24 de outubro de 2015

Ricos e Ricos Meninos / Ágora / Novo Jornal / Luanda 23-10-2015




O “Expansão”, na semana passada publicou que Luanda tem 4.900 milionários, que juntos valem 3% da fortuna do continente africano, e posicionam-na como a sexta cidade no “ranking” dos ricos das cidades africanas!
Não fiquei particularmente entusiasmado com esta notícia, porque uma parte significativa das pessoas da lista, tem um papel relativamente encolhido no pouco dinâmico sector produtivo do País.
Gente com hábitos de consumo exagerados no contexto atual de Angola, a ostentarem muito e a fazerem francamente pouco na criação de emprego para os cidadãos, e inerentemente que ajudasse à criação de uma média burguesia que alavancasse novos desenvolvimentos, e alguns projetos ideológicos que pusessem o Estado a funcionar com regras bem definidas.
Os ricos só serão respeitados se promoverem o desenvolvimento económico e simultaneamente ajudarem à integração social das pessoas. No estado em que estamos, a diferença entre os que os invejam e o que os criticam pela sua inação é muito pequena e a perpetuar-se esta situação, o respeito dos cidadãos por este estrato da população aumenta em agressividade verbal ou até de forma física.
Obviamente que há exceções, que desenvolvem o País, mas ainda não conseguem ser em número suficiente que permitam esconder a riqueza aviltante que vai circulando pelos olhos chocados de uma população a quem falta muito de quase tudo!
Vou deixar aqui algumas histórias de gente de “sucesso”, para muitos saberem que outros bem mais ricos eram “bem mais discretos”, o que também não faz certas pessoas terem um caracter imaculado.
Num restaurante no Guincho em Cascais dois clientes numa mesa despertavam a atenção dos outros comensais e recebiam as atenções dos empregados. Jorge de Melo, antigo todo-poderoso do grupo CUF e Américo Amorim, acionista de muitas empresas e considerado pela revista Forbes o mais rico de Portugal.
A conversa ia fluindo e a determinada altura dizia Amorim em voz moderadamente alta: “Sou o homem mais rico do País” ao que terá retorquido Jorge de Melo: “Já fui eu, mas era mais discreto”! Ainda nessa conversa Amorim dizia:” É uma maçada ser o homem mais rico do País” ao que o interlocutor replicou que “Não ligue, isso passa”!
António Champalimaud, foi durante muitos anos o único português com fortuna pessoal, que tinha direito a figurar recorrentemente no top das cem maiores fortunas europeias. Numa rara entrevista a um canal de TV quando se abordava a proverbial “forretice” e a frugalidade da sua vida quotidiana, foi questionado, entre outras trivialidades, qual a marca do seu carro, respondeu que era um luxuoso Bentley, com quase trinta anos; Perante a surpresa da entrevistadora, retorquiu Champalimaud que quando mudava de carro tinha que ser um durável para que pudesse manter-se muitos anos e em condições.
O sueco Ingvar Kamprad, dono do poderoso IKEA, uma das cinco pessoas mais ricas do mundo, parece viver uma vida bastante modesta. Apanha o metro para ir trabalhar, voa nas companhias aéreas “low cost”, fica em hotéis de categoria média e outras idiossincrasias que o tomam por avarento. Kamprad diz: “ As pessoas dizem que sou avarento e que não me importo que eles também sejam. Mas a verdade é que me sinto muito orgulhoso por seguir as normas da nossa empresa”. Apesar disso, também é verdade que não se privou de ter uma casa fantástica na Provença (França), nem de residir na Suíça, um país habituado às extravagâncias dos milionários.
Amâncio Ortega, dono da Inditex, a maior fortuna de Espanha, segunda na Europa, sétima no mundo segundo a revista Forbes, é um discreto galego que fundou em 1975 e uma pequena alfaiataria numa rua discreta na cidade portuária do norte de Espanha, La Coruna.
Homem que não dá entrevistas, não se deixa fotografar e preserva a sua intimidade ao ponto de não se saberem pormenores tão comezinhos como os seus hábitos quotidianos ou as suas relações de amizade. A marca mais conhecida da empresa é a Zara, mas agrega também a Pull&Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Oysho, Zara Home, Uterqüe e Tempe. O império de Amancio Ortega estende-se por 73 países, com mais de 47.000 lojas e quase 90.000 empregados. Em todo o mundo há uma loja do grupo, por isso se diz que “No Império Ortega, o Sol nunca se põe”.
John Rockefeller (1839-1937), fundador e dono da Standar Oil Company, que se ramificou nas atuais ExxonMobil, Chevron, Conoco Philips e a Sohio. Dono de uma fortuna calculada em 325.300 milhões de dólares passou a imagem de um filantropo mas um dos seus maiores prazeres era lutar contra os sindicatos operários, empenhando-se com métodos verdadeiramente nojentos na repressão das greves e na perseguição a dirigentes sindicais.
Para se ter a noção exata da fortuna de Rockefeller, compare-se a sua fortuna com a do 1º do mundo, o mexicano Carlos Slim Helu, segundo a Forbes com uma fortuna estimada em 53500 milhões de dólares, seguido de Bill Gates com 53000 milhões de dólares. O PIB de Angola em 2013 foi de 124.200.000.000 de dólares, isto só para termos de comparação.
Andrew Carnegie (1835-1919) com uma fortuna estimada ao tempo de 298.000 milhões de dólares, foi o rei do aço nos EUA. Nasceu pobre na Escócia e emigrou para os Estados Unidos e deixou uma frase que ainda hoje é lapidar nas escolas de gestão mais famosas da América: “ Um dos segredos do sucesso empresarial não consiste em fazermos nós próprios o trabalho, mas sim em saber identificar a pessoa mais indicada para o fazer”. No epitáfio da sepultura de Carnegie pode ler-se: ”Aqui jaz o homem que soube rodear-se de homens mais hábeis que ele.”
Para finalizar citar o moçambicano Mia Couto: "A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
Fernando Pereira 5/10/2015

