2 de setembro de 2011

CRÓNICA BREJEIRA / Ágora / Novo Jornal 189 / Luanda 2-9-2011





Sou um admirador confesso do Luis Pacheco.
Luis Pacheco (1925-2008) foi só o mais virtuoso provocador das letras portuguesas. Colaborador da revista angolana “Notícia” entre 1968 e 1973 brindou-nos com crónicas que são constantemente reeditadas em antologias diversas. Era um homem pouco atreito a regras e multiplicador de inimigos, corrosivo bastante para provocar iras e alimentava debates constantes, muitos publicados que já fazem parte do acervo literário português. Provocador indocumentado, muito poucos conseguia escapar ao gume das suas palavras.
Era recorrente não ter dinheiro e recorria aos amigos para lhe valerem nos seus cada vez mais curtos ciclos de aflição, que a determinada altura passaram a eternos; Costumava classificar os amigos em função de quanto lhe emprestavam: amigos de vinte escudos (muitos), de cinquenta (muitos ainda), cem (uns poucos), quinhentos (raros) e mil (um apenas, o nosso conhecido Manoel Vinhas).
Em determinada altura os amigos davam-lhe trabalhos de tradução para ajudar a minorar os seus eternos apertos financeiros. Numa ocasião, o tradutor Bruno da Ponte resolve entregar-lhe uma parte da versão francesa do “Dicionário Filosófico” de Voltaire, já que na circunstância os prazos eram curtos e sempre ajudava o Pacheco a ganhar algum. O Luis recebeu o dinheiro mas a tradução demorava a sair, mesmo por insistência do Bruno da Ponte que estava a ser pressionado pela Editorial Presença, pois precisava do livro para distribuição. Depois de muito esforço o Luis Pacheco numa noite sentou-se em frente à sua máquina de escrever, e sem nenhum dicionário de apoio “aviou” a tradução. Acontece que havia palavras e termos que desconhecia, e colocou-as a vermelho para posteriormente as emendar; As palavras a vermelho eram um chorrilho de asneiras do mais ordinário possível, em que as palavras “merda” e “puta” eram indiscutivelmente as mais brandas. Foi dormir e nunca mais se lembrou do assunto. De manhã telefonam-lhe pela enésima vez a solicitarem a tradução e pegou nela, foi ao Correio e mandou-a para Lisboa para o Bruno da Ponte, que sem ler a entregou ao editor e este sem rever enviou para a tipografia. Os tipógrafos tinham um princípio de nunca alterar uma linha ao que lhe era enviado, porque julgavam que todas as palavras a vermelho faziam parte do texto, tipo “coisa de intelectuais”, e o que fizeram foi colocá-las em itálico. A edição começou a ser feita e o Luis Pacheco, num rebate tardio de lembrança resolve sair das Caldas da Rainha, onde morava, e vem a Lisboa à pressa tentar travar a impressão, o que só foi possível em parte. A verdade é que os exemplares que existem dessa edição atingiram um preço proibitivo, porque quem a possui não se quer desfazer dela por nada. Convenhamos que o nome do Luis Pacheco não aparece, e o Bruno da Ponte ainda hoje diz ter passado a maior vergonha da vida.
Já que se fala em gafes recordo que nos anos sessenta o jornal portuense “Primeiro de Janeiro” mandou para a rua uma edição matinal em letras garrafais, na primeira página, que dizia “Publicadas as contas gerais do Estado”; O detalhe importante foi que a tipografia omitiu o “T” na palavra “contas” e o resultado ficou bem à vista em todos os quiosques e ardinas, até a edição ter sido toda recolhida, já que no jornal ninguém tinha previamente visto com cuidado a página principal.
Em Coimbra existe um vetusto jornal conhecido como o “Al Calinas”, uma derivação do célebre jornal egípcio “Al Aran”,o Diário de Coimbra, que de vez em quando brindava-nos com títulos deste tipo: “Octogenária de oitenta anos caiu do eléctrico e ficou contusa”ou “ Arma de dois anos fere gravemente criança de dois canos” ou “Faltou a luz no estádio da mesma”, e por aí fora.
Nunca nos haveremos de esquecer “das propriedades afro-asiáticas” de uma planta com propriedades afrodisíacas, como bem dizia uma jovem locutora da TPA, nos tempos em que esta era ainda Popular e não Publica e a caminhar para a Privada!
Acham por isso que alguém se surpreende pelo anedótico da revista portuguesa “Sábado” num recente artigo sobre Luanda. Brejeirice total!

