20 de março de 2015

"BENVINDO" AO REGRESSO!-Ágora-Novo Jornal-Luanda 20/3/2015




BENVINDO AO REGRESSO!
"Dessei" se alguém sentiu a minha ausência nas páginas do Novo Jornal, mas admito que pelo menos eu sentia a falta de me obrigar a ter este espaço. Aceitei o convite do Carlos Ferreira e só reitero o mesmo entusiasmo, igual ao de há sete anos quando o Vitor Silva e o Gustavo Costa me incentivaram a fazer esta crónica semanal, num semanário que criou enormes expectativas no quadro geral da imprensa angolana. Ficaram as enormes, faltam cumprir as expectativas!
Não sei se irei manter o formato anterior, pois neste “ano sabático” surgiram novas ideias, projetos rejuvenescidos e nada melhor que citar o andaluz António Machado no seu “caminho faz-se caminhando”, para dizer que ainda não há nada definitivo neste retornar.
Num recente trabalho de Maria José Tiscar Santiago, editado pela Colibri, “Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra Colonial”, é feita uma exaustiva investigação sobre as ligações que havia entre Portugal e Espanha no contexto das lutas de libertação nacional das colónias portuguesas, e todo o percurso ziguezagueante dos diplomatas dos dois países na busca de soluções que as circunstancias desfavoráveis se propiciavam no pós-Bandung.
Talvez não haja no essencial muitas surpresas, mas a pormenorização da discussão de algumas situações pouco conhecidas ou mesmo ignoradas dão um conjunto significativo de informações que explicam muito do que se foi passando nas décadas de sessenta e setenta em Angola e países limítrofes.
As condenações na ONU por parte de países africanos contra a política colonial portuguesa e o alinhamento sistemático por parte da Espanha com o regime de Salazar e Caetano são revisitados pela historiadora, mostrando à saciedade quão útil foi a muleta de Madrid a Lisboa. Foram abertos os arquivos ultramarinos em Portugal, e os diplomáticos em Espanha dos anos 50,60 e 70 e isso faz com que este trabalho traga novas pistas sobre as ligações espúrias de alguns líderes africanos com as ditaduras ibéricas, dissimuladas através de uma retórica profundamente anticolonialista e de busca de uma autenticidade africana.
As sucessivas “traições” que os movimentos independentistas das colónias portuguesas foram recebendo por parte de altos dignitários de alguns países africanos, conluiados com infiltrados da PIDE e comerciantes pouco escrupulosos, conseguiam por vezes resultados desastrosos nas débeis organizações que lutavam contra o colonialismo.
Os apoios de Youlu, Kasavubu,Tshombé, Boigny, Mobutu e uma série de títeres e subalternos foram conseguindo adiar o futuro por uns tempos. Temos que convir que depois de lermos o livro ficamos com a sensação nítida que a diplomacia portuguesa e espanhola conjugada, executaram um excelente trabalho.
Nas “memórias” de Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeiros português da fase final do governo de Salazar, dizia-o a determinado passo: “ Não estava preocupado com o circo que estava montado na ONU. Os que mais vociferavam contra a nossa presença no ultramar, eram os primeiros nos bastidores a baterem-nos nas costas e a incentivar-nos a continuar determinados na presença de Portugal em África”.
Este livro de Maria José Santiago contém uma vasta recolha de documentação que dá alguma razão a Franco Nogueira e às teses que defendia para a perpetuação de Portugal em Angola.
O prefácio é assinado por Adriano Moreira, um “rectificado” pela democracia portuguesa, que tenta ocultar partes de um passado que não deveria ter tido. A estafada frase de Ortega Y Gasset em que “a vida somos nós e as circunstâncias” cai que nem uma luva no homem que foi diretor do ISCPU (Instituto de Ciências Sociais e Politica Ultramarina), escola de quadros da administração colonial, subsecretário de estado do fomento ultramarino e ministro do ultramar, onde em determinada altura se alcandorou a delfim de um Salazar que era velho, mas suficientemente sagaz para não dar hipóteses nenhuma a quem lhe oferecesse dúvidas. Salazar utilizou Moreira como nós utilizamos um Kleenex e na altura em que estava resolvido um conflito com Deslandes, ao tempo governador-geral de Angola e simultaneamente comandante militar no território nesse 1961, o ano de tudo, o “manholas” demitiu os dois em grande velocidade.
Para além de ter sido um confesso defensor da política colonial portuguesa, um teorizador contrário ao avassalar das independências africanas, foi no seu consulado que reabriu o campo de concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago onde penaram prisioneiros de consciência da Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Cabo-Verde. Alguns por lá morreram e foi de certa forma aviltante quando no Cabo-Verde independente se dá a distinção de “Honoris Causa” a Adriano Moreira. Mereciam mais essa gente a quem a prisão tirou anos de vida para que as independências surgissem!
Espero não ter uma surpresa destas na minha terra! Bem bastam outras que vou tendo e que também me desagradam.


Fernando Pereira
11/3/2015









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