15 de outubro de 2015

Lentidão das Facas / O Interior / !5/10 /2015



Lentidão das Facas
Já muitos falaram do resultado das eleições portuguesas. Vamos, porém, aguardar serenamente pelo que aí vem, embora o meu ceticismo quanto a alterações importantes permaneça inalterado, apesar de algumas movimentações.
Talvez muitos dos poucos que me leem não saibam, mas durante muitos anos tive apenas nacionalidade angolana e só muito recentemente readquiri a portuguesa, mantendo naturalmente a angolana.
Angola comemora quarenta anos de independência. A 11 de Novembro de 1975, a então República Popular de Angola emerge no conjunto de nações independentes.
Marcada por uma saída generalizada de quadros que asseguravam o quotidiano de uma colónia muito dependente das opções pouco assertivas de uma Lisboa centralista, Angola enfrenta, simultaneamente, uma guerra civil que se prolongou até 2004.
Com índices de pobreza enormes, mesmo num contexto terceiro-mundista, e com uma sociedade onde a segregação racial era profunda, a jovem Angola é confrontada com o abandono quase generalizado dos portugueses, o que acaba por destruir o único sistema de distribuição que existia por todo o território, para além de outras implicações que levaram à paralisia de todo o sector económico e social do território.
Neste contexto, o esforço dos angolanos foi de enorme estoicismo, embora tivessem sido tomadas algumas opções estratégicas erradas, assumiu-se algum radicalismo ideológico que trouxe constrangimentos institucionais a médio prazo. Claro que é fácil dizer-se hoje que “tudo poderia ter sido diferente”, mas as circunstâncias exigiam respostas rápidas, com necessidades óbvias de reafirmar militarmente a soberania do território e a resolução dos problemas imediatos de um povo que se libertava das “grilhetas do colonialismo”.
Conhecemos a história do que foram estes 40 anos de Angola, ou melhor, uns quantos conhecem, mas, como em tudo, muitos, não sabendo,opinam e dão palpites com argumentos do mais risível possível.
Não tenho pretensões a explicar o que foi este percurso de quarenta anos de Angola enquanto afirmação de um País, já que hoje é cada vez mais fácil explicar-se que um País africano, economicamente dependente das receitas petrolíferas, vive em sobressalto permanente, um pouco pela oscilação na cotação internacional do petróleo e também pelas opções económicas e políticas erradas que os dirigentes do País vão tomando ocasionalmente.
Fico triste com algumas situações, por outro lado fico indiferente, e fico particularmente entusiasmado com o muito que o País foi conseguindo fazer numa tentativa de inverter o marasmo e a destruição que a guerra justificou.
Há ainda um caminho longo a percorrer mormente na defesa dos princípios constitucionalmente consagrados no que concerne aos direitos dos cidadãos e ao direito de reunião e manifestação.
Convenhamos que não alinho com as posições da maior parte das manifestações que se fazem em Angola, mas também tenho que admitir que a forma de as impedir ou dispersar é demasiado violenta no quadro da legalidade prevalecente.
Quando se perpetua a prisão de um conjunto de pessoas por um período demasiado longo, invocando-se um argumento perfeitamente bizarro de “tentativa de golpe de estado", só se contribui para desacreditar as instituições angolanas, e a ausência de respostas para este caso revela que há muitas dúvidas na estrutura de topo, legalmente constituída, no País.
Não partilho das convicções nem da linguagem desbragada que os prisioneiros utilizam, alguns dos quais conheço pessoalmente, mas há uma coisa que insisto em defender que é a preservação da liberdade e dos direitos dos cidadãos a manifestarem-se de forma ordeira. É urgente que se acabem as prisões arbitrárias pelo crime de “delito de opinião”. Só assim o País passará a merecer respeito por parte das pessoas que não andam a ver a cotação do petróleo para tomarem uma posição.
Até lá, continuamos a não conseguir fazer o 11 de Novembro de 1975!

