8 de dezembro de 2017

Bibliofalando! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 8-12-2017




Bibliofalando!
Resolvi dedicar os últimos meses a um exercício quase obsessivo de pôr em dia uma série de leituras de livros em que o tema era Angola.
                Comecei pelo livro de José Reis, “Angola o 27 de Maio, memórias de um sobrevivente”, editado pela Vega, e quando cheguei ao fim não consegui esconder a deceção de ter lido um relato cheio de hiatos, pouco rigoroso e sem qualquer relevância para contribuir para que o 27 de Maio de 1977 possa começar a ser devidamente esclarecido pelos sobreviventes. O livro parece ter sido feito a medo e a irrelevância de certas descrições tornam um livro pobre vindo de uma pessoa de quem esperava francamente mais.
                Comentando com um amigo comum o livro, e manifestando a minha deceção, foi-me adiantando que iria sair um segundo livro sobre o mesmo assunto. Confesso que despercebo porque é que não saiu com tudo no primeiro, que repito é paupérrimo nos fatos descritos.
                Também editado pela Vega, de Hugo Azancot de Menezes, “Percursos da Luta de Libertação Nacional”. Um livro que são memórias pessoais numa viagem ao interior do MPLA. O livro é interessante, pouco elaborado na verve, mas sobretudo um documento importante sobre a luta de libertação nacional e as querelas internas no seio daquele MPLA que muitos de nós não conhecíamos, mas que acabámos por herdar nos tempos conturbados do dealbar da independência.
                Hugo Azancot de Menezes acrescenta uma nova versão da data de nascimento do MPLA, situação recorrente entre todos os seus conhecidos fundadores e outros que acham que terão estado nessa génese. Cada depoimento de um “pai fundador” do MPLA só vem lançar uma nova confusão na data em que o Movimento foi criado, deixando-nos justificadamente incrédulos perante a historiografia oficial, que remete a fundação para o 10 de Dezembro de 1956.
                Não fora os exageros das notas de Carlos Pacheco, e o livro lia-se bem! As notas exacerbam algumas situações que não sei se teriam sido do agrado do autor, o que torna o livro algo pesado, mas não lhe retira em nada a contextualização histórica. Um livro a ler.
                De José Manuel da Silveira Lopes, também da Vega, saiu o livro “O Cónego Manuel das Neves, um nacionalista angolano”, um ensaio de biografia política. Uma obra interessante, feita com rigor e que provavelmente coloca o Cónego Manuel das Neves como uma das figuras cimeiras do nacionalismo angolano, transversal a todos os movimentos de libertação. Queria a independência do território para a dignificação do cidadão angolano, tão vilipendiado pelas autoridades coloniais e por todo o sistema vigente!
                Durante anos ignorado pela historiografia oficial, o contributo do cónego Manuel das Neves e a postura coerente do Arcebispo Moisés Alves de Pinho deram um contributo muito importante para o início da luta armada, e fizeram sentir na comunidade católica os desmandos do sistema colonial português em África. Esta obra tenta ser rigorosa, sustentada pelos documentos possíveis, pois era útil utilizar os arquivos da PIDE em Angola, se é que existem, ou se estão conservados, para responder a inúmeras dúvidas com que os investigadores se deparam quando tem que fazer algum trabalho sobre gente de Angola. Um livro a merecer leitura atenta.
                Neste espaço de tempo em que tive oportunidade de ler alguns livros posso dizer que não me alongarei muito sobre a obra de Leonor Figueiredo, porque parte sempre do princípio que o MPLA é sempre culpado de alguma coisa! A autora faz um conjunto de entrevistas a várias pessoas, e o que se retém é a existência de grupos pequenos, demasiado circunscritos à discussão teórica do M-L e com pouca intervenção ao nível da luta que havia no País. Circunscrevia-se a Luanda, na Universidade e acho que o título “O fim da extrema-esquerda em Angola” talvez seja manifestamente exagerado, como é um exagero o subtítulo “Como o MPLA dizimou os Comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980)” e que é o leitmotiv do livro. Sinceramente não gostei, mas é uma opinião subjetiva. Editado pela Guerra e Paz.
                Neste conjunto de livros deixei propositadamente para o fim, o livro “Joaquim Pinto de Andrade, uma quase autobiografia”. Livro graficamente excelente organizado por Diana Andringa e a sua esposa recentemente falecida Vitória de Almeida Sousa, com posfácio do advogado Mário Brochado Coelho e editado pela Afrontamento.
                Um livro que é o conjunto de cartas, notas, testemunhos do que foi o percurso de um dos valorosos combatentes pela independência de Angola, que mereceria mais respeito e admiração pelos que hoje fazem depoimentos para uma futura história de Angola. Conheci-o e pontualmente tínhamos as nossas divergências, mas sempre me habituei a ver Joaquim Pinto de Andrade como uma referência no grupo restrito dos que combateram o colonialismo, com ideias muito definidas e intransigente nos princípios. Pouco dado a cedências nos valores de defesa do humanismo e da cidadania plena para os angolanos. Foi um combate de uma vida.
                Um livro mais que recomendável, porque só se pode dar futuro ao presente com o cabal conhecimento do passado.
                Charles Bukowski dizia: “É preciso sempre tentar, é melhor ter desilusões que arrependimento”
                Como ando numa voragem de leitura, prometo em breve nova crónica sobre os que já li e o que irei ler em breve. Não perdem pela demora!

Fernando Pereira
19/10/2017



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