10 de fevereiro de 2012

I CAN 2012./ Ágora / Novo Jornal 212/ Luanda 10-2-2012





Não percebo a decepção das pessoas por causa da participação da nossa selecção no CAN 2010, nem consigo admitir que toda a ira caia em cima do seleccionador.
Não sou treinador, percebo muito pouco de futebol para vir para a praça pública invectivar equipa dirigente da FAF, equipa técnica e jogadores, numa competição em que normalmente Angola tem feito pouco melhor que isto.
Como dirigente desportiva estive sempre interessado na valorização de uma cultura física e desportos ligado à formação integral do cidadão, e ao desenvolvimento e envolvimento da juventude numa educação plena num contexto de valores e referências de matriz diferente desta realidade que vamos vivendo.
Acho que o facilitismo do “mercado” acaba por mostrar a sua face negativa, quando temos que nos expor em situações que comparativamente temos que nos confrontar com outras realidades e outros modelos organizativos.
Para o melhor na maioria das vezes, e para o pior algumas delas o angolano tem um ego do tamanho do mundo. Nada a opor quando isso é importante para exprimir a vontade colectiva e a defesa dos valores e interesses do País. Quando o ego tolda o raciocínio dos que tem responsabilidade, em vez de assumirem alguma dose de culpa e fazerem exercícios de expiação assobiam para o ar, arranjando um bode expiatório para justificar erros colectivos.
Angola vai passar a ter muito revés ao nível das selecções, e o aviso começou no basquetebol masculino no último Afro-Basquete em Madagáscar, e novamente agora no CAN no Gabão e Guiné Equatorial. São sinais evidentes que há muita coisa mal no desporto no País e nem o undecacampeonato de andebol feminino nem o africano de basquetebol feminino conseguem disfarçar a falta de uma política desportiva coerente, adaptada à realidade do País num quadro de cultura e desporto acessível à juventude, nem mais nem menos que o grosso da nossa população.
Vale muito pouco andar de candeia acesa à procura de culpados, pois a responsabilidade pela degradação da situação é partilhada por muitos desde agentes desportivos, dirigentes, jornalistas, técnicos, atletas e professores.
Quando há muitos anos, nos momentos que se seguiram à independência se procurou optar por uma política coerente, adaptada à realidade angolana num quadro de organização desportiva africana, teve-se em conta que só uma grande participação de jovens, enquadradas por clubes, escolas, associações, orientadas por animadores, monitores e técnicos desportivos qualificados poderiam criar um alfobre para as modalidades de alta competição, ou de alto rendimento como hoje é corrente dizer-se.
O futebol, por razões que se prendem com o facto de haver enormes investimentos em África, por vezes para servir interesses de afirmação pessoal, política e económica de alguns baronetes exigia maior comedimento, e o seu crescimento em Angola devia criar expectativas limitadas no quadro continental.
Penso que a voracidade que acompanha o dinheiro fácil esquecemo-nos um pouco de tudo isso, e o que vamos assistindo é que se vão fazendo investimentos avultados, mas pouco consistentes na sua componente organizativa global e de resultados imediatos paupérrimos.
Enquanto os órgãos reitores do desporto angolano, não despirem a gravata, arregaçarem as mangas e voltarem a discutir, organizar e promover uma cultura física e desporto coerente tendo em atenção a disponibilidade dos angolanos para a sua prática regular, o que vamos assistindo é a um cada vez maior estado de degradação das nossas representações desportivas no exterior, e de facto acaba por ser não apenas reflexo do que não fazemos no contexto do desporto e também vai pondo a nu os nossos frágeis remendos nas políticas de juventude no nosso imberbe tecido social.
Até lá, só temos que ficar à espera que o que se passou de muito mau no CAN 2012 se repita!

Fernando Pereira
5/2/2012
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