Fernando Pereira
13/10/2015

2 de outubro de 2015

DECEPÇÃO À REGRA / Ágora / Novo Jornal/ Luanda /2-10-2015



Estamos a pouco mais de um mês do dia da independência do País, e convém começarmo-nos a habituar que “o colonialismo acabou”!
As desculpas sistemáticas para os erros que cometemos nos tempos de Angola como País independente têm invariavelmente um culpado: o colonialismo!
No dealbar de Angola enquanto País independente e durante um período relativamente dilatado da nossa vida coletiva, justificavam-se perfeitamente grande parte das críticas, embora pontualmente atirávamos para cima do “fantasma”, erros que nós próprios cometíamos, algumas vezes avisados nem que fosse pela sua repetição.
“Quem não viveu, esqueceu, ou renunciou às delícias das ilusões desses grandes dias nunca vai conhecer o exato perfume das flores” dizia um velho camarada, já falecido há poucos anos, quando confrontado com a realidade de um contexto completamente diferente do que ele e muitos sonharam naquele Novembro nunca esquecido. Justificava a sua alegria do onze do onze de mil novecentos e setenta e cinco, para esquecer a frase tantas vezes pisada e repisada entre muitos que da utopia julgavam fazer um País: “Não foi isto que combinámos”.
É um dado adquirido, o colonialismo morreu, e não vale a pena matraquear em volta de um argumento estafado! Sem errar, penso que entre oitenta a noventa por cento da população angolana não tinha nascido para assistir ao estertor do colonialismo, ou viveu-o num período em que a perceção das desigualdades inerentes ao sistema ainda são demasiado difusas, para poderem ter a verdadeira dimensão de quão mau e degradante foi o que se procurou enterrar naquela noite de Novembro!
Não vale a pena continuarmo-nos a enganar, remetendo tudo que é mau para as sequelas do colonialismo, porque na realidade esse argumento começa a ter pouca ou nenhuma justificação, perante uma opinião pública diferente que temos no nosso País, a quem raras vezes é dada alguma importância.
Os responsáveis por investimentos errados, má administração da coisa pública, venalidade nos negócios em que o Estado é parte interessada, desmandos, perseguições e prisões feitas de forma injustificada tem rostos, nomes, apelidos, cognomes, nomes de guerra e paz, urge que sejam responsabilizados, de forma a evitar o abastardamento das instituições.
A oposição ao MPLA clama por liberdade, mas a realidade que se nos depara quotidianamente, é que internamente os partidos e organizações políticas que corporizam o “contra” o governo, acabam por usar métodos internos, que não indiciam nada de bom para recuperar os valores de liberdade e democracia que badalam aos quatro ventos.
Se o MPLA, enquanto maior força política, alicerçada pela vitória no voto popular, se apropriou de forma algo imprudente do aparelho de Estado, para usar alguma brandura nas palavras, a realidade é que a contestação dos partidos da oposição é pouco aglutinadora em propostas e muito débil em convicções.
Urge o debate no seio do MPLA fora do “folclore comicieiro” que arrasta multidões, mas de onde não surge uma proposta ou uma ideia que proporcione desenvolvimento e uma maior e mais cuidada distribuição de riqueza.