Fernando Pereira
27/08/2011

MÁRIO PALMA: A SUSTENTÀVEL IDEIA DE VENCER / Novo Jornal / Luanda 2-9-2011




O Novo Jornal (NJ) deslocou-se a Coimbra para entrevistar Mário Palma, o mais titulado dos treinadores angolanos, que levou a selecção portuguesa pela segunda vez na história do basquetebol luso à fase final do campeonato da Europa de basquetebol, a disputar na Lituânia.

Esclareça-se que esta entrevista foi feita durante a primeira fase do campeonato africano de basquetebol a disputar em Madagáscar, e a pedido do entrevistado evitou-se que se fizesse qualquer referência à selecção angolana que defende o título.

NJ- Mário Palma recorda-se o título de 1980, que afinal foi o primeiro de 27 títulos conquistados em Angola, entre os quais seis campeonatos africanos seniores?

MP- Lembro-me perfeitamente desse campeonato africano de juniores em 1980 pelo entusiasmo de jogadores, técnicos, dirigentes e publico que permitiu que Angola conquistasse o seu primeiro campeonato continental, que foi um poderoso incentivo para colocar o basquetebol como a modalidade de maior visibilidade no País. Quem pode esquecer aquela final épica na Cidadela?

NJ- Regressa ao “1º de Agosto” num dos momentos piores do clube no contexto dos campeonatos de basquetebol. Admite que é um desafio com alguns contornos de risco?

MP- Quem anda em competição sabe que há momentos em que se ganha e momentos em que se perde; Faz parte do nosso quotidiano de treinador, e quando temos razões de sobra que o nosso trabalho é sério, é apoiado, é profissionalmente assumido com muitas certezas que ao longo da carreira se tornaram inabaláveis, permite-me aceitar o desafio num contexto que certamente iremos dar muitas alegrias a um clube para quem tenho uma dívida.

NJ- Dívida? Explique lá isso.

MP- Em 2005/6 pela 1º vez em toda a minha vida senti que desiludi todos que comigo trabalhavam, principalmente os jogadores e pessoas do clube com quem tinha grande afectividade. Conjugaram-se uma série de factores desde problemas de saúde, aliado a um desequilíbrio emocional , que não conseguia dar-me uma estabilidade indispensável para um trabalho profícuo e que desse ao clube os títulos que todo o seu empenho na modalidade exigiam.

NJ- Não estará à espera que o seu regresso seja do agrado de todos?

MP- Claro que não, e não seria desejável que isso acontecesse, pois o monolitismo é sempre redutor em todas as vivencias colectivas, e só a divergência e a crítica permite melhorar o nosso desempenho no campo profissional e no nosso comportamento inserido numa sociedade de valores onde a seriedade e a ética tem que ser traves mestras de todo o edifício onde vivemos. Regresso a Luanda disposto a trabalhar e promover algum debate, porque os meus quarenta e cinco anos de Angola atribuem-me responsabilidade que acho que não devo alijar. Não estou disposto a abrir guerras pueris, mas também não estou disponível a que ser alvo de avaliações soezes de carácter, quando a única crítica que tenho que admitir tem que ser fundamentadas pela discordância das minhas opções em jogo, pois sou um técnico qualificado, e digo-o com justificada vaidade que tenho um palmarés que poucos a nível mundial se orgulham de o ter.





NJ- Voltando ao seu regresso ao “1º de Agosto”, que expectativas traz, quando já ganhou no clube tudo que havia para ganhar enquanto técnico?

