguém que insistiu presumir, que todo esse episódio aconteceu na Costa dos Esqueletos, perto do rio Cunene.
Já vem de longe, a falta de apoio aos criadores e à cultura, algo que não acontece com a gente dos mercados, tão apoiados sempre pelo dinheiro subtraído aos contribuintes.
Algo em que o olho é recorrente ou não estivéssemos a falar de Camões é vê-lo andar sempre metido com o olho pelas casadas, o que o obrigou a "ser olho por olho, dente por dente", prevalecendo no caso dele o “olho por olho”!
Deixo o “olho por olho” pois não faltaria muito para ser acusado de revelar alguma homofobia no que estou a escrever, fruto de leituras enviesadas que alguns fazem destes escritos.
Deixem-me pelo menos finalizar com duas breves citações do discurso do mal-amado Jorge de Sena no 10 de Junho de 1977 na Guarda sobre Camões e Portugal:
“Os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha; e por isso disfarçam a sua insegurança adulta com a máscara da paixão cega, da obediência partidária não menos cega, ou do cinismo mais oportunista, quando se vêem confrontados, como é o caso desde Abril de 1974, com a experiência da liberdade”
“Deixem-me todavia recordar-vos que o grande aproveitacionismo de Camões para oportunismos de politicagem moderna não foi iniciado pela reacção. Esta, na verdade, e desde sempre, mesmo quando brandindo Camões, sentia que as mãos lhe ardiam. Aqueles oportunismos foram iniciados com o liberalismo romântico e com o positivismo republicano”.

Fernando Pereira
7-08-2011

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