Não devemos continuar a perpetuar um País onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos, e para não corrermos o risco de amanhã termos parido uma geração de ressabiados e desesperançados formatados num espírito individualista que só se une para desancar nos que não lhe deixaram perspetivas e odiarem toda uma geração onde há muita gente que não é venal e defendeu as suas convicções de liberdade e socialismo!
Angola tem hoje uma cobertura de internet do melhor que há em África, e tem um número crescendo de internautas que enxameiam as redes sociais com propostas, comentários, insultos, apoios e outras formas de intervenção. O tempo dos “órgãos de difusão massiva” acabou, por isso é perfeitamente dispensável fazer cercos aos meios de comunicação estatais para evitar as opiniões do contraditório.
O que se nota, da leitura quotidiana que faço nas redes sociais, é que encontro muita gente a divergir do status quo vigente, com comentários inteligentes, fundamentações interessantes e assentes em realidades presenciadas, vividas ou investigadas. Também há o aviltamento gratuito de pessoas e instituições, mas isso não se consegue evitar, e acaba por ser irrelevante quando não se dá importância.
Esta gente já passou da decisão da idade para a idade da razão, o que quer dizer que é gente que já passou a juventude e estão na fase de maturação, e muita destas pessoas tem lídimas razões para terem maiores ambições profissionais e políticas. Urge começar a falar-se de uma hierarquia de competências em detrimento de fidelidades, algumas caninas, ao superior hierárquico no “partido e estado”, para recuperar uma saudosa frase de um tempo em que tínhamos todas as esperanças do mundo.
Angola no quadro dos países aparece em desonrosos lugares nos itens de desenvolvimento, e a culpa não é do colonialismo, é nossa! Não vale a pena tapar o sol com a peneira, pois a continuar assim a degradação vai ser continuada e continuamos a ser zombados e olhados com desconfiança em tudo, tolerando-nos pontualmente em certos lugares como por exemplo Portugal onde alguns gastam à tripa-forra, compram empresas a falir e dão chorudas gorjetas em restaurantes e cabarets. Deixemos de ter dinheiro para gastar, que os portugueses deixam de ligar alguma coisa aos angolanos.
“Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”, dizia Rousseau, e esse devia ser um dos pilares do nosso quotidiano de vida coletiva. Estamos muito longe disto!
Infelizmente, continuamos há quarenta anos a arranjar as desculpas, quando devíamos era enfrentar as adversidades e ter a humildade para reconhecer os nossos erros, sem que isso macule o orgulho na angolanidade construída em quarenta anos de lutas, de vitórias, de derrotas, muitas delas que a opinião publicada transformou em vitórias.
Urge fazer a exumação do cadáver “colonialismo”, e nada melhor que o fazer neste início de novo ciclo que se aproxima. A história passará a tomar conta dele, nós é que não devemos continuar a perpetuá-lo com desculpas de mau pagador.
“É horrível assistir à agonia de uma esperança” Simone de Beauvoir.
Fernando Pereira
26/9/2015
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