MP- Costuma ser lugar-comum dizer-se que não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz. Nunca devia recusar o convite feito para continuar às pessoas que insistiam comigo para ficar em 2006 e aos que afectivamente estou ligado .O Lutonda dizia insistentemente: “ O Prof não pode sair daqui” e expressava bem o carinho de todos, que eu provavelmente ao tempo avaliei de forma demasiado superficial, mas foi assim!
Quero colocar o “1º de Agosto” no seu lugar de topo no basquetebol angolano e quero ajudar a desenvolver estruturas que ajudem o clube a renovar-se e simultaneamente a formar jogadores, técnicos e dirigentes que o potenciem como o maior clube angolano de basquetebol.

NJ- O Mário Palma está a dar uma entrevista defensiva, sem querer falar do basquetebol angolano, selecção, clube e técnicos, a maior parte dos quais trabalharam consigo enquanto jogadores e começaram consigo como técnicos.

MP- Admita que seria deselegante da minha parte fazer abordagens críticas à FAB, à selecção, a técnicos ou jogadores, isto para me circunscrever aos agentes activos do basquetebol. Tenho as minhas ideias, partilho pontualmente as minhas concepções, mas acho que não é importante para o basquetebol angolano abrir guerras artificiais, autofágicas que apenas beneficiam os nossos adversários e fragilizam o muito de bom que se tem feito no País no domínio desportivo. Penso que por vezes exigir-se-ia à FAB uma melhor política de comunicação, de forma a dar visibilidade a um trabalho esforçado e dedicado do Gustavo da Conceição e seus colegas de direcção.
Conheço três gerações de jogadores ganhadores de Angola, treinei a maior parte deles, naturalmente que tenho que ter opinião, o que não devo é antes de chegar mandar recados, porque isso seria uma prática condenável. Admito sem rebuço que o Olimpio é potencialmente um dos melhores jogadores do Mundo na posição 2, como Lutonda que tem 40 anos e o Carlos Almeida deveriam ter sido convocados para a selecção nacional. Está a ver que não fujo a nada, mas há momentos para tudo, e este é o momento para regressar e trabalhar no propósito de alcandorar o 1º de Agosto aos patamares cimeiros do basquetebol africano.

NJ- E a selecção de Angola? Pensa um dia voltar a sentar-se como timoneiro da selecção?

MP- Sou um profissional de basquetebol, já passei por muito sítio, por isso nunca ponho de lado a hipótese de novos desafios ou repetir situações vividas com sucesso. Neste momento tenho um contrato com a selecção portuguesa que termina em Setembro de 2012. A selecção de Angola tem um corpo técnico a trabalhar, por isso parece-me extemporânea a pergunta. “ O Caminho faz-se caminhando” como dizia o poeta espanhol António Machado.

NJ- Na minha opinião já devia ter sido dada a nacionalidade Angolana ao Mário Palma, não apenas pelas suas décadas em Angola, mas também por ter sido obreiro de grandes alegrias que Angola vem vindo a ter em termos desportivos há trinta anos. Que expectativa leva para uma Angola, diferente da que deixou em 2006?

MP- Gostava de ser cidadão angolano, e também partilho consigo a ideia que o mereço, mas isso não me cabe a mim resolver, ou melhor talvez venha a pedi-la, porque afinal sempre aqui vivi e o tempo que cá não vivi, vivia por aqui.
No meu regresso vou gostar de visitar o País todo sem constrangimentos de qualquer ordem. Ir por estrada a locais onde já não vou há mais de trinta e cinco anos e que me marcaram na minha juventude vivida numa Luanda crioula dos anos 50 e 60. Vai ser um complemento excelente do basquetebol e revigorante para mim que sempre quis ver este País em paz e a desenvolver-se como parece acontecer a um ritmo interessante.

NJ- Muito obrigado e felicidades no seu “Reviver o passado no 1º de Agosto”, e fica já aprazada nova conversa no fim da época para uma avaliação.

Fernando Pereira
Hotel Tivoli Coimbra 22/8/2011


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